Sua nova casa era gigantesca, uma mansão na verdade, mordomos e empregadas vestidos em uniformes de corte tradicional, uma biblioteca maravilhosa de perder o fôlego, lustres brilhantes feitos de diamante sobre as longas escadarias, e um jardim impressionante se espalhava ao redor da gigantesca construção pertencente àquela família por três gerações.
Era a observação ingênua de uma menina ofuscada pela grandiosidade daquele lugar, notando apenas os elementos que a encantavam, sem perceber que na verdade, tudo aquilo apenas ofuscava sua visão do que realmente era aquele lugar.
Ela ainda não havia percebido, mas, dentre aquele turbilhão de sentimentos, não havia pertencimento. Curiosa, observava a empregada que caminhava ao seu lado, guiando-a pelos corredores em direção ao andar onde ficavam os quartos, era uma mulher bonita, cabelos longos e negros prestos num rabo-de-cavalo baixo, parecia gentil, mas não falava muito.
Quando pararam em frente à pesada porta de mogno, a recém-chegada ficou impressionada com os móveis e as cortinas inteiramente brancos, contrastando apenas com os detalhes em madeira cor de ébano.– Eu ficarei nesse quarto? Questionou inebriada.– Espero que seja do seu gosto! A mulher respondeu balançando a cabeça positivamente. – Me chamo Olivia, serei a responsável por seus cuidados.
– Obrigada por cuidar de mim… – A moça sorrindo meio sem graça, ainda tentando reconhecer de onde era o sotaque da ama. – O meu nome é Alana, mas imagino que já saia.
Olivia apenas maneou com a cabeça, um tanto preocupada com a aparente falta de malícia da menina, dentre todas as pessoas, ela era a que melhor conhecia os segredos escondidos atrás daquelas paredes luxuosas.
– A senhorita é muito gentil! Elogiou e então, a deixou só para que descansasse. – Por favor, me chame caso precise de algo.
Quando se viu sozinha, Alana resolveu bisbilhotar seu novo quarto. Se deitou nos lençóis de linho, sentindo sua maciez, e então, seus olhos recaíram sobre o guarda-roupas, lembrando do que o advogado havia dito. Logo, correu até ele e abriu as portas, notando a grande variedade de vestidos comprados por alguém que sequer conhecia, mas que montava os aspectos visuais de quem ela deveria ser.
Havia uma sensação de perfeição gritante em tudo naquele quarto, das roupas e móveis luxuosos, aos livros de capa-dura. Foi nesse momento que ela percebeu o que sua mente gritava desde que pôs os pés naquela mansão: ela, agora, era uma princesinha resgatada da plebe.
Notou uma porta adjunta, e rapidamente percebeu que se tratava de uma suíte – ela tinha seu próprio banheiro – sorriu com a ideia, e entrou na banheira já preparada com sais de banho e água morna. Deixou seu corpo relaxar por longos minutos dentro daquela água rosada e perfumada, quase dormiu, e quando retornou ao quarto, Olívia a esperava segurando um vestido no antebraço.
A menina vestiu uma roupa íntima, notando que todas eram impecavelmente brancas ou rosa, achou estranho, mas não disse nada, e então, se voltou à ama que segurava além do vestido, um espartilho também branco que logo, foi ajustado ao seu corpo.
Enquanto tentava adaptar sua respiração àquele aperto, sentiu o zíper do vestido ser puxado e seu corpo foi erguido num leve tranco. Calçou seus sapatos pretos, de fivelas, e arrumou as meias longas, notando sua nova aparência no espelho.
– Tente não ficar tão ansiosa… – Olívia comentou de repente.
Alana pensou em perguntar do que ela estava falando, mas foi interrompida quando a porta se abriu, dando passagem a mais uma mulher desconhecida. As roupas dela eram brancas, um jaleco na verdade, e numa de suas mãos, carregava uma maleta.
– Boa noite! Ela exclamou formalmente, aproximou-se da cama onde a menina estava sentada, e então, abriu sua maleta, expondo uma grande quantidade de equipamentos médicos. – Sou a médica da família, irei retirar uma amostra do seu sangue, então, por favor, relaxe seu braço.
A menina não teve muito tempo para assimilar aquela informação, e rapidamente seus grandes olhos azuis fitaram o sangue carmim jorrando com pressão dentro da ampola, suspirando quando enfim, um curativo foi colocado sobre o lugar latejante. Observou a médica fazendo anotações e ficou curiosa, se perguntando do que se tratava.
– Eu tenho alguma doença e não estou sabendo? Questionou quando não conseguiu mais conter a curiosidade, seus olhos arregalados fitando a mulher.
– Saberemos quando chegarem os resultados! A médica explicou, mas não respondeu exatamente as questões da menina.
Alana então, apenas balançou a cabeça positivamente, percebendo que as pessoas relacionadas àquela casa tinham comportamentos coincidentes, nenhuma delas parecia querer passar alguma informação efetiva, e sempre se mantinham evasivos.
Enquanto isso, no primeiro piso, uma pequena confusão se instaurava na sala de estar. A mulher ao centro, bebia seu chá tranquilamente, apenas mantendo um semblante pensativo enquanto os homens de pé, discutiam de forma acalorada, quase partindo para uma agressão física.
Ela não planejava se envolver, a menos que as coisas realmente saíssem do controle. Era um incômodo na verdade, porque aquele problema não lhe dizia respeito, e mesmo que fossem seus parentes, eles mais lhe pareciam estranhos.
– Você acha mesmo essa uma boa ideia? O irmão mais velho questionava com uma expressão muito irritada, apontando para o primeiro andar onde a médica terminava de avaliar a recém-chegada. – Ela pode até ter o seu sangue, mas é uma bastarda e a nonna jamais a aceitará!
– Melhor do que permiti-la morrer pela leucemia... – O outro respondeu, sua voz elevando alguns tons, e então, agarrou o outro pelo colarinho. – Se você não fosse a porr* de um depravado, não estaríamos discutindo sobre isso.
– Já basta! A mulher, que até então se mantinha em silêncio, exclamou lançando olhares reprovadores aos dois irmãos. – São dois incompetentes…
Depois de dizer aquelas palavras, um silêncio inquietante recaiu sobre todos naquela sala, e o clima parecia ficar cada vez mais complicado, como se estivessem discutindo uma ação que mudaria completamente os rumos da tradição imposta naquele local.
– Ao menos sua irresponsabilidade poderá nos ser útil! A mulher comentou depois de alguns minutos, seus lábios vermelhos comprimiram-se e então fitou os irmãos friamente. – Parem de discutir, não há nada que possamos fazer agora, apenas seguir com a ideia inicial.
– Se seu útero não fosse tão pobre, não precisaríamos chegar a tanto… O mais novo reclamou, num resmungo, não se importando com o quanto suas palavras poderiam afetar a irmã.
– Apenas cale sua m*****a boca caso não tenha nada útil a dizer! A mulher brandou erguendo seu tom de voz, o brilho em seus olhos mostrava claramente que mesmo sendo tão rígida, havia uma chaga em seu âmago.
Em seguida, para a surpresa de todos, ergueu a mão e acertou uma violenta bofetada no rosto do irmão mais novo, colocando-o em seu lugar. Nesse momento, o clima ficou ainda mais tenso, porém, foram interrompidos por um homem que aproximava-se pigarreando, tentando chamar a atenção dos anfitriões sem ser muito incômodo, era o mesmo advogado que havia conversado com Alana horas antes.
– Com licença, senhora! Comentou focando seus olhos nela, parecendo incomodado com o que havia ouvido, mas tentava não transparecer. – Os acionistas pediram que a reunião fosse adiantada por causa do cronograma.
– Entendo, obrigada por me avisar, Lorenzo! Carlota exclamou direcionando um breve sorriso ao advogado, pegou a bolsa que repousava sobre a poltrona onde estava sentada e saiu, deixando os irmãos sem mais.
Sua aparência era impecável e mesmo que tivesse perdido a compostura por alguns segundos, rapidamente estava recomposta novamente e caminhava ao lado do advogado, movendo-se com elegância em seu vestido de corte longo e perfeito, aderindo-se às curvas simples de seu corpo magro.
No topo da escadaria, Alana a observava, impressionada com aquela mulher, seus olhos chegavam a brilhar. Então, voltou-se à ama e sorriu meio tímida, perguntando o que havia acontecido, mas como não recebeu uma resposta, tornou a olhar para os homens que se mantinham em silêncio.
– Estão discutindo a sua estadia nesta casa! Uma menina de longos fios castanhos presos em uma trança grega, comentou surgindo de repente, havia um sorriso de desprezo em seus lábios.
Era pequena, e aparentava ter a mesma idade da recém-chegada, mas diferente dela, seus olhos maliciosos a encaravam com olhar de superioridade, franzindo o nariz como se sentisse um cheiro incômodo. Estava acompanhada por sua própria ama, uma mulher tão bonita quanto Olivia, mas que detinha em seus olhos uma expressão cansada, como se “cuidar” da menina morena estivesse lhe custando muito.
– Eu sou Pietra! Ela continuou seu monólogo, fitando-a com interesse. – Se você não fosse uma bastarda, seríamos primas.
Alana não entendeu o que a outra estava dizendo, piscou algumas vezes, sentindo-se confusa novamente, e retrocedeu alguns passos tremendo de medo enquanto procurava Olivia com os olhos, pedindo-lhe ajuda de forma silenciosa, a outra menina não era tão mais alta que ela, mas havia uma atmosfera assustadora ao seu redor.
As mulheres adultas trocaram olhares por alguns minutos, ambas claramente sem saber como proceder naquele momento, mas depois de algum tempo de intimidação por parte da pequena anfitriã, sua ama optou por tomar alguma iniciativa antes que a situação piorasse.
– Senhorita, iremos nos atrasar... – Comentou procurando as palavras corretas para não acabar virando o alvo das maldades daquela menina mal-criada.
A contragosto, Pietra concordou balançando a cabeça positivamente, arrumou seus cabelos, jogando-os por cima do ombro, e começou a descer a longa escadaria, mas não antes de fitar a “prima” por mais alguns instantes.
– Bem vinda ao inferno! Exclamou passando por a outra, fazendo questão de esbarrar em seu ombro de propósito, reafirmando a diferença de altura que tinham.
Então, alguns dias passaram. Nesse meio tempo, Alana foi tentando se acostumar àquela nova realidade, mas tudo era tão diferente que quase não conseguia acompanhar. Às vezes, a falta de diálogos a irritava, não entendia o que acontecia à sua volta e ninguém lhe dava explicação, no fim, era sufocante. Os acontecimentos que antecederam seu nascimento eram um mistério para ela, e os quatorze anos longe de sua família biológica mostravam que, apesar de ter herdado seu sangue, não era um deles. Por mais doloroso que fosse admitir, a verdade era inapagável, ela era uma bastarda, assim como a prima cruelmente havia dito. “Não posso baixar a guarda com ela.” A moça pensou consigo mesma, e então, um livro que havia lido escondido das freiras lhe veio à mente, pensou um pouco e riu ao lembrar o título, era: Menina má, de Christine Penmark. – Há algo que não entendo… – Alana chamou baixinho, inclinando a cabeça para trás, fitando a mulher que penteava seus cabelos. – Porque eu fui trazida para
Alana não conseguiu dormir mais nada depois de ouvir aquelas palavras, cada peça daquele quebra-cabeças só deixava tudo mais confuso e sentia como se estivesse diante de um poço sem fundo, o que poderia ser considerado cômico se não fosse tão dramático. O dia amanhecia quando percebeu que realmente não conseguiria voltar a dormir, então, foi para a biblioteca e enquanto procurava por algo do seu interesse, se perdeu em pensamentos. De repente, se lembrou do longo sermão que a irmã Joana havia lhe dado quando a encontrou lendo algumas de suas leituras “tortas”, e riu se questionando o que a mulher teria dito se a visse lendo O Retrato de Dorian Gray. Eram suas pequenas rebeldias. Foi tirada de seus devaneios quando ouviu uma respiração ofegante e passos apressados às suas costas, a menina se virou, assustada e ainda pensando que talvez aquela casa fosse assombrada, mas se deparou com uma Olivia pálida e ofegante. – Não faça isso! A mulher exclamou depois de tomar algum fôle
Ela tentava se acostumar ao seu novo nome. Mona lhe soava estranho, mas sentia que poderia se acostumar. Além disso, tinha maiores preocupações naquele momento, pois logo descobriu que, com sua nova vida luxuosa, veio também as responsabilidades de rica, um absurdo e rigoroso cronograma no qual não lhe sobrava tempo para se martirizar. Às vezes, enquanto a professora de etiqueta ensinava sobre uma boa postura, se lembrava da tia, e tentava imitar seus gestos, ela era sua inspiração. Estranhamente estava feliz, e o que mais amava eram as aulas de piano, suspirando de olhos fechados enquanto arriscava algumas notas que já havia aprendido. Porém, como nem tudo eram flores, vez ou outra, recebia uma bronca da professora por estar cantando a letra das músicas errado, a verdade era que, aos seus ouvidos despreparados, aqueles idiomas pareciam impossíveis de pronunciar. Era cansativo, desgastante, mas estava se esforçando. Acordava cedo todos os dias para treinar sozinha antes das aulas m
Sentadas à mesa, uma de frente para a outra, Pietra encarava a prima cheia de raiva, se perguntava o porquê de a tia estar a protegendo, mesmo que discretamente. Estranhava seu interesse pois, era uma mulher ocupada, e justamente por esse motivo, sempre havia aceitado o fato de não receber mimos dela, mas agora, vendo-a observar a prima pelo canto do olho, ou mesmo defendê-la, estava a enlouquecendo de ciúmes. Ela queria aquela atenção para si. Enquanto isso, Mona distraia-se com seu coraçãozinho aquecido pela ajuda de mais cedo, nunca havia imaginado que seria justamente ela a interferir e mesmo que a parte mais racional de sua mente lhe dissesse que não se tratava de uma boa ação, seu lado ainda um pouco inocente ficava feliz por aquilo. “Ela é tão magra!” Observou pensativa e voltou seus olhos novamente ao café da manhã que a tia tomava, percebendo que continha apenas algumas frutas cortadas, queijo branco e pão integral. Fitou seu próprio corpo e pensou se deveria iniciar uma d
Mona estava imersa em sua leitura quando, de repente, ouviu seu nome sendo chamado, ergueu a cabeça e para a sua surpresa, se deparou com a prima e suas amigas paradas à sua frente. – Não fique tão acanhada, quero te apresentar minhas amigas... – Pietra comentou com um tom de voz suave, quase ensaiado enquanto apontava as duas jovens que a acompanhavam. – Estão são Eleine e Marie, ambas são irmãs, e estudamos juntas desde o colegial! – Fico feliz em conhecê-las, seus nomes são lindos... – A moça respondeu sorrindo, inocentemente imaginando a prima estivesse arrependida. – Eu me chamo Mona. – Então você tem sotaque do sul, que fofo! Marie comentou irônica, era evidente que estava apenas apontando coisas que as diferenciavam. – Sim. Como eu disse, ela passou muito tempo nos montes por causa dos problemas respiratórios! Pietra respondeu mentindo, e forçando a prima a concordar com suas palavras. “Então foi isso que você inventou para suas amigas?” Mona se perguntou, triste consigo me
– O que mais acontece nesses trotes? Mona questionou preocupada quando foram obrigadas a entrar numa fila formada pelos veteranos. – Já tinha esquecido dele... – Mariana resmungou estapeando a própria testa e estremeceu, lembrando-se porque estava procurando por companhia quando encontrou com Mona. – Nunca soube de alguém que morreu, mas sempre escuto histórias de cabelos cortados, pinturas sem noção e bebedeiras. – Pelo menos ninguém morreu... – Mona comentou com um riso baixo, tentando aliviar o clima, mas seu rosto empalideceu um pouco quando notou seus três “carrascos” se aproximando, sendo que na mão de Pietra havia uma tesoura de papel. Rapidamente, um pequeno grupo de jovens se formou naquele lugar, a maioria era novato então, estavam apenas calados esperando pelo desastre que os aguardava em meio àquele trote estúpido que ainda duraria mais algumas horas, nas quais tinham certeza de que ninguém iria interferir. – Quem vai ser o primeiro? Pietra questionou olhando diretament
Como Mona havia machucado seu tornozelo no meio daquela briga, Matteo a ajudou enquanto desciam a longa escada da saída de emergência, e quando finalmente pararam em frente à entrada do colégio, ficaram diante da escuridão da noite, deixando a menina ainda mais angustiada. – Tem certeza que não quer uma carona, Mona? O rapaz perguntou com um semblante preocupado, não queria deixar a moça ir sozinha num táxi Mona o encarou preocupada, não queria dever um favor a ele no mesmo dia em que se conheceram, mas ao mesmo tempo, também não queria levar uma bronca por, além de ter se envolvido naquela confusão, ainda precisar do chofer. “Eu ‘tô’ muito ferrada.” Pensou consigo mesma, passando as mãos pelos cabelos, tentando arrumá-los, e soltou um longo suspiro enquanto tentava acenar para um táxi. Enquanto fazia isso, caminhava sem olhar para o chão, o que a fez tropeçar e quase caiu, até fechou os olhos imaginando a queda, mas para a sua surpresa, ficou suspensa no ar, e quando abriu os olho
Os pensamentos de Carlota estavam longe enquanto seus longos dedos desenhavam pequenos círculos no abdômen trabalhado do parceiro, estava com a cabeça apoiada em seu peito e podia ouvir seus batimentos cardíacos lentamente se acalmando após o ato que haviam acabado de fazer. E como estavam em completo silêncio, apenas ouvindo a respiração um do outro, pôde perceber uma estranha movimentação do lado de fora que chamou sua atenção, empertigou-se, ficando inquieta e se enrolou no lençol de linho branco, pronta para descobrir do que se tratava. – Você ouviu isso? Questionou erguendo-se da cama, dividindo-se entre olhar na direção da janela e nos olhos do parceiro. – Parecem pessoas conversando… O fitou por alguns segundos, percebendo que também estava em alerta, então se ergueu-se da cama e enrolada apenas no lençol, caminhou em direção a grande janela da varanda, de onde tinha uma boa visualização do jardim. Estava assustada, temia que fosse obra de algum criminoso e caso estivesse arm