Júlia
— Como foi o seu dia, filho? — pergunto quando ficamos sozinhos no seu quarto. Porque sim. Ao passar por aquela porta deixo toda a minha bagagem lá fora. Todas as raivas, frustrações, estresses e cansaços do meu trabalho. Tudo fica bem distante de nós dois e como sempre me dedico inteirinha apenas para ele.
Vê-lo abrir um sorriso infantil me alegra um pouco. Mel tinha razão. Ele parece bem melhor, mesmo com as suas condições.
— Foi divertido.
— Divertido?
— Tio Paco me fez companhia e nós brincamos com os carrinhos por algumas horas.
— Que legal!
— E a tia Mel trouxe alguns bolinhos de queijo escondida dos médicos.
— Os seus preferidos, imagino? — comento. — Bom, você foi muito paparicado hoje, Senhor Ricci e foi muito travesso também.
Preciso fazer um lembrete de conversar com esses dois. Como puderam ser tão imprudentes e deixá-lo descarregar tanta energia durante o dia inteiro?
— Agora você precisa dormir um pouco, filho. — Beijo as suas bochechas.
— Não, mamãe. — Alex protesta frustrado. — Agora eu quero ficar com você. Estou com muitas saudades.
— Eu sei, querido. Que tal se a mamãe te contar uma história bem divertida? Você dorme um pouco e quando acordar eu prometo que ficarei algumas horas a mais aqui com você. O que acha?
— Você jura?
— Juradinho! — Faço uma cruz com os dedos e a beijo em seguida.
— Está bem. — O ajudo a se acomodar melhor na cama e me sento em uma cadeira para começar a contar-lhe a história.
— Eu quero a história de A Garota da Capa Vermelha.
— Nossa, essa não é uma história de ninar, Alex! — resmungo. — Que tal algo mais… — Paro de falar quando as máquinas começam a fazer um som estranho de repente, então Alex revira os olhos e perde as suas forças do seu corpo.
— Alex?! — O chamo. — Socorro!!! — grito desesperada. — ALEX?! ALEX?!
— Tirem-na daqui! — Um médico ordena quando uma equipe inteira invade o quarto e eu sou imediatamente arrastada para fora do cômodo. Desesperada, encosto-me no vidro transparente começo a chorar, enquanto assisto a insistência dos médicos em trazê-lo de volta para mim.
Por favor não vá!
Por favor não me deixe sozinha!
Por favor não vá!
Rogo silenciosamente, enquanto as lágrimas escorrem pelo meu rosto. E quando tudo fica calmo outra vez, eu volto a respirar.
— Senhorita Ricci, será que podemos conversar um pouco? — O cardiologista pede assim que ele sai do quarto, forçando-me a tirar os olhos de cima do meu filho, que continua inerte em cima da cama. Contudo, ele está respirando e eu sei, que enquanto estiver fazendo isso, sobreviverei. Sem conseguir citar uma palavra, concordo com um aceno de cabeça e logo que ele começa a andar na direção do seu consultório, eu o sigo bem atrás dele. O homem suspira cansado após se acomodar em sua cadeira e o seu olhar cheio de pena me quebra um pouco mais.
É o fim?
Eu vou perdê-lo de vez?
Por Deus, eu não suportaria!
— Eu sinto dizer que… Alex não tem muito tempo agora, Júlia. — Ele informa com o seu tom sério e profissional. E a minha respiração é imediatamente cortada. Simplesmente não consigo respirar e para não desabar, pressiono com força o braço da cadeira. — Você precisa conseguir o dinheiro para essa cirurgia o mais rápido possível, ou ele não vai conseguir passar dessa semana.
As lágrimas voltam a se derramar em silêncio e eu simplesmente não posso contê-las. Na verdade, eu não quero contê-las.
— Alex precisa iniciar com os procedimentos para essa cirurgia o mais rápido possível. Nós já temos um doador. Só precisamos dar início aos exames e trâmites.
… Eu dou o valor de cinquenta mil para você. Da maneira como você desejar. Em dinheiro, ou em cheque. Não importa. Mas em troca, eu quero que passe uma noite comigo.
Me lembro da proposta do Senhor Bennett e assinto para o médico em concordância.
— Comece a fazer os procedimentos, Doutor Aristides — peço com firmeza na voz e Aristides me encara com surpresa.
— Como assim? Você conseguiu fazer o empréstimo com o banco?
— Eu prometo que trarei esse dinheiro em dois dias.
Ele sorri para a minha garantia.
— Ótimo! Irei conversar com a equipe de cirurgias cardíacas e iniciaremos todos os procedimentos necessários para prepará-lo para um transplante agora mesmo.
— Certo!
— Essa noite ele ficará na UTI. Então, que tal se você fosse para casa e descansasse um pouco? O Alex não poderá receber visitas enquanto estiver lá.
— Claro — sibilo sem forças para lutar.
— Te vejo em dois dias, Ricci. — Meneio a cabeça outra vez.
— Obrigada, Doutor!
Saio do hospital minutos depois praticamente suspensa do chão. A minha cabeça está dando mil voltas, enquanto penso no que preciso fazer para salvar a vida do meu filho.
É por você, filho.
Eu sou capaz de fazer qualquer coisa apenas para mantê-lo vivo. Digo em pensamentos. Até mesmo fazer algo que eu jamais imaginei que faria na vida.
JúliaNo dia seguinte…— Essa reunião foi ridícula, Álvaro! — Escuto a voz brava e imponente do Senhor Bennett invadir o seu escritório nas primeiras horas do dia, quando poucos funcionários se arriscam a vir trabalhar e automaticamente fico de pé. Nossos olhos se encontram e eu prendo a respiração. — Eu te ligo depois. — Ele avisa, encerrando a ligação. E à medida que coloca o aparelho dentro do bolso lateral da sua calça social, ele caminha lento, porém, firme na minha direção. — Senhorita Ricci?— Eu aceito! — digo repentina. Ele une as sobrancelhas. — A sua proposta, Senhor Bennett. Eu aceito!— Ah, que ótimo!Bennett aponta uma cadeira atrás de mim e dá alguns passos para atrás da sua mesa, sentando-se em seguida. Os seus olhos vorazes me analisam. Então, ele abre uma gaveta da mesa e puxa um papel de dentro dela.— Eu fiz um contrato, Senhorita Ricci — Bennett fala com secura na voz, arrastando o papel na minha direção. Entretanto, não desvio os meus olhos dos seus e me forço a
JúliaJúlia— Nossa, está tudo muito lindo, Júlia! — Melissa, minha melhor amiga de infância diz, abrindo um sorriso para linda e colorida decoração de um aniversário infantil.Sorrio também.— Você acha que ele vai gostar? — pergunto, sentindo-me ansiosa pela chegada de Alex.E pensar que nem tudo era simples e feliz assim na minha vida. Lembro-me do dia que me apaixonei à primeira vista pelo jovem e lindo Adrian, e pensei que esse seria o começo para uma felicidade plena e sem fim. E eu sei que teria sido exatamente assim se não fosse um maldito acidente que o tirou precocemente de mim. Depois, em meio a dor da sua perda, descobri que Adrian havia deixado um presente valioso para mim. Eu estava arrasada, mas estava grávida também. Perdida em uma linha temporal entre a felicidade de esperar um bebê e a tristeza de perder meu grande amor. Então descobri que pelo meu filho eu teria que sobreviver a essa tempestade. Por um tempo me vi sozinha e desesperada, mas tive que me recompor. Por
Júlia— Táxi! Táxi! — Chamo com um tom elevado na voz, correndo feito uma maluca porque estou em cima do horário como sempre. — Obrigada por esperar! — falo, acomodando-me no banco traseiro do carro e logo que ele entra em movimento fito a fachada do hospital, que deixo para trás com o meu coração partido.Arquitetura sempre foi o meu grande sonho e trabalhar para uma empresa de grande porte, que pode fortalecer o meu nome nesse mercado é uma conquista. No entanto, todos esses sonhos ficaram estagnados no instante que conversei com o cardiologista que me disse que o meu filho tem seus dias contados caso ele não faça um transplante de coração com urgência. Portanto, tenho trabalhado feito uma louca desde então. Horas extras por cima de horas extras para aumentar a minha renda e assim poder juntar um valor exorbitante para salvar a vida do único amor da minha vida. Com tanto trabalho tenho poucas horas de descanso e essas, eu dedico para o meu filho, passando noites e noites no hospital
Júlia— Como foi hoje? — Procuro saber.— Ele está bem cansado e dormiu praticamente o dia todo. — Solto um suspiro de lamento e me aproximo da cama para deixar um beijo calmo nos seus cabelos.— Eu já vou indo. — Melissa avisa, ajeitando a sua bolsa no seu ombro.— Está bem. E, obrigada por ficar com ele de novo!— Você sabe que eu faço com amor, não é? Não precisa me agradecer, querida. A final, é para isso que serve as amigas e além disso, eu sou a madrinha do Alex.Sorrio e após a sua saída, fico um tempo do lado do meu filho.— Mamãe? — Sua voz fraca faz um nó sufocar a minha garganta.— Oi, filhote! — Ponho um pouco de empolgação na minha voz, enquanto o abraço deitado na cama.— Você demorou!— Eu sei. É que a mamãe tinha uma reunião, mas… — Abro um sorriso largo e pego a minha bolsa. — Eu trouxe algo para a sua coleção. — Meu garoto abre um sorriso espontâneo, porém, fraco e ainda, os seus olhos se enchem de expectativas quando tiro uma pequena embalagem, estendendo-a para ele
JúliaEu acredito que um design orgânico para uma estrutura tão sofisticada ficaria legal. Penso, enquanto deslizo o mouse pelo desenho 4D. Hum, um balaústre daria mais dinamismo e elegância para as varandas também. Determino, arrastando uma linha para fechar melhor o desenho.… Soube de um doador compatível que está a caminho desse hospital. Meu trabalho é interrompido por um pensamento e eu respiro fundo.… É uma cirurgia muito cara e o plano de saúde do Alex não cobre.Cinquenta mil. Onde vou arrumar tanto dinheiro?— Júlia, você já terminou os croquis que te pedi?— Ah… o que? — Desperto atordoada.— O que há de errado com você? — Bia pergunta, me analisando com mais atenção.— Não é nada. — Meio a cabeça.— Eu preciso dos croquis, Júlia.— Ah claro. Eles já estão prontos. — Levanto-me e vou até a outra mesa para pegar o que me pediu.— Você está bem calada hoje. Tem certeza de que está tudo bem?— Eu tenho. Obrigada por perguntar! — Ela pega o que precisa e vai para a sua mesa.