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Capítulo 4 - O sabor da liberdade

O som de algo raspando no que parecia madeira, me acordou. Abri os olhos devagar, incomodada com o barulho e quando vejo quem era que estava fazendo aquilo, volto a fechar os olhos.

— Eu sei que você tá acordada — disse Malek.

Ele estava raspando sua adaga na madeira da parede, parecendo distraído.

— Por que você tá aqui? — questionei, esfregando os olhos.

— Vou treinar você hoje.

QUÊ?!?!?!?!, foi meu primeiro pensamento e quase gritei de verdade.

— Cadê o Imma? Utae? Os dois bem melhores pra me treinar do que você!

Vi um sorriso irônico no seu rosto.

— Jura? Que pena, porque os dois saíram pra caçar e dessa vez você não tem desculpa pra não treinar. Sua perna já melhorou.

E era verdade. Não usava ataduras ou a gaze tinha alguns dias e tudo o que sobrou daquele corte foi uma cicatriz horrenda e rosada. Tudo por causa do seu maldito fogo, seu burro, pensei meio com raiva. Pelo menos eu não tinha pegado uma infecção graças aos "gênios" que decidiram cauterizar meu antigo ferimento.

— Tá bom então. — Levantei, fingindo me apoiar na perna já sarada.

Passamos pelo alçapão — que fechou na minha cara quando eu estava subindo (ele disse que foi acidente. Ai, ai, olha minha cara de quem acreditou) — e por fim saímos na doce neve do lado de fora.

Foi aí que ele derreteu a neve ao nosso redor — estávamos na parte de trás da cabana de madeira. Só que eu odiei aquilo, então coloquei a neve de novo. Ele derreteu. Eu pus mais uma vez. Ele derreteu. Coloquei. Tirou. Coloquei. Tirou. Coloquei. Tirou. Coloquei.

Nessa "discussão" toda, seus cabelos fizeram aquilo de novo. Acenderam nas cores vermelho, laranja e amarelo, serpenteando por todos os seus fios. E eu devo ter feito algo parecido porque senti a temperatura corporal baixar.

Ele atacou tão rápido no segundo seguinte que quase não consegui perceber. Aquela foi a primeira vez que nos tocamos com poderes e céus, como ele era quente — não no bom sentido, claro.

Malek havia me atacado com fogo e numa defesa instantânea, cruzei os braços na frente do rosto e, por sorte, um escudo fino, quase invisível de neve, me protegeu do seu ataque.

O chão estava divido. Aos seus pés a terra estava seca, quase queimada e no meu possuía neve debaixo das minhas botas de metal. Nossos olhares se cruzaram, ambos chamando um ao outro em desafio.

No instante que eu decidi atacá-lo com um soco, chamas circularam todo o seu corpo como um escudo que, milésimos depois, descobri que dava para atravessá-lo — e não, isso não era uma coisa boa. Senti uma dor de imediato na mão e quando a puxei de volta, estava com a pele derretida, rosada e latejava — oh, céus, como latejava.

Soltei um grito por instinto e pressionei os olhos, soltando tantos xingamentos que perdi a conta depois de uns quinze. Sua risada foi o que me tirou realmente do sério, só que estava sentindo tanta dor que dessa vez acabei deixando passar.

Resfriei minha mão queimada, só que isso não chegou a ser lá uma boa ajuda. Saiu algumas fumaças e a pele levemente pareceu dar uma melhorada, entretanto, continuo feia e vermelha, começando a aparecer algumas bolhas.

— Se meta com alguém do seu nível da próxima vez — respondeu ele com ignorância e a última coisa que vi foi ele indo embora antes de eu acabar caindo de joelhos na neve.

O local onde a neve tinha derretido por causa do seu calor, começou a reaparecer — talvez por causa da minha presença —, só que isso não melhorou meu humor, nem vendo a visão da floresta congelada que antes tinha sido uma visão encantadora.

Entrei na cabana e desviei o olhar quando o vi sentado em frente a lareira, brincando com suas chamas entre os restos de madeira que havia sobrado da noite anterior. Caminhei até o alçapão e desci para os quartos onde sabia que encontraria alguma gaze ou qualquer outra coisa para enrolar na pele frágil.

Assim que entrei no quarto lotado de camas, achei a gaze em cima da minha cama e enrolei-a até o pulso, amarrando-a não muito forte para evitar que doesse ainda mais. Então deitei na cama e fechei os olhos, querendo que Imma e Utae chegassem logo. Não queria ficar nem mais um segundo perto do Malek.

Ah, droga, estava começando a sentir medo dele.

Fogo e gelo não se combinam. Isso é normal, Nath, mas eu estava começando a achar que quem estava ganhando dessa vez era o fogo.

A noite já tinha caído havia muito tempo quando eu acordei. E lá estava Malek, dormindo numa das camas — como sempre dormindo bem afastado de mim. O que havia de luz no local eram os cabelos de Malek que ameaçavam pegar fogo a qualquer momento, só que isso nunca acontecia — já tinha visto ele dormir antes e realmente dava muita agonia de observar, ainda mais que minha mãe é Quione.

Só que havia um problema: Imma e Utae não estavam por lá.

Me levantei da cama devagar e na ponta dos pés fui até o alçapão, pressionando o máximo dos olhos pra conseguir enxergar só com o brilho dos cabelos de Malek.

Cheguei na tal "sala" e tudo que restava da lareira era uma brasa tão fraca que era impossível imaginar que aquilo ali pudesse causar algum mal às madeiras que a cercava.

Não havia nenhum sinal sequer dos dois e aquilo fez um frio percorrer minha espinha. Nem morta quero ficar sozinha numa cabana com Malek, filho do fogo. Isso seria pedir pra morrer, me vi pensando e eu realmente tinha razão.

Minha mão direita por baixo da gaze ainda latejava levemente de dor, mas isso não impediu de me fazer abrir a porta de entrada. Estava muito escuro do lado de fora e tudo que iluminava a floresta à minha frente era a luz da lua que não era lá uma coisa muito útil.

Peguei uma lamparina e eu ia tentar acender, entretanto, não havia fósforo algum — claro, o fogo aqui é o Malek. Fiquei tentada naquele instante em chamá-lo pra me ajudar.

E por incrível que pareça, foi isso que eu fiz.

Lá estava eu mais uma vez nos quartos e mordi o lábio inferior antes de cutucá-lo, na esperança de conseguir acordá-lo. Quando finalmente consegui, fui recebida por um xingamento que me fez revirar os olhos.

— Que foi? Que diabo de motivo você teve pra me acordar?

— Imma e Utae ainda não voltaram.

— E...? — ele me incitou a continuar como se o que eu tivesse dito anteriormente não fosse importante.

— E precisamos ir atrás deles — respondi com ignorância.

Sua gargalhada me tirou do sério.

— Malek isso é sério! — gritei, me atrevendo a segurar seu braço que era coberto pelas peles do gibão.

Onde eu toquei, começou a esquentar tanto que me obriguei a soltar antes que ele queimasse ainda mais minha mão direita.

— Eu to pouco me ******** pra isso, tá legal? Eles vão voltar e se acha que uma noob de nível 1 consegue salvá-los, está muito enganada.

Cerrei os punhos e fiquei tentada a socar aqueles belos olhos vermelhos incandescentes, mas me limitei a mostrar-lhe o dedo do meio antes de desistir.

— Quer saber, que se... dane você.

Então fui embora, voltando rapidamente para a porta de entrada e bem decidida primeiramente a salvar Imma e Utae pra esfregar na cara do Malek, mas depois acabei pensando: pra que salvar aqueles idiotas que me odeiam se agora finalmente posso ser livre? Sorri com o pensamento e saí da cabana, com aquela sensação de liberdade correndo nas veias.

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