Paranapiacaba, 1867.
A Vila estava a todo vapor. Homens andavam de um lado a outro pela linha férrea. Alguns carregavam as malas dos passageiros que pernoitariam na Vila, outros ajudavam na Casa das Máquinas e outros apenas perambulavam sob as ordens dos engenheiros que administravam o lugar. As casas de madeira geminadas coloriam o alto da serra. Da mansão, que imperava do ponto mais alto do lugar, vidros reluziam de onde o homem de altura elevada comandava a Vila e a estrada de ferro. Nada escapava aos seus olhos. Qualquer jovem solteiro que se aventurasse a passear despercebido pela casa dos casados era demitido na hora. A ordem era tudo para aquele nobre inglês, severo, dono de exuberantes suíças.
Enquanto Etelvina e Branca, na parte alta da Vila, sonhavam com vestidos e penteados, na Vila Martin Smith, durante o chá das cinco, as senhoras inglesas empoladas comentavam sobre o baile, porém, uma delas ouvia atentamente a conversa e, de moça que era, se punha a sonhar.— Por que está tão quieta, Mary Ann? — Perguntou sua mãe, senhora Smith, colocando delicadamente a xícara no pires, enquanto pegava cerimoniosamente um biscoito amanteigado.— Em nada, mamãe. Só estava ouvindo-as comentar sobre o baile. — Respondeu com sua voz doce e melodiosa, que lhe rendia o aspecto de um anjo de cachos loiros, escondidos por um chapeuzinho no alto da cabeça.— Conheço esse brilho no olhar, Mary Ann. — Disse a senhora Fox, com um sorriso discreto nos lábios.— Não é nada, minha tia! — Sua voz dizia o contrário de se
Dona Etelvina caminhava pela plataforma da Estação da Luz, se equilibrando em meio a vários pacotes, tendo Branca em seu encalço.— Óh, Jesus, minha filha! Acho que exageramos nas compras. — Disse à Branca, enquanto tentava, sem sucesso, colocar os pacotes no bagageiro do trem, acima do banco de passageiros.— Papai vai ficar uma fera conosco, mamãe. — Respondeu Branca, com um sorriso doce nos lábios.— Deixes que com ele eu me entendo. Já está mais do que na hora de você ser mostrada à sociedade. Se depender de teu pai você nunca terá um bom marido. — Disse entre dentes, ainda tentando empurrar os vários pacotes.— Posso ajudá-las? — Perguntou o jovem distinto, se aproximando por trás das senhoras.Dona Etelvina virou-se assustada para a voz que a importunava, porém, logo se aca
Foi com o coração aos pulos que a sonhadora Mary Ann viu a mãe entrar em seu quarto, trazendo uma notícia. — Mary Ann, querida. Prepare-se para o chá. Teremos visita hoje — disse a senhora Adélia Smith. — Visita? — perguntou esperançosa Mary Ann. — Sim. Os Jones virão nos visitar. Parece que Elijah está de volta e quer falar com seu pai. — Ah! — respondeu sem muito entusiasmo, enquanto a mãe falava sem parar. Por um segundo, pensou que seria Jeff Dean a visitá-la. Desde que soubera de seu regresso, passara a esperar por ele, entretanto, ainda não aparecera para cumprir seu compromisso. Decepcionada, foi até a janela, imaginando o que Elijah queria com o pai. Pensando nele, uma ideia começou a se formar em sua cabecinha. Talvez ele pudesse ajudá-la a conquistar o coração do seu amado. Eram amigos desde a infância. Quem sabe se demonstrasse interesse em cortejá-la de mentira, é claro, Jeff Dean sentisse ciúme e se declarasse rapidamente. Era uma
Empolgado com a conversa com o senhor Smith, Elijah mal deixou a mãe em casa e correu para a padaria do tio, enquanto elaborava um plano para dissuadi-lo de ficar com o terreno da Avenida Campos Sales. — Tio Adam — cumprimentou-o esfuziante — Podemos conversar por alguns minutos? — perguntou, vendo-o ensacar duas bisnagas de pão. — Elijah! Entre meu rapaz. Não sabia que estava na Vila. — Voltei ontem, senhor — respondeu, sorrindo para a freguesa que deixava o local com as mãos cheias de compras. — Veio para o fim de semana prolongado? — arqueou a sobrancelha, fazendo-se entender. — Bem, irei ao baile, tio. Mamãe me fez prometer — respondeu constrangido. — Faz bem, rapaz. Mas então, o que deseja conversar comigo? — perguntou, tirando o avental, puxando-o para um canto, longe dos fregueses. — Bem — pigarreou nervoso — É sobre o terreno da Avenida Campos Sales com a Rodrigues Alves. — E porque esse terreno é alvo do seu in
O sábado amanheceu glorioso. O sol brilhava no céu azul pálido daquela manhã de janeiro. Branca emitiu um suspiro exagerado ao abrir a janela e sentir o frescor da manhã entrar em seu quarto. Estaria em um grande baile pela primeira vez naquela noite. Embora estivesse nervosa, — ante a expectativa de ser tirada para dançar, sentindo um frio perverso lhe envolver a barriga sempre que pensava em estar nos braços de um jovem rapaz — Branca tinha quase certeza de que algo iria acontecer. Algo que mudaria para sempre sua vida. Era uma sensação, apenas. Porém, muito forte. Chegou a pensar como seria estar nos braços do jovem Elijah, que parecia ter gostado bastante dela. Ele era bonito, educado e segundo sua mãe, que não parava de tecer-lhe elogios, um excelente partido. Mas será que era isso que ela realmente queria? Apaixonar-se? Não tivera oportunidade de estar a sós com ele e saber o que pensava sobre as coisas que aconteciam no mundo. Tentou imaginar como seria ser beijada po
Jeff Dean havia voltado definitivamente para o Brasil. Assim seu pai esperava que fosse. Contava com ele, a pedido do senhor Fox, na expansão da ferrovia interior adentro. Não que estivesse disposto a viver no Brasil. Estava acostumado com Londres, mais precisamente com Oxford, onde cursou Engenharia pela University of Oxford. Faria o trabalho que lhe fora proposto e depois retornaria ao seu país de origem. Mal chegara à Vila e já tivera que vir a esse maldito baile. Fugira de todas as temporadas em Oxford e agora se via metido em um baile tão casamenteiro quanto os outros. — Jeff Dean, meu querido — pegou a mãe em seu braço — não fique aí parado. Vá dançar. Está cheio de moças maravilhosas pelo salão. Ah, veja Mary Ann, querido — acenou o lenço para a senhora Smith, para horror de Jeff. — Lembra-se da senhora Smith, querido? — É claro. Como poderia esquecê-la, madame — inclinou-se para beijar a mão da referida senhora, sob os olhares lancinantes de
Desviando os olhos de Mary Ann, que parecia acompanhá-lo por toda a parte, Jeff Dean segue em direção à porta do Clube, onde teve tempo de vê-la tomando o tílburi e se perder na noite. Nem mesmo o seu nome ele sabia. Voltou para o baile e ali foi enredado pela mãe, sendo praticamente obrigado a dançar com Mary Ann. — Está se divertindo, Jeff Dean? — perguntou Mary Ann, sedutoramente. — Você está? — devolveu a pergunta, olhando pela primeira vez, diretamente em seus olhos verdes, sentindo uma leve raiva da menina, apenas por ser ela a sua parceira. — Mas é claro que sim. Está tudo tão bonito! — Não se importa em ser tratada como uma mercadoria? — perguntou, perscrutando a menina, querendo feri-la. — Mercadoria? Do que está falando? — ela encontrava-se perplexa com sua conduta. — Desculpe Mary Ann. Não consigo deixar de pensar na forma como as mães tentam arranjar casamento para suas filhas. — disse, pensando nas palavras da moça de olho
No domingo pela manhã, Elijah encontrava-se na porta da Igreja São Bom Jesus, andando nervoso de um lado para outro, esperando que a missa acabasse. Assim que os fiéis começaram a sair, ele correu até a escadaria e fingiu subi-la, como se tivesse acabado de chegar. — Óh! Olá, senhor Elijah — gritou seu Joaquim da porta da Igreja — que ventos o trazem até aqui? Não sabia que eras católico! — Não sou, senhor — informou encabulado, olhando de esguelha para Branca e dona Etelvina — Vim falar com o senhor! — Sobre? — olhou-o desconfiado. — Sobre o armazém. — Hoje não senhor Elijah. Hoje é domingo e não devemos tratar de negócios num Dia Santo. – disse, deixando Elijah com o rosto corado – Mas, estás convidado a almoçar conosco. — Obrigado, senhor! Durante o curto trajeto até a casa, onde Branca e dona Etelvina seguiam à frente dos homens, Elijah sentia-se exultante. Desfrutaria da companhia da moça e depois, quem sabe, poderia levá-