2. A Ideia

Quando entrei no escritório eu parecia um furacão. Estava com muita raiva da última novidade que meu avô me aprontou. Não dei a mínima para minha secretária, Bianca Santana. Ela se assustou e derrubou alguns papéis no chão. Me deu até vontade de gritar com ela.

Criatura desastrada, vive derrubando tudo”.

_ Senhor Mendez – ela disse em tom baixo _ Não o esperava aqui no escritório.

_ E eu estaria onde? – fui ríspido, cruzei os braços _ Se o escritório é meu, posso vir aqui quando me der vontade. Ou eu tenho que lhe pedir permissão agora?

_ S-Sim... Eu quis dizer agora – começou a juntar os papéis _ O senhor tinha saído para almoçar. Pensei que voltaria mais tarde, como sempre.

_ Perdi a fome – puxei minha cadeira fazendo braulho _ O que faz aqui na minha sala?

_ Trouxe uns documentos para que o senhor leia e assine – deixou tudo na mesa.

_ Saia, saia... – abanei a mão e ela se virou rápido para sair.

Essa garota me irrita desde sempre. Às vezes me dá vontade de perguntar se ela usa o cérebro para algo mais, além dos documentos que lê aqui no escritório. 

Minha cabeça estava fervilhando. Minha raiva estava me consumindo, junto com minha decepção pelo que meu avô tinha feito. Eu tenho certeza de que pensou muito nisso antes de deixar essa imposição para mim. Ele fez de propósito.

Sabia bem o quanto aquela propriedade era querida, o quanto eu a queria, minhas recordações e tudo mais. Foi o modo dele me forçar a ter uma vida regrada, com família.

Como se eu quisesse isso.

De que me serve uma família? Nunca serviu antes, não iria servir agora.

Meus pais eram agoístas, só pensavam no que eles queriam e nunca me deram atenção e amor como eu precisava quando era pequeno. Eu não sei o que é ter uma família.

Só conseguia pensar no testamento e em como conseguir o que era meu de direito. Se a minha avó estivesse viva seria muito mais fácil. Ela me ajudaria a receber o castelo e passar por cima dessa cláusula ridícula. Me ajudaria a quebrar essa imposição, com certeza.

Acho que a única pessoa que me deu amor de verdade, foi minha avó. Hank me amava, eu sei, mas ele tinha imposições nesse amor. Eu tinha que ser do jeito que ele achava certo.

Como eu poderia me casar, se as mulheres com quem eu me relacionava eram quase uma versão feminina de mim mesmo? Nunca daria certo, nem mesmo por pouco tempo.

Eram inteligentes, ao menos algumas eram. Mas o que eu gostava e queria era um corpo bonito e quente que me desse prazer durante um tempo, até que eu me cansasse delas.

Só que nenhuma delas eu iria querer me casar e menos ainda passar o resto da minha vida ao seu lado. Muitas vezes eu não chegava há dois meses com a mesma mulher.

A secretária voltou e bateu de leve. Quase a mandei á merda.

_ Entre, senhorita Santa – eu a chamava assim porque mesmo sendo ríspido e irônico, ela nunca reclamava de nada _ O que é agora?

_ O Sr. Marcelo está aguardando na sala de reunião.

_ Por que não trouxe o meu café?

_ O senhor não me pediu – respondeu tímida.

_ E eu sempre tenho que pedir? Não sabe que gosto de meu café aqui, quando chego da rua? – fui seco.

_ É que o senhor saiu para almoçar, pensei que...

_ Não pense – cortei sua frase _ Você não é boa nisso. Faça só o que eu te mando e já está ótimo. Isso mantém seu emprego. Por enquanto - disse de propósito.

Vi seus olhos se arregalarem. Ela abaixou a cabeça. Eu sempre era seco com ela e na verdade não sabia bem o porquê.

_ Quer que eu traga o café agora?

_ Não – apertei os lábios _ Vou para a reunião agora, de que me vale? Vou engolir de uma vez?

_ Desculpe, eu trarei na próxima vez.

_ Ah, vá! – abanei a mão _ Saia e procure o que fazer. Não quero olhar pra você.

Vi que ela ficou vermelha como uma pimenta ao se retirar.

A culpa era dela por eu tratá-la dessa forma. Era certinha demais. Chegava a enjoar. Eu já tive muitas secretárias antes dela e todas desistiram do emprego por não me aguentarem. Ela já é o contrário. Me escuta, abaixa a cabeça e não diz nada, apenas se retira.

Uma lerda sem amor-próprio. Vive levando pancada e nunca responde.

Saí do escritório ainda irritado, mas tinha uma reunião.

*******

Depois de quase duas horas voltei á minha sala e peguei Alexandre de papo, na calma com minha assistente. Os dois me olharam e a senhorita santa ficou mais vermelha, mas Alexandre não deu à mínima.

_ Aí está você – apertou a mão de Bianca _ Falamos depois, ok?

_ Claro – ela sorriu.

_ Vai entrar ou vai perder tempo aqui? – olhei feio para eles, abri a porta e entrei.

_ Não é perder tempo conversar com uma garota como ela. Deveria ser menos grosseiro com Bianca - ele fez cara séria _ Ela é muito inteligente, sabia?

_ Desde quando a chama de Bianca? – sentei.

_ Desde sempre, é o nome dela.

_ Tá... E o que veio fazer aqui? Já não falamos mais cedo?

_ Liguei e você não atendeu. Resolvi vir pessoalmente, estava por perto – sentou na cadeira em frente _ Eu consegui quatro dias de folga para você.

_ Rápido assim?

_ Álvaro viaja amanhã e só volta na sexta á noite, então eu pedi a ele que aguardasse para receber Diogo. Ele entendeu que na verdade você tem mais direito e interesse do que seu primo. Achou por bem lhe dar a chance de procurar por ele.

_ Ainda bem - suspirei um pouco aliviado.

Nesse momento Bianca bateu e entrou, um pouco sem jeito ainda.

_ Vai querer seu café agora, Alexandre?

_ Ah, sim. Obrigado.

_ E o senhor vai querer?

_ Não. Quero que saia. Está me atrapalhando.

Alexandre olhou de cara feia para mim quando ela fechou a porta.

_ Qual o seu problema? Por que a trata tão mal? Ela é uma garota ótima, muito gentil e educada. Faz o serviço dela corretamente - balançou a cabeça _ Uma das melhores secretárias que você já teve.

Nem eu sabia que tratava tão mal como ele disse”

_ A mulher é um saco de pancadas, leva de todo mundo e nunca se impõe. Acho isso uma fraqueza. Parece uma lesma.

_ Que eu saiba, você é o único que a trata mal aqui.

_ E você a está defendendo muito. Não tem noiva?

_ Tenho, mas isso não tem nada a ver. E minha noiva a conhece e gosta dela - torceu a boca _ Mude seu jeito, Adriano. É esnobe demais e arrogante. Não está vendo o que pode perder sendo assim. Pare um pouco e analise.

_ Como assim? – franzi a testa, curioso. Quando ele ia falar, ela retornou.

_ Aqui está – ela entregou a xícara a Alexandre e saiu.

_ Você a deixa nervosa - apontou _ Não precisa olhar para ela assim e nem reclamar de tudo o que faz, mesmo quando está tudo certo e só você não reconhece isso.

_ Ela é muito boba. Não tenho paciência com gente lerda e boazinha demais, me parece ser fingimento - soltei o ar de modo forte, irritado.

_ É uma garota bonita, inteligente e educada. Não está fingindo nada.

_ Se você gosta desse tipo – dei de ombro _ Pelo menos é boa no trabalho. Como conseguiu mais tempo?

_ Dei a entender que você tem uma pessoa na sua vida que cabe com a cláusula que seu avô deixou. Fiz parecer que estão juntos há um tempo.

_ Não tenho ninguém, Alexandre – balancei a cabeça.

_ Mas ele não sabe disso, sabe? Agora consiga alguém. E rápido.

_ E o que sugere? Como vou achar alguém tão rápido assim? - gesticulei.

_ Não posso lhe dizer tudo, Adriano – mexeu as mãos _ Só estou lhe ajudando porque nos conhecemos há bastante tempo. Ache uma mulher que seja o oposto de todas as que você já teve antes e que seja logo. Não posso fazer mágica, sou advogado.

Andei por meu escritório devagar, pensando em como isso seria possível.

_ Quanto tempo depois eu receberei a propriedade?

_ Isso depende. Como é de outro país tem algumas regras a serem seguidas, mas não deve levar mais do que seis meses.

_ E quanto tempo devo ficar casado? – a ideia me dava agonia, até coceira.

_ Bem, para seu primo não contestar a veracidade, o ideal é que ficasse casado com a mulher por um ano ou um pouco mais.

_ Merda! Um ano casado - ergui os braços.

_ Casamento não é tão ruim como pensa.

_ Sei – dei risada _ Mas você não é casado.

_ Ainda não, seu tonto, mas serei em pouco tempo. E não vejo a hora. Quero ter minha família, meus filhos. Um homem precisa ter alguém também, dividir a vida é bom.

Alexandre levantou e deixou a xícara na mesa.

_ Sua atitude vai fazer com que perca o que tanto quer. Preste atenção ao que está ao seu redor e seja menos babaca. Você não está em uma posição fácil. Olhe em volta, Adriano.

_ Não entendi - franzi a testa.

_ Bianca é a pessoa certa para o papel. Acha que Diogo vai desistir e deixar pra lá? – apontou para a porta _ Ela é a solução e é solteira.

_ Com certeza – ri maldoso _ A senhorita santa não tem atrativos para isso.

_ Não seja ridículo. Pare de falar asneiras com essa boca grande - pegou a pasta _ Me ligue depois que se acordar.

Quando ele saiu deixou a porta aberta e eu fui até lá. Os dois estavam conversando e vi que minha secretária sempre quieta e fechada estava rindo, relaxada com Alexandre.

“Então, o problema era mesmo comigo?”

Fechei a porta e fiquei encucado com o que ele tinha sugerido. Era algo para se pensar muito.

“Uma loucura total”.

Ia ser uma merda ter me que casar para conseguir o que eu queria, mas seria bem pior ficar sem. Estava preso em uma armadilha. E por culpa do exagero do meu avô.

“Me fodi completamente”.

Tudo o que conseguia pensar era que eu estava em um grande problema e que a solução era ruim, senão pior até do que o problema. Eu estava entre a cruz e espada.

Mas tinha uma solução, pelo menos. Só me restava a coragem para realizar.

Teria que analisar a questão da senhorita santa como Alexandre me dissera. Ele tinha falado sério, estava me indicando que a usasse nesse plano. 

"Inferno... Ter que pedir ajuda era ruim, ter que pedir para a mosca morta era ainda pior. Inferno mil vezes".

Me virei para olhar a paisagem lá fora. O mundo continuava a girar sem se importar com meu problema. Cruzei os braços e mordi o lábio. Eu odeio precisar de alguém. Encostei a cabeça no vidro frio, vendo os carros passando lá embaixo.

Eu tinha que me decidir.

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