Capítulo 4

Arrumei minhas coisas e saí da sala, Bresson estava no elevador e me esperou, descemos juntos, num clima um tanto desconfortável, ao menos para mim, que não sabia como Alison agiria numa situação dessas. Ele claramente não queria conversar e eu também não tinha assunto, aliás, eu estava entretida demais tentando não manter contato visual por tempo mais que suficiente com ele, comecei a tamborilar os dedos no braço cruzado, os segundos pareciam durar horas. Viktor olhou para o relógio e depois percebi um olhar de relance para mim, instintivamente olhei de volta e dei um pequeno sorriso nervoso.

Finalmente o elevador chegou no térreo, meu telefone começou a tocar freneticamente, e revirei a bolsa desesperada tentando me afastar discretamente dele, meu celular era um modelo antigo que apenas faz e recebe ligação, depois que quebrei um celular de modelo mais moderno — apenas para enfatizar ainda mais que eu estava numa maré de azar, esse foi o único que minha condição financeira me permitiu comprar e com certeza a Alison tinha um dos modelos mais novos.

O nome na chamada informava que era Edward, meu melhor amigo. Caminhando para fora do prédio, atendi a ligação escondendo o celular com o cabelo, Viktor passou por mim indo até um carro caríssimo estacionado na vaga reservada de frente ao prédio, saindo sem sequer me olhar.

— Oi Ed! — falei animada, no vigésimo toque.

— Alyssa, até que enfim! Eu e a Lou estamos naquele barzinho de sempre e você sabe que não é a mesma coisa sem você.

Hesitei. Gosto muito de sair com eles, mas acabei de começar um novo emprego como Alison, sei que ela tem histórico de chegar atrasada, mas eu não queria decepcionar, principalmente depois de dizer ao Bresson que iria me esforçar para manter o emprego.

— Ed e Lou vocês sabem que estou falida e além disso, comecei um novo emprego hoje e preciso estar disposta amanhã.

— Ai meu Deus! E isso não é um ótimo motivo para comemorar?! — Louise quase gritou no telefone e pude ouvir Ed resmungando alguma coisa para ela.

— Não se preocupe com o dinheiro Aly, a gente paga. — Ed falou.

Edward é arquiteto, é um amigo atencioso e leal, alguém com quem você pode contar quando precisa, embora muitas vezes ele pareça um "velho rabugento", como costumo dizer, Ed é uma ótima pessoa e eu amo nossa amizade.

Louise é a pessoa mais amável que eu conheço, extrovertida e sincera, é raro ver ela triste ou se lamentando por algo. Ela vem de uma família brasileira, mas nasceu aqui e trabalha como professora do jardim de infância.

Nós três somos amigos desde o último ano do ensino médio, quando me mudei de cidade e depois disso nunca mais desgrudamos. Edward fazia parte do time de basquete, mas sempre arrumava tempo para ficar comigo e com a Lou, o melhor é que graças a ele sempre tínhamos convites para as festas. Nossa amizade passou por muitas turbulências, mas só ficou mais forte ao longo dos anos. Até mesmo na faculdade sempre dávamos um jeito de nós encontrar e quando todos concluímos a faculdade, nos mudamos pra Nova Iorque, para ajudar um ao outro, nos tornamos nossa própria família e arrisco dizer que sempre estaremos juntos.

— Tudo bem, me convenceu, mas só porque também estou com saudade de vocês e um dia ainda vou retribuir tudo que fizeram por mim. — falei, o vento frio quase congelando minhas mãos.

— Vem logo Aly. — Louise falou numa voz ensaiada.

Cheguei em casa, tomei um banho e vesti uma calça jeans de cós alto e uma camiseta branca. Moda nunca foi o meu ponto forte, depois da faculdade sempre optei pelo social e quando precisava sair para um ambiente informal, as opções eram poucas. Tirei as lentes que estavam o dia inteiro me incomodando e fui para o barzinho de sempre, como o apelidamos. Eu ainda não tinha certeza se contaria pra eles sobre o acordo com a minha irmã. São meus amigos, mas sendo honesta, esse acordo é uma prova de que eu estava mentindo ao dizer que estava bem.

O bar estava quase vazio como gostamos, era um lugar simples e aconchegante, com balcão de madeira e luzes amareladas. Ed e Lou estavam sentados na nossa mesa preferida, com suas bebidas de sempre, gin para o Ed e martini para Louise. Eles me receberam animados, felizes pela minha "conquista" e assim que pedi uma cerveja, começamos a conversar sobre as novidades.

— Aly, conta pra gente sobre o seu novo emprego, é na área de advocacia? — Lou perguntou com um sorriso, os olhos azuis brilhando em expectativa.

— Na verdade, estou trabalhando como assistente pessoal do presidente da Séculus Security. — Edward quase engasgou com a bebida quando mencionei o nome da empresa. Louise que estava perto deu tapinhas em suas costas.

— Sério? — Ed perguntou com a voz falha. — Isso é incrível, mas sabe o que falam sobre as assistentes pessoais não é? — algo sobre elas dormirem com seus chefes e serem amantes? Eu sabia, mas com ele falando assim, parecia até que não me conhecia.

— Sim, eu sei, mas foi a oportunidade que apareceu e eu pretendo fazer apenas o meu trabalho. — Ed continuou me encarando e eu concluí. — Que não é dormir com meu chefe Edward! Assim você me ofende sabia?

— Ele não tem uma boa fama Aly, espero que não se deixe levar pelas aparências. — Ed respondeu, se acomodando no banco estilo sofá do bar. Estava elegante àquela noite, usando uma camisa social branca. Tinha cortado o cabelo crespo e feito a barba.

— Nos livros, os CEO's semprem levam as assistentes para os eventos. Será que ele vai levar você também? — Lou perguntou curiosa e fantasiosa, aquilo não era um dos livros românticos que ela lê.

— Isso não é um romance, Lou, mas espero que não, eu odeio participar desses eventos da alta sociedade, além disso... — quase mencionei ter que fingir ser a Alison. — Esquece, não vai ter eventos Lou. — tomei um gole da cerveja que pedi.

— Mas você se sai muito bem. Lembra daquele evento de advogados no ano passado? Todos só falavam de você. — Ed disse tomando um gole do gin puríssimo dele sem fazer careta.

— Fala sério, era pra você ser a melhor advogada dessa cidade, eu tenho certeza que alguém armou pra você. Você mesma disse que Daniel pode ter entrado no seu apartamento e alterado o documento. — Louise disse indignada.

— Sim... Mas nunca vou conseguir provar que o documento foi alterado por outra pessoa e sequer posso ter certeza de que foi ele. — falei tentando esconder a frustração, tudo que eu queria, era ter provas e acusar o verdadeiro culpado de fraude e injúria, e então olhar bem nos olhos dele e dizer "se ferrou, otário!", mas não posso fazer isso. — Só me resta seguir em frente e algo me diz que dias melhores virão — tentei ser otimista e me levantei — Então vamos fazer um brinde aos novos ciclos na nossa vida!

Escolhi uma música na jukebox e conversamos até tarde da noite. Mesmo sendo terça-feira. Eu amava passar esse tempo com eles, até me esquecia dos problemas e da grande encrenca em que me meti.

Na saída, Louise pegou um táxi, ela tinha um carro antigo que chamava de Vermelhão, mas como sabia que ia beber não foi com ele e por isso Ed insistiu em me acompanhar a pé até meu apartamento. Estava tarde, eu estava parcialmente bêbada e de bicicleta, é claro que poderia dar merda e ele estava certo em me acompanhar, meu bairro não era um dos melhores de Manhattan. Seguimos boa parte do caminho em silêncio, até que ele perguntou.

— Tem certeza que esse trabalho é uma boa idéia? Quero dizer, já ouvi muitas histórias sobre a família Bresson, dizem que esse Viktor abandonou uma mulher grávida e está sempre com alguma mulher, modelos, atrizes e principalmente assistentes dele.

— Edward, relaxa, eu não vou transar com meu chefe. Ele é um gostoso e eu adoraria fazer isso, mas não vou porque ele é o meu chefe. — arqueei a sobrancelha, enfatizando a frase. — Além disso, não sou muita coisa para chamar atenção dele e depois do Daniel, estou fugindo de homens de terno.

— Eu fico preocupado Aly, seu último relacionamento foi terrível e esse seu novo chefe se parece muito com o Daniel, um rico arrogante, egoísta e aparentemente capaz de fazer você cair nas mãos dele.

— Eu agradeço a preocupação, mas eu sei cuidar de mim mesma, aprendi a lição e não vou cometer o mesmo erro duas vezes Edward. Daniel era um babaca e me ensinou a reconhecer outros babacas. Eu tenho muita coisa pra resolver na minha vida antes de querer um homem. — algo me ocorreu. — Você o conhece Ed?

— Um pouco, já fiz um projeto para ele e posso dizer, tenha cuidado, principalmente se tratando de Viktor Bresson.

— Ok, "papai", você também tenha cuidado com suas assistentes, elas também devem te chamar de gostoso quando estão bêbadas e ter pensamentos pervertidos. — brinquei.

— Do que está falando Alyssa?!

— Você entendeu Edward. — ele continuou me olhando confuso. — Você é bonito, inteligente, sexy... Acha mesmo que suas assistentes ou não sei, estagiárias não querem uma chance?

Ele não respondeu e chegamos ao meu prédio, o caminho me deixou com sono e eu já estava cansada após a noite anterior mal dormida.

— Obrigada por tudo, você é o melhor amigo que eu poderia ter, mesmo sendo um analista de transa. — dei um abraço nele, sentindo meu estômago revirar, sou um pouco fraca para bebidas. — Boa noite e se cuida.

— Eu não sou... esquece, boa noite Alyssa e juízo. — alertou e me esperou entrar.

Não julgo o Edward por se preocupar comigo. Na faculdade eu me interessei pelo meu professor de direito cívil e começamos um romance secreto, nada sério. Quando Ed e Lou souberam, recebi apoio da Lou e reprovação total do Ed, pensei até que ele estivesse com ciúmes, mas ele estava certo, se descobrissem eu e o professor seríamos expulsos da faculdade. Não durou muito tempo, eu acabei terminando esse relacionamento porque conheci o Daniel, Ed mais uma vez me alertou e eu ignorei. O problema e que eu já não sabia mais o que era preocupação e ciúmes, pois aparentemente todos os homens que eu conhecia eram ruins para ele.

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