Alana não conseguiu dormir mais nada depois de ouvir aquelas palavras, cada peça daquele quebra-cabeças só deixava tudo mais confuso e sentia como se estivesse diante de um poço sem fundo, o que poderia ser considerado cômico se não fosse tão dramático.
O dia amanhecia quando percebeu que realmente não conseguiria voltar a dormir, então, foi para a biblioteca e enquanto procurava por algo do seu interesse, se perdeu em pensamentos. De repente, se lembrou do longo sermão que a irmã Joana havia lhe dado quando a encontrou lendo algumas de suas leituras “tortas”, e riu se questionando o que a mulher teria dito se a visse lendo O Retrato de Dorian Gray.
Eram suas pequenas rebeldias.
Foi tirada de seus devaneios quando ouviu uma respiração ofegante e passos apressados às suas costas, a menina se virou, assustada e ainda pensando que talvez aquela casa fosse assombrada, mas se deparou com uma Olivia pálida e ofegante.
– Não faça isso! A mulher exclamou depois de tomar algum fôlego. – A senhorita não pode passear por aí, ainda mais operada.
O incômodo na face dela era óbvio. E enquanto ambas retornavam ao quarto, a ama tornou a explicar à menina sobre o cuidado que precisava ter com suas ações.
– Esteja ciente de que quando sair por essa porta, precisará estar perfeitamente saudável, ou aparentar estar! Explicou exasperada, em sua mente, não havia como uma jovem de quatorze anos compreender ou aceitar tal instrução, mas precisava ensinar, era seu trabalho afinal.
Alana parou, pensativa e a encarou por longos minutos, cogitando suas possibilidades. Na verdade, ela já havia pensado sobre isso ao ouvir a conversa estranha entre sua tia e os irmãos, mesmo sendo uma adolescente, ela conseguiu identificar a dor presente nos olhos da mulher, mas admirou seu posicionamento frio.
Não tinha certeza se poderia fazer aquilo, mas precisava, então, no fim, balançou a cabeça, murmurando que entendia. Quando parou em frente à porta de seu quarto, olhou para a ama por sobre o ombro e deu um sorriso de canto, tentando quebrar o clima pesado.
– Aliás, porque tudo nesse quarto é branco? Indagou arqueando uma sobrancelha, aquilo a incomodava já há um tempo.
– Quer mesmo saber...? Olivia devolveu a pergunta com um sorriso cúmplice, e dando uma piscadela. – Então terá que descobrir por conta própria…
Alana franziu o cenho, achando aquilo um absurdo, mas balançou a cabeça positivamente, fechando os olhos e concordando, era obediente, afinal.
Algumas horas se passaram e logo, estava de banho tomado e novamente sobre os sapatinhos pretos de fivela. Caminhou pelos corredores, ciente de que, a qualquer momento, acabaria se encontrando com os outros membros da família, mas para a sua surpresa, foi com Lorenzo que se deparou primeiro.
– Era justamente você que eu estava procurando... – Ele comentou quando seus olhos se encontraram, e então, apontou as portas de mogno do escritório, indicando que precisariam de mais privacidade. – Tenho que conversar contigo.
Alana o seguiu de perto, sentindo seu coração acelerado, atravessou as pesadas portas e se sentou numa poltrona de frente para a dele, apertou as mãos sobre o colo enquanto esperava para ouvir o que ele tinha a dizer.
– Seus novos documentos chegaram... – Lorenzo explicou com seu costumeiro tom sério, então, abriu a maleta que trazia consigo e entregou um envelope à jovem. – A partir desse momento, você se chamará Mona Vacciani, e deverá sempre atender por esse nome!
A menina balançou a cabeça positivamente, concordando com o que lhe era dito, mesmo que internamente achasse um absurdo ter que mudar seu nome apenas pelo que imaginava ser a origem dele, ou pior, como uma forma de mostrá-la que não possuía nada inteiramente, nem mesmo seu nome.
– Mona, preciso que preste atenção! Lorenzo tornou a exclamar com seriedade. – Esteja ciente de que sua estadia nesta casa será complicada, como já deve ter percebido, não é a única menina nessa mansão, e Pietra não tolera a existência de outra herdeira.
– Estou ciente disso... – Ela murmurou abaixando a cabeça, sentindo as dores que continuavam em seu corpo, e que, de repente, pioraram.
– Pelo visto, a cirurgia já foi feita... – O advogado mencionou, mais para si mesmo do que para a garota, parecendo desconfortável com aquele assunto.
O semblante dele era imitado por Olivia, mas sem dizer nada.
Lorenzo checou seu relógio de pulso, e em seguida, voltou seus olhos a Alana, se lembrando da outra questão que precisava tratar com ela.
– Há um horário marcado para você no salão agora… – Explicou erguendo-se de seu lugar, pegou a maleta, fechando-a e se dirigiu à porta, dando-lhe as costas, pronto para ir embora. – Seus cabelos serão escurecidos, para ficar mais adequada ao fenótipo da família,
A menina que havia perdido seu nome, sentiu como se tivesse perdido o chão ao ouvir aquilo. Não podia acreditar que sequer a cor de seus cabelos poderia manter, era mais uma de suas características que seria usurpada, mas novamente não disse nada, e apenas abaixou sua cabeça, tentando segurar o choro.
A hair stylist era uma mulher jovem de cabelos tingidos de vinho, ostentando um belíssimo corte channel que a deixava ainda mais bonita, era claramente a dona daquele lugar, mostrando o poder que aquela família possuía, fluindo mesmo nos detalhes.
A tinta quase não tinha cheiro, e escurecia gradativamente seus fios dourados, dando à menina uma aparência que desconhecia. Fitou seu reflexo no grande espelho e então percebeu que, naquele ponto, somente seus olhos eram os mesmos.
Olivia, que havia saído de fininho, retornou trazendo consigo uma caixinha de trufas feitas com o chocolate daquela região, algo relativamente simples, mas que demonstrava o quanto se esforçava para animar a menina.
– Obrigada! A moça, que agora se chamava Mona, agradeceu baixinho, provando uma das trufas, mas antes, encarou intensamente a ama. – Por favor, não me magoe, pois confio muito em você…
A confissão saiu em forma de fungado, abafado pela mastigação, mas que foi o suficiente para a ama se sentir péssima por pensar que a menina era outra peste, e com um sorriso tranquilo, a puxou para perto, abraçando-a.
Ela tentava se acostumar ao seu novo nome. Mona lhe soava estranho, mas sentia que poderia se acostumar. Além disso, tinha maiores preocupações naquele momento, pois logo descobriu que, com sua nova vida luxuosa, veio também as responsabilidades de rica, um absurdo e rigoroso cronograma no qual não lhe sobrava tempo para se martirizar. Às vezes, enquanto a professora de etiqueta ensinava sobre uma boa postura, se lembrava da tia, e tentava imitar seus gestos, ela era sua inspiração. Estranhamente estava feliz, e o que mais amava eram as aulas de piano, suspirando de olhos fechados enquanto arriscava algumas notas que já havia aprendido. Porém, como nem tudo eram flores, vez ou outra, recebia uma bronca da professora por estar cantando a letra das músicas errado, a verdade era que, aos seus ouvidos despreparados, aqueles idiomas pareciam impossíveis de pronunciar. Era cansativo, desgastante, mas estava se esforçando. Acordava cedo todos os dias para treinar sozinha antes das aulas m
Sentadas à mesa, uma de frente para a outra, Pietra encarava a prima cheia de raiva, se perguntava o porquê de a tia estar a protegendo, mesmo que discretamente. Estranhava seu interesse pois, era uma mulher ocupada, e justamente por esse motivo, sempre havia aceitado o fato de não receber mimos dela, mas agora, vendo-a observar a prima pelo canto do olho, ou mesmo defendê-la, estava a enlouquecendo de ciúmes. Ela queria aquela atenção para si. Enquanto isso, Mona distraia-se com seu coraçãozinho aquecido pela ajuda de mais cedo, nunca havia imaginado que seria justamente ela a interferir e mesmo que a parte mais racional de sua mente lhe dissesse que não se tratava de uma boa ação, seu lado ainda um pouco inocente ficava feliz por aquilo. “Ela é tão magra!” Observou pensativa e voltou seus olhos novamente ao café da manhã que a tia tomava, percebendo que continha apenas algumas frutas cortadas, queijo branco e pão integral. Fitou seu próprio corpo e pensou se deveria iniciar uma d
Mona estava imersa em sua leitura quando, de repente, ouviu seu nome sendo chamado, ergueu a cabeça e para a sua surpresa, se deparou com a prima e suas amigas paradas à sua frente. – Não fique tão acanhada, quero te apresentar minhas amigas... – Pietra comentou com um tom de voz suave, quase ensaiado enquanto apontava as duas jovens que a acompanhavam. – Estão são Eleine e Marie, ambas são irmãs, e estudamos juntas desde o colegial! – Fico feliz em conhecê-las, seus nomes são lindos... – A moça respondeu sorrindo, inocentemente imaginando a prima estivesse arrependida. – Eu me chamo Mona. – Então você tem sotaque do sul, que fofo! Marie comentou irônica, era evidente que estava apenas apontando coisas que as diferenciavam. – Sim. Como eu disse, ela passou muito tempo nos montes por causa dos problemas respiratórios! Pietra respondeu mentindo, e forçando a prima a concordar com suas palavras. “Então foi isso que você inventou para suas amigas?” Mona se perguntou, triste consigo me
– O que mais acontece nesses trotes? Mona questionou preocupada quando foram obrigadas a entrar numa fila formada pelos veteranos. – Já tinha esquecido dele... – Mariana resmungou estapeando a própria testa e estremeceu, lembrando-se porque estava procurando por companhia quando encontrou com Mona. – Nunca soube de alguém que morreu, mas sempre escuto histórias de cabelos cortados, pinturas sem noção e bebedeiras. – Pelo menos ninguém morreu... – Mona comentou com um riso baixo, tentando aliviar o clima, mas seu rosto empalideceu um pouco quando notou seus três “carrascos” se aproximando, sendo que na mão de Pietra havia uma tesoura de papel. Rapidamente, um pequeno grupo de jovens se formou naquele lugar, a maioria era novato então, estavam apenas calados esperando pelo desastre que os aguardava em meio àquele trote estúpido que ainda duraria mais algumas horas, nas quais tinham certeza de que ninguém iria interferir. – Quem vai ser o primeiro? Pietra questionou olhando diretament
Como Mona havia machucado seu tornozelo no meio daquela briga, Matteo a ajudou enquanto desciam a longa escada da saída de emergência, e quando finalmente pararam em frente à entrada do colégio, ficaram diante da escuridão da noite, deixando a menina ainda mais angustiada. – Tem certeza que não quer uma carona, Mona? O rapaz perguntou com um semblante preocupado, não queria deixar a moça ir sozinha num táxi Mona o encarou preocupada, não queria dever um favor a ele no mesmo dia em que se conheceram, mas ao mesmo tempo, também não queria levar uma bronca por, além de ter se envolvido naquela confusão, ainda precisar do chofer. “Eu ‘tô’ muito ferrada.” Pensou consigo mesma, passando as mãos pelos cabelos, tentando arrumá-los, e soltou um longo suspiro enquanto tentava acenar para um táxi. Enquanto fazia isso, caminhava sem olhar para o chão, o que a fez tropeçar e quase caiu, até fechou os olhos imaginando a queda, mas para a sua surpresa, ficou suspensa no ar, e quando abriu os olho
Os pensamentos de Carlota estavam longe enquanto seus longos dedos desenhavam pequenos círculos no abdômen trabalhado do parceiro, estava com a cabeça apoiada em seu peito e podia ouvir seus batimentos cardíacos lentamente se acalmando após o ato que haviam acabado de fazer. E como estavam em completo silêncio, apenas ouvindo a respiração um do outro, pôde perceber uma estranha movimentação do lado de fora que chamou sua atenção, empertigou-se, ficando inquieta e se enrolou no lençol de linho branco, pronta para descobrir do que se tratava. – Você ouviu isso? Questionou erguendo-se da cama, dividindo-se entre olhar na direção da janela e nos olhos do parceiro. – Parecem pessoas conversando… O fitou por alguns segundos, percebendo que também estava em alerta, então se ergueu-se da cama e enrolada apenas no lençol, caminhou em direção a grande janela da varanda, de onde tinha uma boa visualização do jardim. Estava assustada, temia que fosse obra de algum criminoso e caso estivesse arm
Quando a manhã chegou, Mona acordou se sentindo indisposta depois uma noite quase insone, seus olhos ainda estavam um pouco inchados e sentia a garganta arranhar depois de ter chorado tanto, suspirou se encolhendo enquanto apertava seus olhos doloridos e enfiou o rosto nos cobertores brancos, tentando voltar a dormir. Se sentia- sendo embalada pelo calor dos cobertores, quase conseguindo realmente dormir, quando ouviu passos ecoando dentro do quarto, imaginou que se tratava da ama – que vinha ao seu quarto todas as manhãs para ajudá-la a se vestir –, quis cumprimenta-la, mas sequer conseguiu erguer a cabeça, era como se seu corpo tivesse perdido todas as forças. – Senhorita, decidiu fazer birra hoje? Olivia questionou com um rindo baixo enquanto tentava puxar a menina de debaixo das cobertas, porém, seu sorriso sumiu assim que se deparou com a vermelhidão e as olheiras que se espalhavam pelo rosto e pescoço de Mona. – Meu Deus! O que aconteceu? – Estou tão cansada... – A jovem murmu
Quando estava se sentindo melhor, depois de dormir mais um pouco e tomar os medicamentos calmantes receitados pela médica, desceu a longa escadaria, estranhando a pouca movimentação na casa, olhou em volta e se surpreendeu ao se deparar com a nonna sentada no sofá lendo um livro com o gato no colo. Quando seus olhos se encontraram, para a surpresa da menina, a senhora a fitou com atenção, chamando-a para perto com um simples gesto. Mona era uma jovem observadora, por isso, já havia percebido que todas as pessoas se dirigiam à nonna somente falando em italiano – sua língua natal –, e imaginou que isso se devesse aos antigos hábitos de manter a tradição em um país distante. Então, sabendo disso, se esforçou para pronunciar as palavras da forma mais correta que conseguisse, rezando silenciosamente para que ela aprovasse o resultado de suas aulas particulares. – Buona serata (Boa tarde)! Exclamou com um sorriso tímido, e parou um pouco, pensando nas palavras corretas que precisaria trad