Deitei-me naquela noite a sonhar com as mãos macias da pequena. O cheiro da erva aromática que Irina colocara em meus olhos, fazia-me confundir com seu cheiro doce de flor de laranjeira. Estava perdidamente enamorado. Confesso. Apaguei, pensando nela.
Novamente andava por aquele conjunto de casas desarranjadas, próximas à Igreja. Assoviei novamente em frente à janela de uma das casas assobradadas e novamente vi a cortina se movimentar. Apertei o passo e segui em direção ao pátio da Igreja. Era fim de tarde. A noite adentrava e as primeiras estrelas começavam a despontar no céu. Ouvi um barulho às minhas costas e me virei. Perdi o fôlego ao ver a pequena à minha frente. Seus cabelos eram tão negros quanto a noite que caía e, seus olhos, de um azul turquesa fantástico, iluminavam a face branca e límpida. Sorriu ao ver-me e foi como se mú
Às cinco horas, ouvi uma batida insistente na porta do quarto. Encontrava-me deitado, com os olhos fechados e o braço direito descansando neles, como se isso pudesse aliviar a dor que sentia.— Está aberta. — Respondi às batidas insistentes.— Olavo, você está bem?Ah, aquela voz de anjo encontrava-se preocupada. Talvez, se fizesse a dor se tornar mais feia do que estava, poderia acabar nos braços da moça, afugentando o torvelinho de emoções que me deixavam entrevado naquela cama. Sonho, apenas! Isso poderia abalar a reputação da pequena e Deus sabe o que poderia acontecer comigo, caso o pugilista descobrisse.— Apenas uma enxaqueca. — Afirmei, tirando o braço dos olhos, focando-os nela.— Mamãe mandou servir-lhe o chá. Quer outra aspirina?— Talvez. — Disse, erguendo-me da cama.&mdas
Assim que chegamos à pensão fui direto para o quarto. Estava atordoado. O beijo de Irina ainda latejava em meus lábios, porém, aquela sensação nostálgica de pertencer à outra pessoa, a outro lugar, ainda me assombrava. Não aguentando mais a opressão daquelas quatro paredes, desci à sua procura. Queria que o jantar terminasse logo para que pudesse tê-la apenas para mim. Precisava saber o que ela tanto teimava em me esconder. Desci a escada de dois em dois degraus e estanquei quando vi Marcus segurando novamente seu braço de forma possessiva. — Virei buscá-la para o baile. Seu pai me deu permissão. — Mas eu não dei. Não irei com você. — Respondeu, puxando o braço. Ele a olhou enviesado, avaliando-a, feito um animal sobre sua presa. Naquele momento senti orgulho da menina. Ela o encarou de volta com superioridade, o que o fez abaixar os olhos. Um humilde a seus pés. — É por causa daquele doutorzinho frouxo? — Não diga bobagens! Eu mal o conheço.
Paranapiacaba, 1867.A Vila estava a todo vapor. Homens andavam de um lado a outro pela linha férrea. Alguns carregavam as malas dos passageiros que pernoitariam na Vila, outros ajudavam na Casa das Máquinas e outros apenas perambulavam sob as ordens dos engenheiros que administravam o lugar. As casas de madeira geminadas coloriam o alto da serra. Da mansão, que imperava do ponto mais alto do lugar, vidros reluziam de onde o homem de altura elevada comandava a Vila e a estrada de ferro. Nada escapava aos seus olhos. Qualquer jovem solteiro que se aventurasse a passear despercebido pela casa dos casados era demitido na hora. A ordem era tudo para aquele nobre inglês, severo, dono de exuberantes suíças.
Enquanto Etelvina e Branca, na parte alta da Vila, sonhavam com vestidos e penteados, na Vila Martin Smith, durante o chá das cinco, as senhoras inglesas empoladas comentavam sobre o baile, porém, uma delas ouvia atentamente a conversa e, de moça que era, se punha a sonhar.— Por que está tão quieta, Mary Ann? — Perguntou sua mãe, senhora Smith, colocando delicadamente a xícara no pires, enquanto pegava cerimoniosamente um biscoito amanteigado.— Em nada, mamãe. Só estava ouvindo-as comentar sobre o baile. — Respondeu com sua voz doce e melodiosa, que lhe rendia o aspecto de um anjo de cachos loiros, escondidos por um chapeuzinho no alto da cabeça.— Conheço esse brilho no olhar, Mary Ann. — Disse a senhora Fox, com um sorriso discreto nos lábios.— Não é nada, minha tia! — Sua voz dizia o contrário de se
Dona Etelvina caminhava pela plataforma da Estação da Luz, se equilibrando em meio a vários pacotes, tendo Branca em seu encalço.— Óh, Jesus, minha filha! Acho que exageramos nas compras. — Disse à Branca, enquanto tentava, sem sucesso, colocar os pacotes no bagageiro do trem, acima do banco de passageiros.— Papai vai ficar uma fera conosco, mamãe. — Respondeu Branca, com um sorriso doce nos lábios.— Deixes que com ele eu me entendo. Já está mais do que na hora de você ser mostrada à sociedade. Se depender de teu pai você nunca terá um bom marido. — Disse entre dentes, ainda tentando empurrar os vários pacotes.— Posso ajudá-las? — Perguntou o jovem distinto, se aproximando por trás das senhoras.Dona Etelvina virou-se assustada para a voz que a importunava, porém, logo se aca
Foi com o coração aos pulos que a sonhadora Mary Ann viu a mãe entrar em seu quarto, trazendo uma notícia. — Mary Ann, querida. Prepare-se para o chá. Teremos visita hoje — disse a senhora Adélia Smith. — Visita? — perguntou esperançosa Mary Ann. — Sim. Os Jones virão nos visitar. Parece que Elijah está de volta e quer falar com seu pai. — Ah! — respondeu sem muito entusiasmo, enquanto a mãe falava sem parar. Por um segundo, pensou que seria Jeff Dean a visitá-la. Desde que soubera de seu regresso, passara a esperar por ele, entretanto, ainda não aparecera para cumprir seu compromisso. Decepcionada, foi até a janela, imaginando o que Elijah queria com o pai. Pensando nele, uma ideia começou a se formar em sua cabecinha. Talvez ele pudesse ajudá-la a conquistar o coração do seu amado. Eram amigos desde a infância. Quem sabe se demonstrasse interesse em cortejá-la de mentira, é claro, Jeff Dean sentisse ciúme e se declarasse rapidamente. Era uma
Empolgado com a conversa com o senhor Smith, Elijah mal deixou a mãe em casa e correu para a padaria do tio, enquanto elaborava um plano para dissuadi-lo de ficar com o terreno da Avenida Campos Sales. — Tio Adam — cumprimentou-o esfuziante — Podemos conversar por alguns minutos? — perguntou, vendo-o ensacar duas bisnagas de pão. — Elijah! Entre meu rapaz. Não sabia que estava na Vila. — Voltei ontem, senhor — respondeu, sorrindo para a freguesa que deixava o local com as mãos cheias de compras. — Veio para o fim de semana prolongado? — arqueou a sobrancelha, fazendo-se entender. — Bem, irei ao baile, tio. Mamãe me fez prometer — respondeu constrangido. — Faz bem, rapaz. Mas então, o que deseja conversar comigo? — perguntou, tirando o avental, puxando-o para um canto, longe dos fregueses. — Bem — pigarreou nervoso — É sobre o terreno da Avenida Campos Sales com a Rodrigues Alves. — E porque esse terreno é alvo do seu in
O sábado amanheceu glorioso. O sol brilhava no céu azul pálido daquela manhã de janeiro. Branca emitiu um suspiro exagerado ao abrir a janela e sentir o frescor da manhã entrar em seu quarto. Estaria em um grande baile pela primeira vez naquela noite. Embora estivesse nervosa, — ante a expectativa de ser tirada para dançar, sentindo um frio perverso lhe envolver a barriga sempre que pensava em estar nos braços de um jovem rapaz — Branca tinha quase certeza de que algo iria acontecer. Algo que mudaria para sempre sua vida. Era uma sensação, apenas. Porém, muito forte. Chegou a pensar como seria estar nos braços do jovem Elijah, que parecia ter gostado bastante dela. Ele era bonito, educado e segundo sua mãe, que não parava de tecer-lhe elogios, um excelente partido. Mas será que era isso que ela realmente queria? Apaixonar-se? Não tivera oportunidade de estar a sós com ele e saber o que pensava sobre as coisas que aconteciam no mundo. Tentou imaginar como seria ser beijada po