2 A Outra Menina

Sua nova casa era gigantesca, uma mansão na verdade, mordomos e empregadas vestidos em uniformes de corte tradicional, uma biblioteca maravilhosa de perder o fôlego, lustres brilhantes feitos de diamante sobre as longas escadarias, e um jardim impressionante se espalhava ao redor da gigantesca construção pertencente àquela família por três gerações.

Era a observação ingênua de uma menina ofuscada pela grandiosidade daquele lugar, notando apenas os elementos que a encantavam, sem perceber que na verdade, tudo aquilo apenas ofuscava sua visão do que realmente era aquele lugar.

Ela ainda não havia percebido, mas, dentre aquele turbilhão de sentimentos, não havia pertencimento. Curiosa, observava a empregada que caminhava ao seu lado, guiando-a pelos corredores em direção ao andar onde ficavam os quartos, era uma mulher bonita, cabelos longos e negros prestos num rabo-de-cavalo baixo, parecia gentil, mas não falava muito.

Quando pararam em frente à pesada porta de mogno, a recém-chegada ficou impressionada com os móveis e as cortinas inteiramente brancos, contrastando apenas com os detalhes em madeira cor de ébano.

– Eu ficarei nesse quarto? Questionou inebriada.

– Espero que seja do seu gosto! A mulher respondeu balançando a cabeça positivamente. – Me chamo Olivia, serei a responsável por seus cuidados.

– Obrigada por cuidar de mim… – A moça sorrindo meio sem graça, ainda tentando reconhecer de onde era o sotaque da ama. – O meu nome é Alana, mas imagino que já saia.

Olivia apenas maneou com a cabeça, um tanto preocupada com a aparente falta de malícia da menina, dentre todas as pessoas, ela era a que melhor conhecia os segredos escondidos atrás daquelas paredes luxuosas. 

– A senhorita é muito gentil! Elogiou e então, a deixou só para que descansasse. – Por favor, me chame caso precise de algo.

Quando se viu sozinha, Alana resolveu bisbilhotar seu novo quarto. Se deitou nos lençóis de linho, sentindo sua maciez, e então, seus olhos recaíram sobre o guarda-roupas, lembrando do que o advogado havia dito. Logo, correu até ele e abriu as portas, notando a grande variedade de vestidos comprados por alguém que sequer conhecia, mas que montava os aspectos visuais de quem ela deveria ser.

Havia uma sensação de perfeição gritante em tudo naquele quarto, das roupas e móveis luxuosos, aos livros de capa-dura. Foi nesse momento que ela percebeu o que sua mente gritava desde que pôs os pés naquela mansão: ela, agora, era uma princesinha resgatada da plebe.

Notou uma porta adjunta, e rapidamente percebeu que se tratava de uma suíte – ela tinha seu próprio banheiro – sorriu com a ideia, e entrou na banheira já preparada com sais de banho e água morna. Deixou seu corpo relaxar por longos minutos dentro daquela água rosada e perfumada, quase dormiu, e quando retornou ao quarto, Olívia a esperava segurando um vestido no antebraço.

A menina vestiu uma roupa íntima, notando que todas eram impecavelmente brancas ou rosa, achou estranho, mas não disse nada, e então, se voltou à ama que segurava além do vestido, um espartilho também branco que logo, foi ajustado ao seu corpo.

Enquanto tentava adaptar sua respiração àquele aperto, sentiu o zíper do vestido ser puxado e seu corpo foi erguido num leve tranco. Calçou seus sapatos pretos, de fivelas, e arrumou as meias longas, notando sua nova aparência no espelho.

– Tente não ficar tão ansiosa… – Olívia comentou de repente.

Alana pensou em perguntar do que ela estava falando, mas foi interrompida quando a porta se abriu, dando passagem a mais uma mulher desconhecida. As roupas dela eram brancas, um jaleco na verdade, e numa de suas mãos, carregava uma maleta.

– Boa noite! Ela exclamou formalmente, aproximou-se da cama onde a menina estava sentada, e então, abriu sua maleta, expondo uma grande quantidade de equipamentos médicos. – Sou a médica da família, irei retirar uma amostra do seu sangue, então, por favor, relaxe seu braço.

A menina não teve muito tempo para assimilar aquela informação, e rapidamente seus grandes olhos azuis fitaram o sangue carmim jorrando com pressão dentro da ampola, suspirando quando enfim, um curativo foi colocado sobre o lugar latejante. Observou a médica fazendo anotações e ficou curiosa, se perguntando do que se tratava.

– Eu tenho alguma doença e não estou sabendo? Questionou quando não conseguiu mais conter a curiosidade, seus olhos arregalados fitando a mulher.

– Saberemos quando chegarem os resultados! A médica explicou, mas não respondeu exatamente as questões da menina.

Alana então, apenas balançou a cabeça positivamente, percebendo que as pessoas relacionadas àquela casa tinham comportamentos coincidentes, nenhuma delas parecia querer passar alguma informação efetiva, e sempre se mantinham evasivos.

Enquanto isso, no primeiro piso, uma pequena confusão se instaurava na sala de estar. A mulher ao centro, bebia seu chá tranquilamente, apenas mantendo um semblante pensativo enquanto os homens de pé, discutiam de forma acalorada, quase partindo para uma agressão física. 

Ela não planejava se envolver, a menos que as coisas realmente saíssem do controle. Era um incômodo na verdade, porque aquele problema não lhe dizia respeito, e mesmo que fossem seus parentes, eles mais lhe pareciam estranhos.

– Você acha mesmo essa uma boa ideia? O irmão mais velho questionava com uma expressão muito irritada, apontando para o primeiro andar onde a médica terminava de avaliar a recém-chegada. – Ela pode até ter o seu sangue, mas é uma bastarda e a nonna jamais a aceitará!

– Melhor do que permiti-la morrer pela leucemia... – O outro respondeu, sua voz elevando alguns tons, e então, agarrou o outro pelo colarinho. – Se você não fosse a porr* de um depravado, não estaríamos discutindo sobre isso.

– Já basta! A mulher, que até então se mantinha em silêncio, exclamou lançando olhares reprovadores aos dois irmãos. – São dois incompetentes…

Depois de dizer aquelas palavras, um silêncio inquietante recaiu sobre todos naquela sala, e o clima parecia ficar cada vez mais complicado, como se estivessem discutindo uma ação que mudaria completamente os rumos da tradição imposta naquele local.

– Ao menos sua irresponsabilidade poderá nos ser útil! A mulher comentou depois de alguns minutos, seus lábios vermelhos comprimiram-se e então fitou os irmãos friamente. – Parem de discutir, não há nada que possamos fazer agora, apenas seguir com a ideia inicial.

– Se seu útero não fosse tão pobre, não precisaríamos chegar a tanto… O mais novo reclamou, num resmungo, não se importando com o quanto suas palavras poderiam afetar a irmã.

– Apenas cale sua m*****a boca caso não tenha nada útil a dizer! A mulher brandou erguendo seu tom de voz, o brilho em seus olhos mostrava claramente que mesmo sendo tão rígida, havia uma chaga em seu âmago.

Em seguida, para a surpresa de todos, ergueu a mão e acertou uma violenta bofetada no rosto do irmão mais novo, colocando-o em seu lugar. Nesse momento, o clima ficou ainda mais tenso, porém, foram interrompidos por um homem que aproximava-se pigarreando, tentando chamar a atenção dos anfitriões sem ser muito incômodo, era o mesmo advogado que havia conversado com Alana horas antes.

– Com licença, senhora! Comentou focando seus olhos nela, parecendo incomodado com o que havia ouvido, mas tentava não transparecer. – Os acionistas pediram que a reunião fosse adiantada por causa do cronograma.

– Entendo, obrigada por me avisar, Lorenzo! Carlota exclamou direcionando um breve sorriso ao advogado, pegou a bolsa que repousava sobre a poltrona onde estava sentada e saiu, deixando os irmãos sem mais.

Sua aparência era impecável e mesmo que tivesse perdido a compostura por alguns segundos, rapidamente estava recomposta novamente e caminhava ao lado do advogado, movendo-se com elegância em seu vestido de corte longo e perfeito, aderindo-se às curvas simples de seu corpo magro.

No topo da escadaria, Alana a observava, impressionada com aquela mulher, seus olhos chegavam a brilhar. Então, voltou-se à ama e sorriu meio tímida, perguntando o que havia acontecido, mas como não recebeu uma resposta, tornou a olhar para os homens que se mantinham em silêncio.

– Estão discutindo a sua estadia nesta casa! Uma menina de longos fios castanhos presos em uma trança grega, comentou surgindo de repente, havia um sorriso de desprezo em seus lábios.

Era pequena, e aparentava ter a mesma idade da recém-chegada, mas diferente dela, seus olhos maliciosos a encaravam com olhar de superioridade, franzindo o nariz como se sentisse um cheiro incômodo. Estava acompanhada por sua própria ama, uma mulher tão bonita quanto Olivia, mas que detinha em seus olhos uma expressão cansada, como se “cuidar” da menina morena estivesse lhe custando muito.

– Eu sou Pietra! Ela continuou seu monólogo, fitando-a com interesse. – Se você não fosse uma bastarda, seríamos primas.

Alana não entendeu o que a outra estava dizendo, piscou algumas vezes, sentindo-se confusa novamente, e retrocedeu alguns passos tremendo de medo enquanto procurava Olivia com os olhos, pedindo-lhe ajuda de forma silenciosa, a outra menina não era tão mais alta que ela, mas havia uma atmosfera assustadora ao seu redor.

As mulheres adultas trocaram olhares por alguns minutos, ambas claramente sem saber como proceder naquele momento, mas depois de algum tempo de intimidação por parte da pequena anfitriã, sua ama optou por tomar alguma iniciativa antes que a situação piorasse.

– Senhorita, iremos nos atrasar... – Comentou procurando as palavras corretas para não acabar virando o alvo das maldades daquela menina mal-criada.

A contragosto, Pietra concordou balançando a cabeça positivamente, arrumou seus cabelos, jogando-os por cima do ombro, e começou a descer a longa escadaria, mas não antes de fitar a “prima” por mais alguns instantes.

– Bem vinda ao inferno! Exclamou passando por a outra, fazendo questão de esbarrar em seu ombro de propósito, reafirmando a diferença de altura que tinham.

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