Bianca...
Acho que paralisei. Não consigo entender o que ele disse. Meus ouvidos estão com um zumbido estranho, parece aquela música de filme de terror. Talvez eu fosse mesmo um pouco lenta como ele sempre me dizia.
Acho que abri e fechei a boca várias vezes sem emitir som porque ele me olhava impaciente.
_ Entende o que digo? – arqueou a sobrancelha.
_ Não – balancei a cabeça. Desci da cadeira o encarando _ Acho que o senhor está brincando comigo e não gostei da brincadeira.
_ Não sou homem de brincadeiras. Não desse tipo.
_ Então, ficou doido de vez – me virei para sair e puxei minha bolsa que deixara na cadeira ao lado _ É maldade sua me fazer vir na sua casa, á noite, para rir de mim – fiquei muito sentida por isso _ Eu moro longe, tive que vir de outro compromisso para cá e me faz uma dessa?
_ Bianca, não é isso – ele levantou.
_ Só pode ser – engoli a vontade de chorar. Já me sentia deprimida por causa de Emília e ele me fazia isso _ Desde quando me chama de Bianca? E aquela ligação esquisita de mais cedo? – cruzei os braços _ Acha pouco ser grosso comigo no trabalho e quer me torturar aqui fora também? – tremi _ O que é, você tem prazer em rir de mim?
_ Pode me ouvir até o final antes de julgar minha proposta?
_ Isso é uma piada. E de muito mau gosto.
Fui em direção da porta e o ouvi atrás de mim. Meu coração batia acelerado. Senti sua mão em meu braço e me virei.
_ Por favor?
Acho que foi a primeira vez que o ouvi dizer essa frase. Parei só por causa disso.
_ Eu juro, que se isso for alguma nova maldade sua contra mim, dessa vez não vou deixar pra lá. Não vou mesmo - bati o pé _Sou capaz de processar você por isso.
Fechei a cara para ele entender que falo sério.
_ Sente-se aqui – apontou o sofá.
Estava com medo que ele estivesse fazendo alguma pegadinha e me sentei na ponta do sofá. Se fosse preciso sairia correndo dali.
_ Vou resumir e caso queira me ajudar, o que vai ser algo que serei grato, pode me perguntar e responderei – eu assenti _ Meu avô faleceu há pouco tempo e me deixou uma herança, a qual eu sempre desejei desde pequeno – suspirou _ Mas há uma cláusula no testamento que diz que devo estar casado para receber minha parte. É meio complicado isso.
_ Ah! – comecei a entender.
_ Meu avô era um homem que acreditava em família.
_ Diferente do senhor – soltei.
Ele trocava de mulher como se troca de roupa. Eu mesma já dispensara algumas a mando dele. Quando se enjoava, não tinha nem respeito dele mesmo terminar tudo. Poucas vezes soube disso.
_ Certo – fez uma careta _ Tenho pouco tempo para convencer a junta de advogados de que não sou mais um solteirão playboy e impedir que a herança vá para as mãos de meu primo.
_ Aí é difícil, já que é exatamente assim.
_ Estou disposto a pagar você para casar comigo e me ajudar a receber minha parte – viu que me admirei _ Alexandre acha que devo fingir um casamento por no mínimo um ano.
_ Um ano? – levantei _ Quer que fique com você por um ano? É sério isso?
_ Não precisa se assustar tanto – torceu a boca _ Não sou um bicho.
_ Depende a quem pergunta – cruzei os braços e abri bem os olhos.
_ Ok, acho que mereço essa – coçou a testa _ Depois de muito pensar, concordo com Alexandre. Você é minha única saída. Preciso de você, Bianca.
_ Mas, você me odeia... E eu também não vou com a sua cara, sendo honesta.
Ele riu um pouco. Acho que se admirou com minha honestidade.
_ Eu não odeio você, só não tenho paciência. Não confio em nenhuma amante para essa tarefa e você sempre foi uma ótima funcionária.
“Agora ele me diz isso”?
Ele falou em dinheiro e eu preciso muito agora.
_ Se concordar, faremos um contrato e pagarei um valor á você pelos seis meses iniciais, mais cem mil para cada mês que continuarmos casados. Além disso, terá tudo o que precisar e ficará com tudo quando nos separarmos.
Dinheiro para pagar a clínica de Emília. Não ficaria mais preocupada e estressada sobre isso. Cem mil por mês. Minha cabeça começou a ficar cheia, já fazendo planos. Eu até poderia dar entrada em uma casinha pra mim, não teria mais aluguel.
“Meu Deus”!
_ E... O que tenho que fazer? – eu estava desconfiada.
_ Virá morar aqui, vai largar o emprego e fará tudo o que uma esposa faz.
_ Tudo? Eu... Você... – arregalei os olhos e vi que ele segurou o riso.
_ Em público – frisou erguendo a mão _ Todos têm que acreditar que somos um casal. Não pode haver dúvida ou meu primo poderá contestar a herança e nada vai adiantar esse arranjo. Na verdade será bem pior.
_ Quanto vai me pagar? - quero saber logo.
_ Um milhão por seis meses de atuação e mais o restante.
Quase engasguei com a saliva. Minhas pernas tremeram e meu coração bateu com força de uma só vez. Nunca vi tanto dinheiro assim e nem sei como poderia gastar. O que sei é que isso organizaria minha vida e a de Emília para sempre.
_ Quanto tempo temos?
_ Esta semana é meu prazo final – se inclinou para frente.
_ Não sei se posso – cocei a nuca _ Não sabemos nada um do outro. E como vai fingir que gosta de mim?
_ Não se preocupe, sou ótimo ator quando necessário. E temos que ser um casal apaixonado. Já comecei a plantar a ideia hoje cedo quando ligou. Meus tios querem te conhecer.
_ E se eu não aceitar?
_ Então estou fodido.
Fiquei pensativa e dei alguns passos pela sala. Vou ficar sem unha de tanto que roí. Vantagens e desvantagens. A pior seria ter de morar com ele. Estou em choque. Meu Deus, o que fazer? É uma loucura.
_ Por que eu?
_ Não confio em outra mulher. Com você é só um acordo financeiro e todos gostam de você – deu de ombros _ Não sei por que, mas gostam. E Alexandre acha que você é ideal para o papel, além de ser séria, correta e ter bom coração. Meu interesse é bem maior do que ter que me prender á você.
_ Nossa, obrigada – me chateei.
_ Sempre serei honesto com você e peço o mesmo. Pense em como isso vai ajudar sua vida.
Ele tinha razão. E eu já estou acostumada a me sacrificar. Pelo menos agora eu seria paga para isso. E um ano pode passar rápido se eu me manter ocupada.
_ Isso vai estar no contrato?
_ Cada detalhe.
_ E só tenho que fingir que o amo?
_ Exato. Sim ou não? – levantou.
Ele é bem mais alto do que eu e tenho que levantar o rosto para olhá-lo.
_ Isso parece um acordo perigoso.
_ Para mim também é.
Mordi o lábio inferior como sempre faço quando fico nervosa e dessa vez apertei tanto que sangrou. Mas, pensando bem, ele tem mais a perder do que eu. Se der errado, ele vai me cobrar o que?
_ Não faça isso – tocou meu lábio marcado _ Sim ou não?
_ Está bem. Sim – fechei os olhos um instante e ao reabrir ele sorria _ Está tarde, tenho que ir.
_ Deixou o carro na vaga de visitante?
_ Sério que pensa que tenho carro? Vim de ônibus, criatura - torci a boca balançando a cabeça.
_ Vai aprender a dirigir. Te compro um carro.
_ Ainda espero que não seja uma pegadinha.
_ Garanto que não. Vou chamar um táxi.
_ Ok, mas você paga.
Ele estendeu a mão e me encarou.
_ Vamos selar o acordo – sorriu _ E me chame de Adriano. Vamos casar.
_ Espero que não esqueça de que foi você quem me colocou nessa – apertei a mão dele _ Não poderá reclamar depois... Adriano - frisei o nome dele.
_ Sei disso, Bianca.
Apertamos as mãos. Ele sorrindo. Eu séria. A sorte estava lançada para ambos. Dali em diante eu teria que tirar proveito da situação para arrumar minha vida e a de Emília.
Deus já tinha me ajudado antes, quando a colocou em meu caminho. De repente ele está me ajudando novamente, dessa forma meio torta.
Que Deus nos ajudasse!
Adriano... Quando ela saiu me deu uma vontade enorme de beber. Sentia meu corpo inteiro formigar. Eu nunca fiz uma coisa assim, pedir ajuda para conseguir algo para mim. Enchi um copo de uísque e liguei para Alexandre. Tinha que contar sobre a ideia dele começando a nascer. _ Parabéns! Eu não achava que isso daria certo – ele disse rindo. _ Como não? A ideia foi sua – me sentei na cadeira da varanda. _ Eu sei, mas pensei que seria tão cabeça dura que não baixaria a bola para se casar com uma secretária. Ela é mesmo uma santa. Se f
Adriano... Cheguei ao escritório bem cedo e a chamei. Agimos como se estivesse tudo normal para não chamar a atenção dos outros funcionários. Para todos os efeitos já estávamos namorando escondido, assim se não desse certo terminávamos e tudo seguia como sempre. Essa seria a versão que iríamos contar a todos que perguntassem. _ Daqui a pouco você tem compromisso com a Bete. _ Quem é Bete? – ela ficou confusa. _ É a dona do salão que vai dar uma geral em você. Ela é de confiança e muito séria, não vai te fazer perguntas pessoais. Ouça as d
Adriano... *Durante o trajeto até a casa dela, Adriano ficou calado, pensando no que estava para fazer, mas assim que viu onde ela morava desandou a falar, reclamando de tudo. _ Esse lugar é péssimo. Como pode viver aqui? _ É o que posso pagar – ela tremeu_ E você não tem que reclamar, não mora aqui, mora? _ E onde diabos gasta o seu dinheiro? Com roupas é que não é – olhou de cara fechada o lugar feio e pequeno _ Não tem nada aqui. É tudo pequeno e apertado. Sem cor, sem graça.
Bianca... Não consigo mais dormir e a culpa é de Adriano. Como sempre ele conseguia me tirar a paciência e tranquilidade. Antes esse assunto de sexo não estava nos planos e agora me assombra. Claro, mais uma mudança repentina dele. “Como faço agora”? Eu nunca pensei que teria um amante, menos ainda que fosse meu ex-chefe e que ele fosse meu marido. Bom, eu nem pensava em ter um marido um dia. “Que coisa bizarra”! Minha mente está tão cheia que até me sinto cansada. Tanta cois
Bianca... Eu nunca soube como agir com empregados particulares, também nunca tive um. O máximo que cheguei a ter foi uma diarista que trabalhou na casa de Emília durante um tempo antes de ela adoecer. Quando tive que escolher entre comprar os remédios e pagar alguém para limpar a casa, decidi eu mesma fazer a limpeza, até porque nunca tive drama com relação a isso. Era feliz só de ter um teto sobre minha cabeça, um prato de comida quente e uma cama para descansar. E eu mesma fazendo a faxina economizava muito mais. Até aprendi alguns truques de limpeza que me ajudaram a economizar material, assim não precisava ficar comprando direto. A educada senhora que trabalha para ele, na verdade se ch
Bianca... Estou um pouco tensa com esse jantar. Não sei se a família de Adriano é como ele, boca grande. Se for vai ser uma noite demorada. Lidar com um já é difícil, imagine com a família inteira? Vou ter que contar com a sorte para terminar a noite. Adriano diz coisas que me machucam, mesmo que ele não tenha intenção disso. Se a família for igual terei uma noite dos infernos. E ainda tenho que fingir que estou apaixonada. Mas para ser honesta, quando eu trabalhava no escritório ele era bem pior. Não sei se é impressão minha ou se ele está mesmo fazendo esforço para ter um relação mais fácil comigo, talvez por necessitar de minha ajuda. Ele só tem esse motivo para ser agradável.
Bianca... *Ela saiu logo cedo, tinha algumas coisas a fazer antes de se arrumar e se admirou ao retornar e encontrar Adriano no seu quarto. _ O que quer? - deixei a bolsa na cadeira do canto. _ Tudo certo para hoje á tarde? _ Sim. Seus tios irão nos esperar no cartório. _ Tenho um presente pra você – ele se aproximou. _ Não gosto de surpresas. _ Você é bem chatinha - fez careta.
Bianca... Saí sem nem procurar por Adriano, queria muito ver Emília. Preciso da companhia dela, sinto sua falta. Depois de tanta emoção acumulada, ouvir sua voz me faz muito bem. Graças á Deus hoje ela está lúcida e conversamos bastante. Gostaria que fosse sempre assim. Ela está animada e me mostrou o bordado que finalmente havia terminado depois de tanto tempo. Até tinha começado um novo quadro com tema abstrato, que ela mais gostava e que foi o modo como me ensinou a pintar também, mas eu prefiro paisagens. Passamos bons momentos no pequeno quintal da casa enquanto ela me ensinava a misturar as tintas e desenhar na