— ACOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOORDA, SOLDAAAAAAAAAAADO! — foi com um grito do Imma que eu acordei de manhã.
Tapei os ouvidos e xinguei por ele ter gritado exatamente neles. Embora aquilo fosse um jogo, minha audição estava bem demais para ser obrigada a aguentar um grito daqueles.
— Já acordei — resmunguei, fazendo uma careta.
A parte de baixo da cabana onde morávamos tinha apenas diversas camas — vinte e cinco e sim, eu parei pra contar. Isso era metade da turma, então possivelmente deve haver outra cabana igual que tenha a mesma quantidade de camas, separando as equipes.
Não havia banheiros nem nada — não que eu tivesse vontade de fazer esses tipos de necessidades por aqui.
Me levantei da cama devagar e percebi que era a única que ainda dormia. Malek e Utae não estavam mais ali, o que deixou eu e Imma sozinhos. Encarei aqueles olhos azuis, da cor dos meus — e talvez até mais bonitos.
— Não tenho um dia de adaptação? — choraminguei. — Que horas são agora? Seis?
— Bom, isso eu não sei, mas o sol acabou de nascer. Deve ser por aí mesmo.
Suspirei longamente e esfreguei os olhos.
— Por que me acordou cedo?
— Vamos treinar. Se quer continuar aqui, Utae disse que pelo menos tem que saber se virar sozinha.
— Quer dizer que vou ganhar uma espada? — Eu sempre quis pegar numa espada de verdade.
— Claro que não — ele disse como se fosse uma coisa óbvia.
Revirei os olhos e ele fez um gesto pra que eu o seguisse. Então saímos do quarto pelo alçapão e finalmente eu conheci o que havia do lado de fora da cabana: neve. O local estava cheio de neve cobrindo o chão e era tanta que batia quase nos meus joelhos. A visão de tudo encoberto pelo manto branco me deixou babando. Era lindo e eu sentia que tinha poder suficiente para fazer aquilo quando quisesse também.
Imma foi até uma parte onde fiquei infeliz ao ver que não havia neve. O calor que emanava do corpo de Malek era suficiente para derreter toda neve e bastou Imma chegar para "sugar" toda a água para si, embora o calor do fogo já tenha evaporado boa parte dela.
Ah, não. Utae e Malek vão me assistir, pensei em desgosto. Ficar só com Imma seria algo menos pior e que eu conseguiria suportar. Você é uma nova garota agora, Natália. Não deve ter medo desses idiotas, aquilo me passou um pouco mais de coragem.
— Já lutou alguma vez, gracinha? — Odiava toda vez que Imma me chamava assim.
Cruzei os braços por baixo dos seios e argh! Eu sempre me esquecia que os garotos olhavam toda vez que eu fazia isso.
— Só digo se me prometer que não vai mais me chamar de "gracinha". — Fiz as aspas com os dedos. Aquilo sinceramente já estava me irritando.
Inesperadamente Imma me deu um soco no olho que me fez recuar vários passos até eu tropeçar e cair de mal jeito, fazendo uma careta. Meu olho começou a latejar e dar indícios que ia inchar logo, logo.
— Isso foi um "não" pelo jeito — o leve tom e convencimento da sua voz fez meu sangue ferver de raiva. Agora ele tinha certeza que eu não sabia lutar (pelo menos não me defender de um soco inesperado).
Me levantei do chão num pulo e o encarei com os punhos cerrados, com uma vontade de socar um daqueles olhos azuis.
— A primeira lição que você deve aprender: manter a calma. Se deixar a raiva te dominar, consequentemente seus sentidos vão ser menos apurados e isso vai te dar mais chance de perder a luta.
Estalei os dedos, um a um, na esperança de fazer alguma pressão psicológica.
— Já percebeu que cada um de nós possui um nível?
Assim que ele fala, eu finalmente reparo naquilo. Era verdade. Em cima da cabeça de cada um tinha o nível e eles eram bem mais avançados que eu. Utae nível 8, Malek 6 e Imma 5. E eu? Uma simples nível 1.
— Você sobe de nível toda vez que faz algo que demonstre habilidade.
— Mas como vocês podem ter níveis mais avançados que o meu se começamos a jogar no mesmo dia? — questionei.
— Primeiro: nem todos foram dormir no mesmo horário. Segundo: quando você entra no jogo, você tem duas opções para começar a jogar de verdade: ou você acorda na sua forma animal e acha a cabana ou alguém acha você e te leva até a cabana. Só na cabana você consegue sair da sua forma animal. Pelo menos na primeira vez.
— O que vocês fizeram pra conseguir subir de nível tão rápido?
Uma faca cravou na terra perto do meu pé.
— Nós matamos, garota — disse Malek com ar de superioridade.
Peguei a faca do chão.
— Mataram o quê? Animais? — usei meu melhor tom de deboche só pra afetar o ego dele.
— Não. — Ele se aproximou de mim e tomou a faca da minha mão. — Matamos jogadores, principalmente aqueles inúteis como você.
Se eu apenas esticasse a mão, conseguiria te enforcar num segundo e aí veríamos quem é inútil aqui, pensei com raiva.
Olhei dentro dos seus olhos e vi fogo, me chamando para um desafio. Quando dei por mim já estava com as mãos pronta pra enforcar aquele pescoço, mas ele bloqueou num segundo e no outro, a faca já estava cravada na minha coxa, fazendo jorrar sangue. Caí soltando gemido e com uma careta pela dor. Não demorou muito até ele me empurrar pro chão, fazendo-me cair de lado — tive que dar uma de ninja pra não fazer minha perna ferida encostar no chão —, segurar meus braços pra trás e colocar um pé no meu pescoço.
— Assim que nós matamos — disse por fim enquanto eu engolia terra e grama.
Será que nem num videogame eu consigo parar de ser humilhada?, pensei em desgosto.
— Malek, pode soltar ela agora — pediu Imma.
Ele soltou meus braços com ignorância e arrancou a faca com tanta força que eu posso jurar que saiu um pedaço de carne junto.
— Utae, busque umas gazes. — Percebi que Imma se ajoelhou do meu lado. — O que eu te falei, hã? — havia irritação na sua voz. — Não vai ganhar nada com um ego desse tamanho, garota. Vamos, abra os olhos.
Abri-os devagar e me deparei com o rosto de Imma, claramente pouco satisfeito com o que tinha acontecido.
— Foi ele que começou — argumentei, soltando um gemido pela dor do corte.
— Não importa quem começou. Pensei que era mais do que isso.
Mais uma lição de moral? Virou o professor Gilbert, agora?, pensei brava e quase acabei falando.
Imma agradeceu quando Utae trouxe as gazes e ele acabou usando seu poder sobre a água pra limpar meu ferimento — o que, bem, embora eu não quisesse admitir, doeu muito.
— Malek, pode dar uma ajudinha aqui?
Antes mesmo que eu tentasse entender porque precisavam do Malek, uma dor que quase me fez desmaiar, me atingiu — na verdade, acho que eu preferia ter desmaiado do que ter aguentado aquilo sozinha. Ah, claro, a famosa técnica de cauterizar o ferimento com fogo. Seria bem mais fácil se os idiotas pudessem ter usado alguma linha e agulha. Eles não sabem que posso ter uma infecção depois disso?, me vi pensando naquele momento de desespero.
De qualquer forma, nunca gritei tanto na minha vida. Demorou mais tempo que o necessário pro Malek terminar de queimar a pele obstruída porque toda vez que ele ameaçava começar, minha pele esfriava tanto que — me disseram depois — eu fiquei exatamente da cor da neve e com os lábios bem azulados — quase acharam que era nesses momentos que eu morria.
Por fim, Imma colocou a gaze por cima do ferimento, amarrando-o e me fazendo gemer de dor. Ele e Utae me ajudaram a ficar de pé e a cada passo eu quase gritava de tão insuportável que aquilo era.
Mal vi o caminho por onde passei pra chegar no quarto, só sabia que havia chegado e que foi um alívio pra mim finalmente descansar a perna machucada. Os dois deixaram o quarto, mas embora o ferimento ainda latejasse, não me impediu de ouvir a conversa do outro lado da porta:
— Seu orgulhoso filho da *******! — era a voz do Imma. Opa, o jogo tinha censura contra xingamentos? Tudo o que saiu na última palavra foi um biiiiip. — Por sua culpa, agora temos uma jogadora ferida. E se formos atacados, Malek?
— Ela morre — respondeu casualmente.
— Você prefere perder alguém que poderia nos ajudar só por causa desse seu ego do **********. — Tudo bem, Imma estava realmente bravo. — Não to nem aí se você é fogo e ela gelo. O que interessa é o prêmio que vamos receber depois e se perdermos por sua causa, garanto que vou encher essa sua cara de porrada na formatura!
— Imma, não bata nele. E Malek, ele tem razão. Estamos aqui pra ganhar e não pra entrar em conflito com a nossa equipe. Precisamos de toda ajuda possível, mesmo que feminina.
Ouvi uma porta bater forte — provavelmente a do alçapão e posso apostar que foi Malek. Em seguida alguém soltou um suspiro.
— De acordo com as histórias, Héstia não era uma deusa super altruísta que até cedeu seu lugar no Monte Olimpo para Dionísio? — questionou Utae.
— Bem, aquilo são apenas histórias, acho que as coisas são diferentes aqui no jogo.
— Quer saber minha opinião de verdade? Acho que é muita falta de ******** do Malek.
Os dois soltaram uma gargalhada e eu corei assim que entendi o que queriam dizer, agradecendo pelo jogo ter censuras contra besteiras dessas sendo ditas por aí.
Se esse jogo era pra ser algo divertido e cheio de aventura, bom, acho que comecei é com o pé esquerdo porque nos próximos dias, não vou passar de uma inválida na cama. Eu vou me vingar de você, Malek, foi meu último pensamento antes de eu fazer a única coisa que me restava: dormir.
O som de algo raspando no que parecia madeira, me acordou. Abri os olhos devagar, incomodada com o barulho e quando vejo quem era que estava fazendo aquilo, volto a fechar os olhos.— Eu sei que você tá acordada — disse Malek.
A neve que me cercava, enchia meu pulmão e meu coração de alegria. Estava livre enfim daqueles idiotas ingratos e machistas. Agora poderia finalmente encontrar aquilo que procurava: uma equipe que realmente soubesse trabalhar como tal e que de preferência houvesse mulheres.Teve um momento em que apenas ajoelhei no chão gelado e deitei, adorando sentir aquele gelo contra a pele. Meu corpo vibrou e uma fina camada de gelo cobriu minha pele em resposta. Estava me
Os dias se seguiam e não tínhamos nenhuma notícia de Utae. Ele realmente tinha desaparecido e não fazíamos ideia pra onde sequer ele tinha ido. A única pessoa que podia nos guiar era Imma, mas ele insistia em esperar a nevasca passar pra poder irmos. O problema é que a nevascanuncapassava — ela começara poucas horas depois de Malek ter curado Kameel.Era manhã e eu estava sen
Depois de uns três dias, eu não me aguentava de tanta fome que sentia — não que a gente não recebia comida, nem nada. É só que a gente recebia comida prasobreviver, o que não era um hábito tão comum assim pra mim.Eu e Imma tentávamos planejar alguma coisa, mas sempre ficávamos receosos por achar que alguém pudesse ouvir nossos planos.
No fim, Utae acabou aceitando nosso mais novo integrante na nossa equipe. O nome dele era Xander, filho de Hades — foi aí que eu entendi porque sentia tanto medo dele aquele dia. Ele era um nível 4 — ou seja, também mais avançado que eu.Mesmo depois de dias, as palavras de Utae ainda ecoavam em meus ouvidos:você é inteligente. Bem-vinda oficialmente ao grupo.Ele estava orgulhoso de mim e eu
Fiquei paralisada, sem conseguir pensar em qualquer outra reação. As Fúrias eram bonitas, mas as asas e presas de morcego, tiravam toda a beleza delas. Todas tinham cabelos negros e olhos negros, pareciam trigêmeas. Existia apenas duas diferenças entre as três: a tonalidade da cor da asa e a armadura que cobria todo o tronco — e mais uma vez as pernas de um personagem feminino estavam de fora, sendo cobertas apenas por uma bota de metal, muito parecida com a minha.
De uns dias pra cá, comecei a entender que as coisas ruins só acontecem durante a noite. Pelo menos o jogo estava nos dando alguns dias de folga dos monstros porque pelo que aconteceu alguns dias atrás, eu ainda tinha horríveis pesadelos sobre as Fúrias.Kameel nesses dias havia virado um amorzinho comigo, sendo o mais gentil de todos os garotos — ou eu sou uma idiota e estou imaginando isso já que ele meio que ainda cuidava de mim desde do que aco
Nós três nos entreolhamos, sem saber o que fazer com a garota desmaiada à nossa frente. A essa hora eu e Imma já havíamos levantado e estávamos olhando pra garota inconsciente junto de Utae.Fui a primeira a fazer alguma coisa, me abaixando e colocando a mão no braço dela pra conferir a temperatura. Estava bem gelada e só chegando bem perto consegui ver o quanto estava pálida já que Malek havia levado nossa única fonte de luz que era a lareira.<