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UMA LONGA NOITE

Ele estava fervendo, precisou dar um tempo antes de entrar no prédio, sentia o desejo e a frustração dançarem em sua cabeça, tantos pensamentos irrealizáveis. Ascendeu um cigarro, respirou fundo, aspirou o perfume de Sophie, que a essa altura já sumira dentro do prédio junto a Melinda. Precisava retomar seu controle, algo acontecera, era êxtase e temor, algo acontecera ouviu seu coração rasgar.

 James ficou no carro tempo suficiente para tentar identificar o que sentia, não demorou muito para saber, fazia tanto tempo que não sentia algo assim – Foi em outra vida – sussurrou para o vazio – Foi um outro James. Não havia mistério ali, ele desejou, como a tempos não fazia, como julgara impossível acontecer novamente, desejou como desejara havia muito, perdera o controle e se encontrara sucessivas vezes em segundos… Sem mistério – Sim, seu estúpido, sem mistério, você apenas a quer – soprou a fumaça do cigarro que não havia absorvido – Sophie – O nome queimava por trás de seus olhos – saltou do carro – Vamos ver onde nos levara – Falou para o sorridente demônio em sua cabeça.

 Ao subir Ray e Sophie já haviam se reencontrado, os irmãos e Melinda conversavam em frente as portas de seus respectivos apartamentos. Observou a cena em silêncio, parou ao lado da esposa, a única figura que conseguia enxergar era Sophie, como uma tela distante, hipnotizante, esguia e misteriosa, uma silhueta abstrata e irreal. Ela se parecia ao crepúsculo, não era mais dia, mas ainda era cedo para ser noite. Flagrou-a observando-o também – Seria possível? – sentiu como se uma luz invadisse seus olhos, sua boca, aquela vibração em direção ao estômago, ouviu o demônio rir dentro de sua mente. Ao se despedirem, ela pareceu não dar a miníma para ele, lançando-lhe não mais do que um sorriso desinteressado, aquilo fez com que a frustração e por consequência a raiva se agitassem nele outra vez. Era como se outra pessoa, um cara fodido, sem rumo e sem forma estivesse ali, como se aquele que uma vez conheceu o que era desejar e ser desejado tivesse sumido e deixado em seu lugar aquele ser amorfo e sem perspectivas.

 Sabia exatamente o que acontecia quando a raiva e a frustração em sua vida cresciam desenfreadamente em seu peito, fosse por sua crise criativa ou pelos problemas sexuais que vinha passando nos últimos tempos, ele iria direto para o escritório, quebraria o cômodo inteiro, discutiria com Linda, depois tentariam transar, ela seria condescendente ele tomaria algum estimulante. Mas em vez de entrar no escritório e quebrar tudo, ele simplesmente sentou-se em frente ao computador e escreveu. E tudo saíra da sua mente, míseras cinco páginas que tinham mais valor do que qualquer coisa que fizera desde A Dama Cinza, assim James ficou, escrevendo, ate que Melinda bateu a porta avisando do horário e perguntando se ele iria com ela e os irmãos tomar um drinque.

 Quando entrou no quarto foi direto para o banho, a esposa estava em frente a cômoda terminando de se arrumar. Evitou olhá-la, parecia que sua inspiração sumiria se a mulher o olhasse ou dirigisse a palavra, sentiu uma dor fantasma, uma ausência de certo sentimento, pensou em Melinda, era bela, muito bela e por instantes James desejou sentir o que sentira a primeira vez que a vira, fazia tanto tempo. Conheceram-se na sessão de autógrafos de um amigo em comum, um fotografo que lançava seu primeiro livro, James havia estudado com ele, Melinda havia sido modelo de algumas campanhas e projetos de arte, foi avassalador quando se viram, desde então estavam sempre juntos, de San Francisco a Paris, um ao lado do outro. - E era assim antes do agora – James falou sob a água quente, ninguém para ouvi-lo a não ser o demônio sorridente. Mas e o agora? James via com clareza, via Sophie, poderia esticar a mão e tocá-la se assim desejasse. Será que esse seria o agora? Ela estava nele, como jamais permitira que alguém estivesse, nem mesmo Melinda, Sophia era dele, mesmo que ela nunca viesse a saber, mesmo que ele caísse morto naquele momento, nada mudaria o agora.

 Assim que terminou de se vestir foi ate a porta do apartamento, ouviu a voz da esposa falando com seus vizinhos. Ao ouvir a voz de Sophie se apressou em ir ate a porta, sentiu o perfume da garota antes mesmo de conseguir vê-la. Caminhou como se atravessasse uma grossa neblina, cuja promessa ao final, seriam os mais notáveis tesouros, e que visão, Sophie conseguira ficar ainda mais atraente, como um copo de água no deserto, ela era o próprio alimento dos deuses, não, era mais… era Diana alvejando com mil flechas, a ele, o pobre Acteão. De repente, seu pensamento tornou-se claro como o sol que beijava Sophie quando a viu pela primeira vez naquele dia – ela era uma mulher extremamente atraente e seria dele – e aquele pensamento era apenas seu, que se danasse o demônio e seu riso e que se danasse o agora e suas promessas, era apenas uma escolha, e ele fez, aquela adorável mulher que veio do outro lado do oceano para ele, ele a tomaria como havia desejado, como a promessa que escutara ao olhar em seus olhos pela primeira vez.

 Quando apareceu na porta, Sophie lançou-lhe um olhar rápido, e para James foi como retomar o folego depois de um longo mergulho, ele não poderia perder aquela sensação, ele não abriria mão de tal sentimento.

– Vamos? – Perguntou com fingida naturalidade.

– Vamos, vamos! – Gritou Ray, pegando cada uma das garotas por uma mão e descendo as escadas entre sorrisos e gracejos. Ray ia na frente, seguido por Melinda com Sophie logo atrás.

 – Você está linda. – Ouviu-se sussurrar para Sophie, seguia atrás dela, roçou a mão de leve em suas costas, instantaneamente sentiu ela ficar tensa, como em um choque elétrico, algo percorreu sua pele e subiu pelos dedos de James, acertando em cheio seu cérebro. Assim que chegaram ao pé da escada Sophie agarrou-se a Ray, ela pareceu evitar, talvez ate temer a James, a sensação não era nada agradável, seu estômago ficou embrulhado e sua cabeça começou a latejar seria uma longa noite.

 James praguejou internamente, provavelmente, fora o maldito demônio que os fizera descer a escada tão próximos, que o fizera deixar bem claro para Sophie o quanto estava encantado com sua aparência. O demônio até mesmo o fizera tocar as costas da garota, mesmo que levemente, pode sentir o tecido e imaginar – que distância esplendidamente curta me separa de tocar a tua pele, Sophie – mas talvez Sophie também tenha visto o demônio ou talvez apenas o sentira, como todas as mulheres o fazem, ao ficar tensa e se afastar dele assim que foi possível.

 O quarteto seguiu a pé, e em menos de dez minutos chegaram a seu destino, um rooftop bar sugerido por Ray, localizado no topo do prédio de uma loja de departamentos bastante conhecida, com uma das vistas mais bonitas da cidade, era um lugar interessante, seria, se James não estivesse se sentindo um grande merda. Nem mesmo as páginas que conseguira escrever o estavam animando, em sua mente a reação de Sophie ao seu toque ardia, a sensação de tocá-la também, ele estava entrando em uma perigosa espiral.

 – Que tal champagne? – Sugeriu Ray, cheio de afetação

 – Hum. Você sabe como comemorar – Melinda pareceu gostar da ideia.

 – Vamos celebrar sua chegada em Paris – Disse Ray assim que a bebida foi servida, erguendo o copo e olhando para Sophie, que retribuiu com um leve sorriso.

 Sentado em frente as duas mulheres, se deu conta que seus olhos dançavam entre elas. Lembrou-se outra vez da primeira vez que vira Melinda, também de seu segundo encontro, como seu cabelo vermelho brilhava sob o sol, tao quente e acolhedor, era a mulher mais atraente que já vira – até Sophie aparecer – subiu-lhe um gosto ruim na boca, mais uma taça de champagne, talvez afogasse o demônio naquela noite. A esposa era mesmo estonteante, seu cabelo longo e liso, seu rosto delicado, nariz e boca harmoniosamente pequenos, seus incríveis olhos verdes, seu sorriso acolhedor – afinal essa garota – Sophie, la estava o nome dela brincando em sua boca e descendo suavemente pela garganta – nem é bonita – tentava convencer o demônio. Fixou os olhos em Melinda, ela não era alta, seu corpo tinha suaves e atrativas curvas que… – Sophie se parece com qualquer garotinha que sonha ser modelo e que caras como Ray vestem como suas bonecas – o demônio não era estúpido e sussurrava de volta – ela não é como as outras garotinhas, ela será minha.

 A noite passava entre comentários engraçados e ácidos de Ray e suaves observações de Melinda, vez ou outra Sophie falava algo, mas James, mantinha-se calado, como se algo o estivesse impedindo de falar, esboçara um ou outro comentário que na maioria das vezes passava desapercebido em meio ao caos do lugar… Na verdade, não desejava ser ouvido – Ou visto – sussurrou para si mesmo. Mesmo sabendo o quão pouco interativo estava sendo, não conseguiu mudar seu comportamento, os outros não faziam ideia da guerra que travava dentro de si. Ray parecia se esforçar para forjar uma normalidade, que, com certeza, não estava presente, Melinda estava irritada com ele, ele sentia por seus olhares, gestos, na verdade todos ali notaram. Mas e quanto a Sophie? Sophie, nem ao menos se dignava a olhar para ele, mesmo ele estando em frente a ela, com uma distância que fazia suas pernas esbarrarem uma na outra ao se mexerem em suas cadeiras.

 Quando percebeu, Ray carregava Melinda para uma mesa a uns dez passos dali, ele e Sophie ficaram sozinhos encarando o nada, a garota, olhava para os lados, olhava para cima, menos para ele. Notou que ela parecia abatida, notou também como a maioria dos homens do local olhavam para ela, ela era jovem e atraente, era uma novidade, foi quando ouviu o demônio sussurrar – Ela e mais do que apenas uma novidade… Você está com medo? – irritado não se deu ao trabalho de responder ao demônio, falou diretamente com a garota.

 – Está cansada?

 – Como eu disse.

Disse? – pensou James. E então percebeu, sim estava com medo, apavorado… Sophie estava ali, ao alcance de suas mãos, sentia o perfume dela, se eles se inclinassem alguns centímetros um em direção ao outro, sentiria o hálito doce misturado a champagne, seu corpo imediatamente ficou hipersensível, ate mesmo a brisa do verão lhe doía na pele exposta, sentiu um desejo incontrolável de alívio, sabia que devia, ao menos uma vez, tentar. Cansado da confusão física e mental que a garota – ou teria sido ele mesmo? - o levou, além de extremamente inclinado a se desafiar, insistiu na conversação.

 – Então – pigarreou procurando um assunto qualquer. - Melinda comentou que você cursa literatura certo? O que mais?

 Sophie o olhava meio de canto, irritada como uma criança cuja hora de dormir já havia passado – e acaso esse não era o caso?

 – O que significa? – ela perguntou, parecia mais cansada que irritada agora, enquanto baixava os olhos até a taça vazia na sua frente pareceu perdida em pensamentos por um instante – Literatura é suficiente para mim, por enquanto.

 James sentia-se fascinar por ela, sabia que havia mais, algum segredo, alguma loucura secreta, Sophie era uma intrigante combinação – mas de que? – Notou que ela parecia analisá-lo, divertiu-se com isso, o álcool da bebida brilhava em seus olhos, Sophie pareceu divagar dentro do próprio universo, até que…

– Que idade tem? – Sophie perguntara, meio distraída. Mas assim que se dera conta da pergunta, sua expressão mudou, parecia uma pequena raposa, caçando palavras para concertar a falha de exposição. James sorriu, seu sorriso mais encantador, tentando entender o que conseguia causar em Sophie. Mas isso só durou o tempo dela ordenar seus pensamentos, o que na opinião de James, foi rápido demais. – Desculpe, Melinda disse que já publicou um livro, só fiquei curiosa. Conheço muitos bons escritores que ainda estão correndo atrás de sua primeira publicação. Então…

 O demônio ria dele agora, viu Sophie e seus amigos, escritores não publicados, deuses dourados com tudo diante de si, enquanto ele sentia-se tomado pela ferrugem corroído ate a medula por culpas e cobranças. O maldito demônio dançava em sua cabeça. Respondeu para ela, no ritmo que o demônio dançava, e quando a última palavra foi dita arrependeu-se. Sophie estava pálida, o olhava como se visse um desconhecido, mas ele sabia, ela podia ouvir o demônio rir através de sua caixa craniana.

 Ao avaliar, mais tarde, sua fala, admitiria para si mesmo que havia algo de errado, que ele fora agressivo, quase possessivo, sobre algo que com toda certeza Sophie não fazia a menor ideia. Se dando conta, bastante envergonhado, que desejou punir a garota apenas por ela ser radiante e bela. James, admitiria diante do espelho, que tivera uma ridícula crise de ciúmes. Ciumes dos amigos escritores de Sophie, de seus colegas que a viam todos os dias, pessoas a quem ela queria bem, amores passados e futuros, brilhantes como ela e tao diferentes dele.

 Para o bem ou para o mal, Ray surgiu em seguida, e logo todos caminhavam de volta para casa. Sophie e Ray caminhavam abraçados como um casal de namorados, um preso a presença do outro, atento ao outro, como James desejara estar com ela, exatamente assim, naquela noite. Que criança cruel entregue aos braços dos seus, parecia ferir com ferro quente sua pele. Antes de entrar em casa, vislumbrou-a mais uma vez, do alto de sua crueldade, fria, sem nem ao menos um desejo de boa noite adequado.

 Em casa, trancou-se no escritório, precisava fazer algo, extravasar, só havia um meio, sentou-se diante do computador, a longa noite não havia acabado.

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