02: A garota ma

Durante esses meses que passaram eu me perguntei: Por que eu acredito que as coisas podem mudar algum dia?

Minha mãe está grávida de seis meses, o bebê, que também é o meu irmão, é um menino. Não é que eu não gosto dele, mas continuo me perguntando: como será a minha vida quando ele nascer?

Eu sei que muitas coisas vão mudar, já não serei a filha única, eles não vão me ouvir - algo que nunca me fizeram - muito menos vão se preocupar em perguntar como eu me sinto sobre isso, eles ainda vão discutir muito, quase sempre sobre as mesmas coisas. O meu pai ainda vai "acariciá-la” -moderadamente - mas minha mãe vai continuar dizendo que ela é quem é culpada por atormentá-lo tanto.

Em suma, é como se minha vida inteira estivesse sendo reproduzida no jogo de DVD.

O controle está quebrado, então nunca seguiremos ir para frente ou para trás. Tudo é o mesmo.

As camas ainda rangem, os copos de vidros ainda são jogados pelas paredes, os vizinhos nos vêem com olhos estranhos e a minha mãe ainda reside nas manchas vermelhas pelo corpo. A nossa casa é a perfeição em pessoa, mas, por favor, não queria abrir as cortinas, as coisas não são como parecem ser.

      Quando cheguei em casa, subi para o quarto e tentei entender o que passou pela minha cabeça quando concordei em ler o meu poema diante de tantas pessoas e porque eu fui tão descuidada para deixá-los ver os sinais no meu braço. Por favor, não me diga que o que faço é errado, porque eu sei que não vou ouvir isso.

Uma parte de mim já não se importa muito com muitas coisas, muito menos com a dor física. Existe muitas outras dores piores do que um arranhão, um curativo não é capaz de tampar o vazio que eu carrego no peito. Eu não sei desde quando faço autoflagelação, talvez tenha começado logo depois do dia em que me jogaram na lixeira.

Naquele dia eu chequei do Colégio e passei o dia todo pensando sobre o que aconteceu. No final da noite, quando todos estavam dormindo, peguei uma caneta, aqueci no isqueiro e passei-a sobre a pele dos meus tornozelos. Foi assustador, mas não assustador como uma dessas cenas de filmes de terror, foi ...Foi assustadoramente muito bom. Esta palavra existe? Assustadoramente? Hm ...

Às vezes, quando uma pessoa chega ao ponto em que eu estou, alguns cortes são necessários para aliviar os buracos que as pessoas o causam no coração. Não é apenas o corte em si, mas ... quando faço o que faço, sinto como se uma parte de mim gritasse por ajuda.

Tipo: "Socorro mamãe! Ele está me matando com essas palavras! ", "Por favor, não diga isso sobre mim, isto está doendo! " ou " Me ajuda! Por favor, me faça sentir alguma coisa!"

Cada um de nós está passando por uma situação diferente, cada um de nós se sente de diferentes maneiras, alguns mais, um pouco menos ... Em suma, cada um enfrenta seus demônios na forma que ele julga oportuno.

Os cortes e frases que escrevo no meu corpo são as palavras que foram roubadas de mim. Então, um rascunho mínimo poderia significar um "foda-se" que muitas vezes eu nunca pude dizer. Oh ...acho que eu deveria lavar a minha boca com sabão, não é mesmo? Eu... não estou orgulhosa do que faço, não sei como meus pais reagiriam se soubessem que eu estou me cortando, para ser sincera, não me importaria muito se descobrissem.

Eu tomei um banho, desci para o almoço e, em seguida, consegui limpar praticamente toda a casa (menos o quarto da frente, porque meus pais estavam nele). Desta vez, não me importei com o fato deles estarem me dizendo o tempo todo para fazer isso ou aquilo, porque, mesmo sendo abusivo, assim eu evito os maus pensamentos que ocupam minha mente.

Limpei a sala, cozinha e banheiros, também lavei os pratos do almoço, guardei-os e coloquei alguns lençóis na máquina de lavar. Os meus pais ficaram um bom tempo no quarto, na verdade tempo demais. Nesse meio tempo, busquei meu caderno de poesias e escrevi um novo poema:

O que há dentro de você?

Por que não consegue ver o que há além de mim?

Será que somos o que vemos no espelho?

Apenas pele, apenas corpo?

Sem alma?

Só matéria?

Por que você tenta inserir erros em alguém que nunca lhe deu permissão para ser rotulado?

Eu tenho alma, dores e medos.

Mas você não se importa com isso, não é?

Você só está interessado em saber o que está sob minha roupa.

Será que meus seios estão cheios?

Minha pele suave e impecável?

Ou eu vou decepcioná-lo?

Eu sinto muito,

Mas eu não sou como as meninas que você vê nas revistas que eles lhe deram quando vai ao dentista,

Por quê?

Oras,

Porque eu sou real.

E uma garota de verdade,

Esconde muito mais coisas do que apenas os seios de baixo do vestido.

Uma garota de verdade

Esconde segredos. [...]

Eu li mentalmente o que escrevi, depois me deitei na pilha de roupas sujas e pensei sobre várias coisas. Passaram-se longos minutos, enquanto eu dormia sobre as roupas na lavanderia, fui acordada pelos altos grunhidos do meu pai.

"Eu vou, Rebecca!" Ele gritou, entrando na lavanderia com algumas roupas nas mãos.

"Por que está fazendo isso, querido? “À mamãe parou na porta, segurando o restante das roupas dele.

"Não fica chorando, será melhor para todos nós." Ele respondeu, pegando a mala que estava em cima do armário.

"Mas..., mas eu estou grávida. Estou esperando um filho seu, como você pode aceitar esse emprego assim? Você não se importa mais conosco, Thomas?"

"Não começa, Rebecca. Eu já disse, tudo está pronto e eu vou."

"Você não pode ir para Boston assim, querido." Ela chorava.

"Não complica!" Exclamou. “Vamos Kristen, onde está a merda daquela mala azul?”

Meu pai iria viajar para Boston.

Eu estava ouvindo bem?

"Vai menina!” Me empurrou, fazendo-me agilizar. "Pega a droga da mala logo, o meu voou é daqui 3 horas."

 O meu pai pegou a mala, subiu para o quarto e se trancou. Não tenho certeza do que aconteceu, nem porque ele estava saindo. Ele simplesmente pegou um táxi, discutiu feio com a minha mãe no telefone e pegou um voou aéreo para Boston.

Mamãe passou o restante do dia chorando, afinal de contas, ela estava grávida e o marido decidiu viajar, eu sei lá por que, de repente.

Fiquei no meu quarto, telefonei para uma pizzaria, pedi uma pizza de quatro queijos e refrigerantes.

As horas passaram e eu nunca me senti tão estranha como eu estava me sentindo, não houve brigas, nem humilhações, nem sermões desnecessários, mas ainda assim, tudo era uma grande mentira.

Levantei-me, fui até a sala de estar e vi minha mãe dormindo em sua cadeira de balanço. A barriga dela estava enorme, o cabelo solto, o contorno de seus olhos inchados, as mãos soltas no colo... O que deve acontecer na cabeça dela? Como ela deve sentir-se em relação ao marido?

Eu olhei as horas no relógio do ponteiro na sala de estar e percebi que não era mais do que 9:00 da noite.

Caminhei até a porta da frente, abri-a e sentei-me na varanda. Fiquei lá por um tempo, então um carro esportivo parou na frente da minha vizinha Violeta, que é uma veterana no ensino médio, e um grupo de adolescentes bêbados saiu do carro, gritando o nome dela.

"Desça Violeta! Vai vadia, a festa não pode começar sem você." Uma garota, que também parecia a mais velha do grupo, gritou por ela olhando para janela aberta do quarto. A garota desceu depressa, correu pelo quintal da casa e pulou no colo do seu namorado. Ele agarrou suas pernas, passou as mãos sob a pele exposta dos seus shorts e beijou-a.

O grupo de amigos riu muito, eles também fumaram e outros beberam álcool, não sei quem estava dirigindo, mas era difícil dizer quem estava bêbado ou não. Eles pareciam tão desocupados, eles não se preocupavam com muitas coisas, em alguns meses eles estariam fora da escola e iriam para a faculdade. Tantos testes, tantos trabalhos e eles não se importavam com exatamente nada. Quando o carro deles passou de frente da minha casa, um garoto colocou a língua para fora e mostrou o dedo do meio para mim.

Uma música veio na minha cabeça:

“Eu quero ser uma loira oxigenada

Não sei por que, mas eu me sinto enganada

Eu quero ser uma adolescente desocupada

Eu queria não ter sido tão comportada

Eu quero ficar dentro de casa o dia todo”. (Teen Idle, marina and the diamonds,2017).

Eu corri minhas mãos sobre o rosto, minha testa estava suada e as minhas mãos tremiam. Corri meus dedos sob o tapete vermelho, li a frase "bem-vindos" e peguei alguns cigarros que meu pai escondeu lá à noite.

Com as mãos trêmulas, levei o isqueiro, ele também escondia no pote ao lado do tapete, eu acendi um dos cigarros. Eu nunca tinha fumado antes, não tinha ideia do que o ar quente deveria ser soprando pelas narinas, mas por algum motivo eu tive coragem suficiente para colocá-lo entre meus dentes. Lágrimas desceram dos meus olhos, o que eu estava fazendo?

Eu joguei os cigarros do outro lado da rua e vomitei tudo o que eu tinha comido no jantar. Voltei para dentro, sentei-me no sofá e continuei a chorar silenciosamente.

Minhas ações são lançadas como palavras ao vento, já não sei o que faço, muito menos o motivo.Tudo está confuso.

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