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Capítulo 5 - O desaparecimento de Utae e... CORRE!

A neve que me cercava, enchia meu pulmão e meu coração de alegria. Estava livre enfim daqueles idiotas ingratos e machistas. Agora poderia finalmente encontrar aquilo que procurava: uma equipe que realmente soubesse trabalhar como tal e que de preferência houvesse mulheres.

Teve um momento em que apenas ajoelhei no chão gelado e deitei, adorando sentir aquele gelo contra a pele. Meu corpo vibrou e uma fina camada de gelo cobriu minha pele em resposta. Estava me sentindo em casa e mais relaxada do que nunca.

— Utae! — a voz do Imma ao longe estragou meus pensamentos felizes. — Utae, cara, responde! Onde você tá?

— É meio irônico perguntar pra uma pessoa desaparecida onde ela está — me vi respondendo baixinho.

Ignorei a voz dele e continuei deitada na neve, querendo ficar ali para sempre. Então os passos do Immacolato ficaram cada vez mais altos e fundos por causa da neve e por instinto a neve me cobriu por completo como um casulo e logo eu fazia parte da mesma.

Teria ficado ali de boa se o retardado não tivesse pisado bem na minha cara.

— Ai! — me vi gritando e meu esconderijo foi desfeito.

Imma deu um grito pelo susto — o que foi engraçado já que saiu fino como o de uma garota.

— Como...? O que está fazendo aqui? E cadê o Malek? — questionou ele exasperado.

Fiz uma carranca e me mantive deitada na neve.

— Eu estou em paz, coisa que nunca consegui com vocês três me perturbando. Malek deve estar na cabana. Ele estava dormindo quando fugi.

A neve estava me cobrindo novamente quando Imma deu um puxão no meu braço, forçando-me levantar. Fiz uma careta por causa da força que ele usou.

— Você não tinha permissão pra fugir.

— E desde quando eu preciso de permissão pra fazer alguma coisa? — rosnei. — Só porque sou mulher, não quer dizer que sou submissa a vocês três, cara...mba! — a última palavra saiu de mal jeito porque na verdade eu iria xingar.

Ele suspirou longamente.

— Tudo bem, Kary. — Imma pôs as mãos no meu ombro e me encarou, abaixando um pouco pra ficar do meu tamanho (droga, o jogo me deu tudo, menos a porcaria da altura). — Não vou me estressar com você agora. Só quero achar o Utae

Me desvencilhei das suas mãos.

— O que houve com ele?

— Sumiu enquanto caçávamos. Temo que alguns monstros da natureza tenham feito dele seu jantar nessa noite.

— Monstros da natureza? — perguntei arqueando uma sobrancelha. — Lobos? Ursos? Leões?

— Não. — Ele balançou a cabeça. — Monstros mitológicos. Medusa, hã... Esse povo aí da mitologia grega — disse, fazendo um gesto como se os nomes não fossem importantes.

— Você viu quando o pegaram? Procurou os rastros? Você tem alguma coisa?

Imma negou com a cabeça e eu bufei. Ele era mesmo um burro.

— Então boa sorte pra achá-lo por aí.

Logo a neve começou a subir pelos meus pés e estava na minha cintura quando Imma disse:

— Vai mesmo se esconder enquanto um membro da nossa equipe vira jantar?

— Primeiramente: desde quando sou da equipe de vocês? Me tratam como lixo e são um bando de machistas. Segundo: o Utae é tão importante pra mim quanto um monte de estrume.

Ele transformou a neve em água ao segurar meus ombros novamente, me encarando:

— Como quer ganhar se você nem está se esforçando pra isso? E tem mais, garota: eu nunca te tratei como lixo. Utae e Malek até podem ter feito isso, mas eu não.

— Certeza? — Cerrei um dos punhos. — Porque eu simplesmente não suporto ouvir você me chamando de "gatinha" na frente deles só pra se sentir o "macho alfa" da casa. Você lembra o que eu pedi desde o começo? Eu só quero ser tratada com respeito... Imma.

Um rugido estridente atrapalhou nossa conversa. Era algo como um leão e pela altura do rugido, não parecia ser um leão pequeno ou normal.

— Ficar no meio da floresta durante a noite nunca é uma boa opção — ouvi ele sussurrar pra mim. — Vamos achar Utae e dar o fora daqui.

— Sinceramente falando, eu preferia só dar o fora daqui.

Barulhos de árvore caindo foram o suficiente para fazer meu alerta interno ligar.

— Acho que você tem... RAZÃOOOOOOOOOOOOOO! — a última palavra dele foi prolongada porque nesse exato instante um leão gigante surgiu bem na nossa frente.

Então corremos desesperadamente pela floresta, completamente sem rumo. A adrenalina invadiu meu sangue e foi direto pra minhas pernas, me dando energia suficiente para correr, tentando fugir daquele monstro.

— Existe um leão gigante na mitologia grega? — questionou Imma enquanto corria ao meu lado.

— Aham. O nome dele é Leão de Nemeia.

— Como enfrentamos essa coisa? — perguntou ele em desespero.

A criatura não vinha correndo tanto assim atrás da gente, mas a cada passo seu, umas dez árvores caiam junto, fazendo um estrondo danado e me aterrorizando cada vez mais.

— Nas histórias, ele não pode ser morto por um homem normal e nem por amas comuns.

— ENTÃO COMO MATAMOS ESSA COISA?

— EU NÃO SEI!

E continuamos a correr. Minhas pernas começaram a latejar porque a adrenalina já não era o suficiente pra me manter de pé e logo veio a ideia de acabar desistindo.

Então pouco mais a frente, avistei uma coisa que embrulhou meu estômago: um garoto caído e sua perna afastada de seu corpo. Parei assim que cheguei perto o suficiente e quando olhei pra trás, a fera de Nemeia não estava mais atrás da gente.

— Pra onde foi... aquilo? — questionou Imma assim que se permitiu parar de correr.

Ele levou um tempo pra se recuperar e reparar no garoto caído com a perna arrancada.

— Não sei, Imma, mas esse não é nosso maior problema agora — digo me ajoelhando ao lado do corpo do garoto.

Tinha cabelos louros bem vívidos, me lembrando o próprio sol — sabe, daqueles bem amarelinhos que você já deve ter pintado alguma vez quando criança.

— Quem é? — perguntou, se ajoelhando ao meu lado.

Então os olhos do garoto se abriram e meu coração quase saltou pela boca.

— Kameel — a voz do garoto saiu bem rouca. — Filho de Apolo... Eu preciso de ajuda — disse de repente desesperado e naquele instante percebi o quanto estava pálido.

Havia um colar em formato de sol preso em seu pescoço e aquilo me passou a sensação de que devia confiar e ajudar ele. Olhei pra perna decepada e aquilo me deu náuseas novamente. Se ele fosse entrar pra nossa "equipe", nunca poderia lutar sem uma perna porque mal conseguiria correr sozinho.

Lancei um olhar pra Imma, numa pergunta silenciosa do que deveríamos fazer.

— Vamos ajudá-lo — ele disse por fim.

Eu assenti ao ver ele pegar o tal Kameel no colo.

— Pra que lado é a cabana? — perguntei.

— Acho que se seguirmos o rastro do leão gigante conseguimos achar o caminho de volta.

E não é que o filhinho de Poseidon sabe pelo menos ter uma ideia sozinho?, pensei em ironia.

Acabei concordando e assim que começamos a andar, consegui a voz rouca do Kameel:

— Minha perna!

Arqueei uma sobrancelha.

— É... — digo sem jeito. — Ela foi arrancada. Sinto muito.

— NÃO! Eu quero minha perna!

— Mas não arrancaram...?

— Traz ela pra mim, garota.

Fiquei parada por um momento. Argh! Sério mesmo que vou ser obrigada a pegar uma perna decepada?, me vi protestando e quase verbalizando o pensamento, entretanto engoli em seco antes de pegar a perna jogada na neve que já estava dura e pesada.

Desviei o olhar da carne avermelhada dentro da perna, tentando ignorar aquela visão que eu vomitaria se visse mais uma vez.

— O que foi que aconteceu? — questionou Imma depois de termos andado um bom tempo.

— Leão de Nemeia. Ele arrancou minha perna faz umas duas horas, só que ninguém veio me ajudar.

— Mas nas histórias ele não devorava pessoas? — argumentei.

— E eu ia ser devorado se não fosse minha sorte. Alguma coisa fez ele hesitar e ir embora.

— Como aconteceu com a gente — refletiu Imma.

— Isso é algo para poder pensarmos mais tarde — digo porque seria exatamente o que eu faria assim que chegasse na cabana.

Então continuamos o caminho e não consegui deixar de pensar no que quer que tivesse acontecendo com Utae naquele instante. Me vi até desejando que ele não tivesse morrido. Estou me apegando a eles. Nesse exato momento eu deveria estar sendo livre junto com a minha neve, protestei mentalmente.

Ao chegarmos na nossa cabana, o céu ainda não dava sinais de que iria amanhecer, o que era bom e ruim. Ruim porque Utae estava preso sabe-se lá onde e bom porque indicava que o caminho que percorremos não era assim tão longe.

Imma colocou Kameel no chão da "sala" e ele gemeu e pediu sua perna.

— Curandeiro... Tem algum curandeiro aqui...? — sua voz novamente saiu rouca. — Amarrem minha perna em mim de novo...

Mordi o lábio inferior e entreguei a perna pro Imma, nervosamente. Pedi com o olhar algo como "faça alguma coisa!" e ele me respondeu da mesma forma "o que eu posso fazer?!"

— Chama o Malek — sugeriu ele. — Talvez ele tenha alguma ideia.

Corri — bastante à contragosto — para os quartos que ficavam no porão da cabana e chamei Malek de maneira exasperada, empurrando-o pra fora da cama e sem dar chance pra ele conseguir voltar a dormir.

As respostas "lindas" que ele deu pra mim foi uma onda de xingamentos.

Pelo menos consegui arrastar ele até lá em cima, me parabenizei mentalmente por aquilo ter sido quase impossível e logo chegamos até o nosso paciente sem a perna.

— O que diabos você fez com sua perna? — perguntou Malek, como se achasse aquilo uma burrice.

— Leão... Leão de Nemeia. — Fez uma careta. Deveria estar sentindo dor. — Amarra... minha perna. Gaze. Você é o curandeiro?

— Não — Malek respondeu calmamente. — Mas pelo jeito vou ter que ser agora. Imma, busque a gaze pra mim.

Ele se foi e eu me sentei no chão para observar o que Malek iria fazer naquela situação. Rapidamente Imma retornou com a gaze e entregou ao nosso mais novo curandeiro. Malek pegou a perna decapitada e apertou no toco que ia até o joelho de Kameel. Então enrolou a gaze, unindo ambos. O paciente gemeu e fez caretas enquanto Malek fazia todo o procedimento.

— Kary, faça alguma coisa de útil e tire o frio da perna dele — a voz autoritária dele me fez cerrar os punhos e quase a negar, mas então me lembrei de que uma vida estava em jogo e acabei fazendo o que ele me pedira, embora de mal jeito já que nunca tinha feito aquilo.

Malek juntou as mãos, ajoelhando ao lado do paciente e logo as mesmas começaram a ter à sua volta um fogo alaranjado e avermelhado. Ele fechou os olhos e o ouvi murmurar baixinho:

— Mãe Héstia, deusa das famílias e lares. Fogo que acalma os corações daqueles que a servem, oh, Mãe do fogo, ajuda-me e tenha piedade da alma daquele que não teve culpa do que aconteceste com sua perna. Ouça minha prece e cure-o. És deusa de misericórdia e altruísmo. Sabe a dor de uma família ao perder um dos seus, então não me deixe perder um dos meus.

A cada palavra, o fogo nas suas mãos ia ficando mais intenso até que ele tocou na gaze e sem queimá-la, o fogo passou pela mesma e penetrou-a, dando um brilho forte por alguns segundos e logo em seguida se cessou.

Bem devagar, Malek foi retirando a gaze, revelando uma perna totalmente curada — tirando a cicatriz horrenda que circundava exatamente onde a perna havia se partido.

Kameel tentou ficar em pé e mesmo mancando um pouco — talvez por ainda estar se acostumando à perna de novo —, conseguiu ficar de pé e num ato inesperado, abraçou Malek.

— Você não é um curandeiro e sim um milagreiro. Obrigado, cara — disse, numa expressão realmente agradecida.

— De nada — Malek se limitou a um meio-sorriso e dirigiu seu olhar pra Imma. — Onde está Utae?

— Desapareceu.

Eu queria rir da cara assustada de Malek, mas ouvir aquilo na voz de Imma como se tivesse acontecido algo terrível — e pelos céus, espero que não tenha — deixou o clima muito mais sombrio.

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