Então, alguns dias passaram. Nesse meio tempo, Alana foi tentando se acostumar àquela nova realidade, mas tudo era tão diferente que quase não conseguia acompanhar. Às vezes, a falta de diálogos a irritava, não entendia o que acontecia à sua volta e ninguém lhe dava explicação, no fim, era sufocante.
Os acontecimentos que antecederam seu nascimento eram um mistério para ela, e os quatorze anos longe de sua família biológica mostravam que, apesar de ter herdado seu sangue, não era um deles. Por mais doloroso que fosse admitir, a verdade era inapagável, ela era uma bastarda, assim como a prima cruelmente havia dito.
“Não posso baixar a guarda com ela.” A moça pensou consigo mesma, e então, um livro que havia lido escondido das freiras lhe veio à mente, pensou um pouco e riu ao lembrar o título, era: Menina má, de Christine Penmark.
– Há algo que não entendo… – Alana chamou baixinho, inclinando a cabeça para trás, fitando a mulher que penteava seus cabelos. – Porque eu fui trazida para essa casa?
– Desculpe, não temos permissão para falar sobre isso! Olivia respondeu num sussurro, e mordeu o lábio, tentando não falar demais e perder o emprego.
– Pode pelo menos me dizer qual deles é meu pai? A menina insistiu angustiada, em seu rosto uma expressão de desalento gritante. – Até alguns dias atrás, eu era apenas uma menina comum, e agora estou perdida nesse lugar!
– Naquele dia, você ouviu a conversa, certo? Questionou entre sussurros, e depois de receber um aceno positivo, continuou: – Em alguns minutos, você será levada por aquela médica para uma sala de cirurgia que fica dentro da mansão, será feita uma transfusão da sua medula para a sua avó que está muito doente…
– O que? E porque ninguém me disse nada? Alana questionou assustada, e sentiu seus joelhos tremerem. – E-essa cirurgia pode me matar?
– Não. Claro que não! Olivia apressou-se em explicar, tentando tranquilizar os pensamentos conturbados da outra. – Provavelmente nada foi dito porque a sua nonna não está de acordo, e eles estão um pouco desesperados…
Foi nesse momento que a realidade recaiu sobre a menina, e seus olhos marejaram ao se sentir usada. Agora fazia sentido todos os cuidados médicos que recebeu quando chegou à mansão, eles estavam apenas conferindo se estava saudável o suficiente para ser doadora de medula óssea.
Duas batidas repetidas na porta mostraram que o momento havia chegado. Alana suspirou, secando a unidade em seus olhos cristalinos e então, encarou a mesma médica que fez seus exames de sangue dias antes, parecia apressada.
– Precisamos ir... – Foram suas únicas palavras dirigidas à menina antes de girar nos calcanhares e sair do quarto, esperando ser seguida.
Alana ainda fitou sua “auxiliar” com apreensão, mas se forçou a seguir a médica de cabeça baixa, aceitando seu destino. Era o momento dos últimos preparativos pré-cirúrgicos, entrou em uma sala gélida, onde uma camisola hospitalar lhe foi entregue, e enquanto se vestia, notou sua rival – ou o que lhe parecia – caminhando em sua direção com um sorriso maldoso.
– Sabe qual a probabilidade de você morrer nessa cirurgia? Pietra questionou, o sorriso sádico se alargando em seu rosto. – Sabia que bastardos não são enterrados nos mausoléus de família?
Alana a encarou em silêncio por alguns segundos, associando-a novamente à protagonista do livro, inclinou a cabeça para o lado, estreitando os olhos e começou a se perguntar se aquele pequeno diabinho não era, na verdade, um psicopata sendo criado.
– Que fofo, você se importa comigo! Alana respondeu com um sorriso provocativo, que logo, deu lugar a um semblante sério. – Mas, me diz, senhorita sangue-puro, porque você não doa medula para a sua avó? Não tem coragem?
Suas palavras fizeram a prima se calar, cerrando os dentes enquanto retribuía seu olhar, cheia de ódio, a feição de alguém que seria capaz de estrangular outra a qualquer momento. Alana sorriu, satisfeita com sua pequena “vitória”, mas nem pôde comemorar pois, logo em seguida, duas enfermeiras vieram buscá-la para levar ao centro cirúrgico.
Respirou fundo, sentindo suas pernas endurecidas e então, encarou todos aqueles equipamentos cirúrgicos. Fechou os olhos, murmurando para si mesmo, como um mantra: “tudo ficará bem” e então, se deitou na cama que cheirava a éter.
Pelo canto do olho, notou a avó que permanecia olhando apenas para cima, fria e impassível, assim como o grupo de médicos que já começavam a operação.
Durante o procedimento, sua consciência oscilava, mas não dormiu. E como ambas estavam deitadas lado a lado, a menina se distraiu observando seu rosto, tão bonito, mesmo envelhecido pela idade. Por um momento, a associou à mulher ruiva que havia visto na sala, eram bem semelhantes, até mesmo na elegância que exalavam.
“Será que posso ser como vocês um dia?” Se perguntou com inocência, poucos minutos antes de enfim, os anestésicos fazerem efeito, fazendo-a cair imediatamente num sonho.
Quando acordou, estava novamente em seu quarto, deitada sobre os lençóis de linho, sentindo muita dor. Piscou algumas vezes, tentando distinguir os vultos em meio à escuridão ao seu redor, sobretudo, uma figura de longas pernas que estava parada com o ombro apoiado ao umbral da porta, em silêncio, apenas a observando, e que foi embora logo após perceber que a moça havia acordado.
“Um fantasma?” Se perguntou trêmula, sentindo seu raciocínio meio lento, mas que não a impossibilitou de tremer de medo com a ideia.
Qual foi seu susto quando, ao tentar se sentar, seu corpo foi amparado por mãos frias, fazendo-a ter certeza de que um fantasma estava planejando levá-la. E somente conseguiu se acalmar ao ouvir a voz de Olivia, tranquilizando-a.
– Olivia… e-eu acho que vi um fantasma… – Alana chamou arregalando os olhos para a mulher. – Por favor, me diz que tinha mais alguém aqui dentro?!
A ama suspirou.
– Era a sua tia Carlota... – Olivia contou, estava cansada dos segredos.
Tirou seus sapatos apertados, chutando-os para longe e então, encarou novamente a menina que não parecia surpresa com sua atitude.
– Já que você está tão falante… – Alana murmurou, encarando a outra com os olhos brilhantes. – Me diz, porque, só poderia ser eu a fazer a transfusão?
– O tipo sanguíneo da sua avó é raro, mas nenhum dos filhos o herdou... – Olivia explicou e então, virou-se para fitar a menina. E no momento, você é a única pessoa na família que o herdou.
Alana não conseguiu dormir mais nada depois de ouvir aquelas palavras, cada peça daquele quebra-cabeças só deixava tudo mais confuso e sentia como se estivesse diante de um poço sem fundo, o que poderia ser considerado cômico se não fosse tão dramático. O dia amanhecia quando percebeu que realmente não conseguiria voltar a dormir, então, foi para a biblioteca e enquanto procurava por algo do seu interesse, se perdeu em pensamentos. De repente, se lembrou do longo sermão que a irmã Joana havia lhe dado quando a encontrou lendo algumas de suas leituras “tortas”, e riu se questionando o que a mulher teria dito se a visse lendo O Retrato de Dorian Gray. Eram suas pequenas rebeldias. Foi tirada de seus devaneios quando ouviu uma respiração ofegante e passos apressados às suas costas, a menina se virou, assustada e ainda pensando que talvez aquela casa fosse assombrada, mas se deparou com uma Olivia pálida e ofegante. – Não faça isso! A mulher exclamou depois de tomar algum fôle
Ela tentava se acostumar ao seu novo nome. Mona lhe soava estranho, mas sentia que poderia se acostumar. Além disso, tinha maiores preocupações naquele momento, pois logo descobriu que, com sua nova vida luxuosa, veio também as responsabilidades de rica, um absurdo e rigoroso cronograma no qual não lhe sobrava tempo para se martirizar. Às vezes, enquanto a professora de etiqueta ensinava sobre uma boa postura, se lembrava da tia, e tentava imitar seus gestos, ela era sua inspiração. Estranhamente estava feliz, e o que mais amava eram as aulas de piano, suspirando de olhos fechados enquanto arriscava algumas notas que já havia aprendido. Porém, como nem tudo eram flores, vez ou outra, recebia uma bronca da professora por estar cantando a letra das músicas errado, a verdade era que, aos seus ouvidos despreparados, aqueles idiomas pareciam impossíveis de pronunciar. Era cansativo, desgastante, mas estava se esforçando. Acordava cedo todos os dias para treinar sozinha antes das aulas m
Sentadas à mesa, uma de frente para a outra, Pietra encarava a prima cheia de raiva, se perguntava o porquê de a tia estar a protegendo, mesmo que discretamente. Estranhava seu interesse pois, era uma mulher ocupada, e justamente por esse motivo, sempre havia aceitado o fato de não receber mimos dela, mas agora, vendo-a observar a prima pelo canto do olho, ou mesmo defendê-la, estava a enlouquecendo de ciúmes. Ela queria aquela atenção para si. Enquanto isso, Mona distraia-se com seu coraçãozinho aquecido pela ajuda de mais cedo, nunca havia imaginado que seria justamente ela a interferir e mesmo que a parte mais racional de sua mente lhe dissesse que não se tratava de uma boa ação, seu lado ainda um pouco inocente ficava feliz por aquilo. “Ela é tão magra!” Observou pensativa e voltou seus olhos novamente ao café da manhã que a tia tomava, percebendo que continha apenas algumas frutas cortadas, queijo branco e pão integral. Fitou seu próprio corpo e pensou se deveria iniciar uma d
Mona estava imersa em sua leitura quando, de repente, ouviu seu nome sendo chamado, ergueu a cabeça e para a sua surpresa, se deparou com a prima e suas amigas paradas à sua frente. – Não fique tão acanhada, quero te apresentar minhas amigas... – Pietra comentou com um tom de voz suave, quase ensaiado enquanto apontava as duas jovens que a acompanhavam. – Estão são Eleine e Marie, ambas são irmãs, e estudamos juntas desde o colegial! – Fico feliz em conhecê-las, seus nomes são lindos... – A moça respondeu sorrindo, inocentemente imaginando a prima estivesse arrependida. – Eu me chamo Mona. – Então você tem sotaque do sul, que fofo! Marie comentou irônica, era evidente que estava apenas apontando coisas que as diferenciavam. – Sim. Como eu disse, ela passou muito tempo nos montes por causa dos problemas respiratórios! Pietra respondeu mentindo, e forçando a prima a concordar com suas palavras. “Então foi isso que você inventou para suas amigas?” Mona se perguntou, triste consigo me
– O que mais acontece nesses trotes? Mona questionou preocupada quando foram obrigadas a entrar numa fila formada pelos veteranos. – Já tinha esquecido dele... – Mariana resmungou estapeando a própria testa e estremeceu, lembrando-se porque estava procurando por companhia quando encontrou com Mona. – Nunca soube de alguém que morreu, mas sempre escuto histórias de cabelos cortados, pinturas sem noção e bebedeiras. – Pelo menos ninguém morreu... – Mona comentou com um riso baixo, tentando aliviar o clima, mas seu rosto empalideceu um pouco quando notou seus três “carrascos” se aproximando, sendo que na mão de Pietra havia uma tesoura de papel. Rapidamente, um pequeno grupo de jovens se formou naquele lugar, a maioria era novato então, estavam apenas calados esperando pelo desastre que os aguardava em meio àquele trote estúpido que ainda duraria mais algumas horas, nas quais tinham certeza de que ninguém iria interferir. – Quem vai ser o primeiro? Pietra questionou olhando diretament
Como Mona havia machucado seu tornozelo no meio daquela briga, Matteo a ajudou enquanto desciam a longa escada da saída de emergência, e quando finalmente pararam em frente à entrada do colégio, ficaram diante da escuridão da noite, deixando a menina ainda mais angustiada. – Tem certeza que não quer uma carona, Mona? O rapaz perguntou com um semblante preocupado, não queria deixar a moça ir sozinha num táxi Mona o encarou preocupada, não queria dever um favor a ele no mesmo dia em que se conheceram, mas ao mesmo tempo, também não queria levar uma bronca por, além de ter se envolvido naquela confusão, ainda precisar do chofer. “Eu ‘tô’ muito ferrada.” Pensou consigo mesma, passando as mãos pelos cabelos, tentando arrumá-los, e soltou um longo suspiro enquanto tentava acenar para um táxi. Enquanto fazia isso, caminhava sem olhar para o chão, o que a fez tropeçar e quase caiu, até fechou os olhos imaginando a queda, mas para a sua surpresa, ficou suspensa no ar, e quando abriu os olho
Os pensamentos de Carlota estavam longe enquanto seus longos dedos desenhavam pequenos círculos no abdômen trabalhado do parceiro, estava com a cabeça apoiada em seu peito e podia ouvir seus batimentos cardíacos lentamente se acalmando após o ato que haviam acabado de fazer. E como estavam em completo silêncio, apenas ouvindo a respiração um do outro, pôde perceber uma estranha movimentação do lado de fora que chamou sua atenção, empertigou-se, ficando inquieta e se enrolou no lençol de linho branco, pronta para descobrir do que se tratava. – Você ouviu isso? Questionou erguendo-se da cama, dividindo-se entre olhar na direção da janela e nos olhos do parceiro. – Parecem pessoas conversando… O fitou por alguns segundos, percebendo que também estava em alerta, então se ergueu-se da cama e enrolada apenas no lençol, caminhou em direção a grande janela da varanda, de onde tinha uma boa visualização do jardim. Estava assustada, temia que fosse obra de algum criminoso e caso estivesse arm
Quando a manhã chegou, Mona acordou se sentindo indisposta depois uma noite quase insone, seus olhos ainda estavam um pouco inchados e sentia a garganta arranhar depois de ter chorado tanto, suspirou se encolhendo enquanto apertava seus olhos doloridos e enfiou o rosto nos cobertores brancos, tentando voltar a dormir. Se sentia- sendo embalada pelo calor dos cobertores, quase conseguindo realmente dormir, quando ouviu passos ecoando dentro do quarto, imaginou que se tratava da ama – que vinha ao seu quarto todas as manhãs para ajudá-la a se vestir –, quis cumprimenta-la, mas sequer conseguiu erguer a cabeça, era como se seu corpo tivesse perdido todas as forças. – Senhorita, decidiu fazer birra hoje? Olivia questionou com um rindo baixo enquanto tentava puxar a menina de debaixo das cobertas, porém, seu sorriso sumiu assim que se deparou com a vermelhidão e as olheiras que se espalhavam pelo rosto e pescoço de Mona. – Meu Deus! O que aconteceu? – Estou tão cansada... – A jovem murmu