01: Eu estou bem

Um tom de cor assume os meus olhos e vejo as pessoas à minha volta cada uma de uma cor diferente.

Faço uma análise rápida de todos aqueles que parecem rir, aos meus olhos, esses são os cinzas. Então encaro para aquele que disse que gostava de mim, que me escreveu cartas, poemas e que disse que meu olhar dizia quem ele realmente era. Infelizmente, eu nunca consegui conhecê-lo. Mas agora, diante da realidade, posso dizer que é como a cor das cortinas na sala dos consultórios odontológicos. Ele é branco ou beje? Eu não sei, nunca consegui perguntar para algum decorador se aquela cor é clara ou moderada.

As pessoas como o Noah são assim, nós não podemos e não somos capazes de dizer em que estado de cor ela se encaixa, porque sempre estão mudando de posição. Por um lado, eu também sou como ele.

Pisco os olhos calmamente e escuto a voz da minha nova professora de literatura pedir que eu leia meu poema num tom mais alto.

"Querida, você pode ler um pouquinho mais alto? Acho que não entendemos balelas do que você disse." Ela cruza as pernas, olhando para minha imagem indefesa na frente dos alunos.

"Tu-tudo bem." Digo contida, folheando de novo o meu caderno.

"Antes que todos escutem, devo lembrá-los que o poema que ela escreveu foi publicado pelo jornal da escola e será o tema da nossa aula de hoje. " A senhorita Vic diz num tom esclarecedor, colocando seus óculos para ver melhor.

O silêncio toma conta da sala.

Eu tento falar, mas a sensação é de que, a minha língua não reage aos meus comandos.

"Fe-feche as portas..."

Balbuciei, sentindo minhas pernas tremer.

"Feche as portas, as portas das memórias que eu não quero lembrar. Para aqueles que têm força, tente viver e continuar. " Pisco os olhos em confronto. "Tente acordar de um mundo onde você está esquecido, eu sei que sou forte, mas como continuar quando você é tratado como um lixo?"

Encaro os outros alunos no fundo da sala.

"Todos os dias vejo as lágrimas fluindo, A violência aumenta mais, E o que vamos fazer? Por que provar a desgraça dos outros, se você não quer sentir a sua? Por que sorrir, se amanhã você pode estar na rua?"

Nesse momento vejo o Edgar se movimentar e colocar os braços fortes ao redor da namorada dele.

"A rua do mal é o caminho do sofrimento, A porta dos estudos é o portão do vento.

Do vento que conduz e volta,

Só que às vezes te leva, te esquece e te derruba. Eu quero entender,

Por que tal humilhação? Ninguém é perfeito, ninguém é meu amigo ou meu irmão,

Então me conte:

Qual é o motivo da perfeição?" Digo rapidamente, sentindo a adrenalina tomar conta das minhas veias.

Todos ficaram em silêncio, então abaixei o caderno e contínua sem olhar para anotação:

"Abra as portas. Abra as portas que me lembram de um olhar preso à realidade. “Fecho os olhos outra vez e imagino meus pais. "Eu sempre vejo o tempo correndo,

Todos estão sorrindo,

Você também sorri e não consegue entender?

A piada em si é você!"

No dia em que me jogaram na lixeira, lembro-me muito bem o que é sorrir sabendo que você é o motivo da piada.

"Tudo parece não ter fim..." ergo as mangas do casaco sentindo calor. "Dentro de você há um oceano e você está se afogando. A chuva cai devagar,

E, assim como suas gotas,

Você está caindo!

As forças acabaram,

Você pensa em desistir,

Então você para e pensa:

Por que estou aqui?

Lágrimas duram uma noite e alegria vem pela manhã,

Mas será que você estará vivo até o amanhecer?"

Estou afarando, sentindo o meu coração doer e todos simplesmente estão calados. Eles nunca me ouviram, por que agora ouvem?

Viro o rosto em confronto, encaro a imagem de Noah e Stéfany juntos no fundo da sala.

Os olhos dele estão contra os meus punhos, e rapidamente, percebo que eu havia levantado a manga do meu casaco.

Desci os olhos para imagem da cicatriz, não era grande, mas talvez fosse grande o suficiente para que todos conseguissem ver.

"Muito bem!" A professora bateu palmas, fazendo que parassem de me observarem. "Vamos todos para sala de vídeo, vamos!"

Abaixei a manga do moletom, olhei para ela de volta e voltei para o meu lugar. Pouco a pouco, todos foram saindo da sala e eu contínua sentada.

Quando a sala estava vazia, a senhorita Vic conduziu-se até mim e sentou-se numa cadeira à frente da minha.

"Eu não pude deixar de notar, está tudo bem com você?" Ela perguntou, pegando na minha mão. "Temos percebido o quão distante você está da escola e dos seus colegas, pelo o que o conselho sabe, sua mãe está grávida. O que está acontecendo com você, Kristen? "

"Nanada. " Digo baixo, agarrando a minha mochila.

"Você tem certeza? Eu sei como é difícil ser nova num lugar e não se apegar muito nele, a quanto tempo está conosco? 6 meses? "

"São 5. " Corrigi-a. "Eu cheguei aqui em setembro e agora estamos em fevereiro."

"Pois então, porque ainda não fez nenhum amigo ou amiga?"

"Não sei."

"Você é uma aluna espetacular Kristen, você tira notas excelentes, é esforçada e muito dedicada, mas não entendo o porquê de ser tão sozinha. " Ela se levanta, pegando sua pasta. " Vamos para sala de vídeo, o filme que vamos assistir é ótimo."

Eu me levantei, peguei minha mochila e segui-a até a sala de vídeo da escola. Havia muitas pessoas lá, então eu preferi me sentar num lugar isolado.

Bang Bang! Você morreu! - Esse era o nome do filme. Foi um bom filme, talvez um dos melhores que eu já tenha assistido sobre bullying e perseguição. Sabe o que é estranho? O estranho mesmo é ver tantas pessoas iguais aos personagens do filme, sorrirem, comentarem ou acharem absurdo uma coisa que faz todos os dias com você.

Por mais que eu tente, não consigo esquecer o dia em que o Noah e seus amigos dele me jogaram na lata de lixo. Isso me marcou.... E algumas marcas são difíceis de apagar.

Tem sido um longo tempo ... tempo suficiente para que seus cabelos crescessem, para erguer uma relação séria com Stéfany e me esquecer completamente. Não tenho certeza do que está acontecendo dentro de mim, seja ou não amada por ele, não importa. Mas não é o fato de que é seus lábios que ele beija, ou o cabelo dela que ele acaricia ... O que me incomoda é que ele não se importa por ser uma mentira.

Ninguém sabe o que realmente acontece dentro de uma pessoa.

Que bobagem a minha, pensar que podemos dizer ou não quem gosta das pessoas.

Quando o filme entra em reta final e o sinal do intervalo toca, a maioria dos alunos correm para fora e poucos alunos ficam para terminar de verem o final do filme.

Leio as últimas palavras do ator no telão mentalmente:

Bang! Bang!

Você morreu!

Ele diz isso a si mesmo, olhando no espelho, enquanto as almas das pessoas que ele matou perturbam-no. Quantas vezes você disse isso? Será que você já se sentiu morto? No filme, o personagem Josh se vê na loucura de ter matado os seus colegas de escola quando ele se sente morto por dentro. Matar uma pessoa não é justo, muito menos esclarecedor, mesmo assim, eu recomendaria que assistissem ao filme.

Saio da sala de vídeo e vejo Alice com o seu novo namorado. Ele não é de nenhuma equipe, mas faz parte da grade editorial do jornal da escola. Não sei o nome dele, mas sei que ele é chamado de D.S pelos corredores. A Angel mudou-se de escola, o Edgard e a Kate matem um relacionamento aberto e Stéfany, bem, ela está com o Noah.

Parece que todos se encaixaram num lugar, queria eu, saber como é se sentir parte de alguma coisa. Eu estou em um estado que se alguém me atingisse, não faria mal, porque tudo em mim já está praticamente morto de alguma forma. Como eu havia dito, algumas marcas são difíceis de serem apagadas.

Demorará um tempo até que eu esqueça o que aconteceu, assim como irá demorar um certo tempo até que as pessoas esqueçam a maneira maluca que eu reagi aquela "brincadeira. "

As coisas estão diferentes... Ou em outras palavras, mais intensas. Mas não se preocupe, eu estou bem. Bem...Insignificante, abandonada, vazia, confusa, deprimida, culpada, ofendida, paranoica... Estou em tantos estados sentimentais, que não sei mais o que é sentir- se apenas de um jeito.


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