Na manhã seguinte, bem cedo, Elijah se apressou em ir à casa de Branca. Falaria com seu pai e exigiria que a data fosse marcada, embora Branca lhe tivesse dito que a mesma já o fora. Porém, ele temia que fosse mentira e que ela lhe dissera aquilo apenas para ganhar tempo. Ao passar pelo Pau da Missa, seus olhos se injetaram de sangue. Pregado — como sempre acontecia quando havia um aviso de Missa de Sétimo Dia, Batizado e outras celebrações da Igreja Católica — havia um anúncio da Oficialização do casamento de Jeff Dean Walker e Branca de Oliveira, a ser realizado no dia seguinte, às 14:00 horas, na Igreja Bom Jesus.
Ele arrancou o recado e o colocou no bolso. O pobre do sacristão, acostumado a ler o livro de registro, e não sabedor do segredo que cercava o casamento, afixou o anúncio sem nem imaginar a desgraça que seu ato inocente traria àquela Vila. Elijah correu pela passarela em direção ao Castelinho e lá se manteve em conversa fechada com o senhor Fox. Dali dirig
Vila de Paranapiacaba, 1946.Irina termina sua história, narrando de forma impassível, causando-me espanto. Seus olhos traziam o horror estampado pela dor da tragédia. Saber de tudo aquilo me causou um mal estar. Não queria revelar a ela que as coisas começavam a se encaixar na minha mente. Jeff Dean não foi um fruto da minha imaginação. Ele existiu e amou aquela mulher. Senti esse amor através dele. Apenas não entendia porque presenciara em sonho o amor dos dois. Por que ela parecia me querer com tanta paixão se o amava? Seria seu desejo se vingar por pensar que ele a abandona a caminho do altar? Uma estória triste do qual acabei me identificando quando me pus no lugar de Je
Os olhos de Irina remexiam sob as pálpebras. Gotas frias de suor surgiam em sua testa, enquanto sua cabeça se movimentava no travesseiro. Irina seguia devagar pela densa neblina em direção à passarela que levava ao Pau da Missa. Achou estranha a aparência do ferro sob seus pés, que parecia reluzir a cada passo, como se tivesse sido colocado ali há pouco tempo. Estendeu a mão à frente dos olhos tentando afugentar a névoa que, ao seu toque, começou a dissipar na luz da tarde que caía. Assustou-se ao ver pequenas discrepâncias nas casas da Vila, que se mostravam intensamente coloridas e vívidas, como se tivessem sido pintadas recentemente. O relógio da Torre do Big Ben marcava quatro horas da tarde. Tudo parecia reluzir enquanto ela caminhava. Assustou-se ao ouvir o apito agudo do locobreque. Virou-se na sua direção e a viu. Branca descia correndo a escadaria da Igreja Senhor Bom Jesus. Seus olhos, de um azul vívido, trazia a dor estampada. O véu flutuava
Irina acordou com um sobressalto. Um segredo lhe fora revelado depois de tantos anos. Alguém estava lhe dando uma chance de salvar o homem que ela amava; era nisso que acreditava quando pulou da cama e correu para o meu quarto. Pôs a mão em minha testa, constatando que a febre ainda não cedera. Já estava tarde. Mas se tivesse sorte, ainda naquela noite, poderia acabar com a maldição que imperava naquela pitoresca Vila.— Mamãe. — Irina tramava alguma coisa quando chamou a mãe, da recepção vazia.— Irina! Você está bem, minha filha? — perguntou dona Etelvina, vindo do restaurante.— Vou ficar bem, mamãe. Preciso sair e fazer algo.— Não deve sair, Irina. A colheita se aproxima.— Mamãe, eu tenho que tentar impedir que ela o leve. Tem que me deixar sair. Preciso que confie em mim.— N&ati
Irina jogou-se ao chão, ao lado do velho eucalipto inclinado, palco de tamanha tragédia. Começou a procurar o anel que vira ser enterrado ali, porém, não o encontrou. A pedra colocada sobre o anel, por Mary Ann, já devia ter sido retirada depois de tantos anos. Desesperada, levantou-se na densa neblina, concentrando-se. Sabia que não tinha muito tempo. Fechou os olhos e deixou o sonho voltar à mente. Deu alguns passos, quase entrando no bosque e jogou-se ao chão novamente. Abriu os olhos e começou a cavar furiosamente, com a ajuda de uma pedra pontuda que achara por ali. Não devia estar tão fundo, pois Mary Ann não teve muito tempo para esconder o anel. Seu coração batia descompassado enquanto fazia uma prece silenciosa, a quem quer que tivesse lhe mandado o sonho. — Por favor, por favor. — pedia enquanto cavava, sem nada encontrar. Ampliou o lugar da procura, enquanto a tarde escurecia, e quando estava prestes a desistir, um minúsculo barulho de metal, contra a pedr
Araraquara, 27 de setembro de 2015.Havia acabado de ler as inúmeras páginas que papai me deixara naquele fim de tarde. As últimas traziam uma letra tremida e cansada, muito diferente da forma segura com que começara as anteriores. Meu coração batia horrorizado. Jamais, em minha vida, pude imaginar o que ele trazia tão bem guardado dentro de si. Minha mãe nunca sequer tentou nos contar algo parecido com o que eu acabara de ler, mesmo quando lhe pedíamos para nos contar histórias sobre assombrações, quando as luzes se apagavam por causa de algum temporal. Mas ainda havia mais.Querida Val, Foi assim que verdadeiramente conheci sua mãe e nos apaixonamos. O que contávamos
São Paulo, 1899.Ele se encontrava sentado à escrivaninha, pensando em como proteger a São Paulo Railway dos ataques feito, pela Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, contra o seu monopólio. Preocupado, sob pressão, pensava que a única solução seria comprar a Estrada de Ferro Bragantina e expandi-la, impossibilitando a passagem de outra ferrovia na região, como queria a Mogiana. Era a única solução para não ferir as leis de proteções legais e concessões. Era sua responsabilidade, como advogado, não deixar nenhuma brecha para um possível processo contra a Railway.Cansado, em meio aos l
Araraquara, 20 de setembro de 2015.Estava extremamente atarefada, como sempre acontece quando se tem que cuidar da casa, do marido, dos filhos e da carreira. Naquela manhã de segunda-feira, em particular, me encontrava ansiosa e meio desligada. Havia sonhado com meu pai. Depois que falecera, só havia sonhado com ele umas duas vezes no máximo. E foi pra lá de estranho. Tão real! Depois que me levantei, passei a ficar irrequieta, mesmo estando concentrada nos afazeres. Sentia um aperto no peito cada vez que me lembrava do sonho e do que ele me pedira para fazer. A saudade se misturava à apreensão. Em algum momento teria que voltar à sua casa, e com certeza iria imediatamente ao seu lugar preferido — a escrivaninha de mogno do seu escritório — já que a cena toda se passava lá, com ele sentado na sua poltrona preferida de co
Estava protelando, já fazia algum tempo, o destino que daríamos à casa de papai. Evitava o assunto com meu irmão e cunhada, entretanto, tinha que ser pragmática. Era o que o velho queria de nós. Eles se foram. Mas a casa continuava lá, cheia de lembranças, porém, esperando por uma nova família que lhe devolvesse a vida.Vendê-la seria doloroso. Alugá-la, estava fora de cogitação. Morar lá, uma possibilidade. Mas qual de nós dois voltaria a viver naquele lugar, sendo que ambos tínhamos nossas próprias casas? Aquilo tudo era pura recordação. Cada canto daquela casa lembrava algo. A primeira boneca, o primeiro joelho ralado, a descoberta do sangue e do antisséptico, o amor incondicional da mãe curando nossas feridas, e tantas outras coisas. Na cozinha, ainda conseguia vê-la.Parece que ficara ali para sempre, em p&e