04: Saindo do Casulo

O ônibus parou quando ele me ofereceu o livro.

"Você não é de falar muito, é?" o aquarela sorriu, pegando sua mochila. Ele guardou os fones de ouvido na bolsa, levantou-se e me entregou o livro nas mãos. "Toma, você me entrega quando terminar."

Balancei minha cabeça, aceitei o livro e caminhei ao lado dele para fora do ônibus. Ele era tão diferente ... Eu não sabia muito qual era a dele, mas por algum motivo, ele me seguiu até o meu armário. Eu guardei o livro que ele emprestou, peguei outros livros para aula de biologia e fechei meu armário, observando-o de pé ao meu lado. O que devia dizer ou fazer? Eu não tinha ideia do que dizer e muito menos o que fazer sobre ele estar dois passos à frente de mim.

"Nós nos vemos por aí." Foi tudo o que ele disse, seguindo caminho à frente.

Fiquei por alguns minutos tentando entender o que realmente aconteceu. Suspirei profundamente, enfiei um fio de cabelo atrás de minhas orelhas e sorri de um lado para outro. Pelo que entendi, uma pessoa finalmente tentou entrar em contato direto comigo. Era o Ki-suco, o garoto bomba antissocial da escola, mesmo assim, ele ainda era uma pessoa.

Caminhei sorrindo para o segundo andar, onde entrei na sala 25, me sentando na primeira fileira ao lado da porta.

"Fala ae Kris!" Uma voz masculina gritou no fundo da sala, fazendo-me virar para trás. Era Edgard, acompanhado de Kate, sua namorada. Eles estavam juntos ou separados, não sei bem explicar a situação de relacionamento que eles mantêm. " Qual é a sensação de ser o centro das atenções do Colégio?"

Tremi o maxilar, voltei o olhar para frente e vi o professor de biologia entrar na sala de aula.

"Bom dia." Ele disse culto.

"Bom dia." Todos respondemos em uníssono. "Devido ao projeto escolar, todos nós deveremos participar de uma palestra com o novo diretor sobre redes sociais e bullying."

Revirei os olhos. Não sabia sobre esse projeto, apenas que faríamos uma redação ou poesia e foi por isso que eu escrevi o poema que me fizeram ler ontem. Nunca me disseram que levaria isso tão adiante, muito menos que fariam um projeto.

"Kristen, você deve estar feliz, não é mesmo?" O professor aproximou-se da minha mesa. "Os outros professores me contaram sobre o seu desempenho, fiquei impressionado."

"Ela não fala, não adianta tentar.” O Edgard disse do fundo da sala, rindo de mim.

Deixei minha franja cobrir os meus olhos, suspirei profundamente e respondi: "Eu posso falar". Foi rápido demais, acredito que poucos alunos me ouviram, mas, pelo meu tom de voz, soube imediatamente que eu havia mudado.

"Todos vocês, direto para o pátio!" O professor disse alto, mantendo o controle da situação.

Os alunos foram conduzidos até o pátio do Colégio onde se encontravam o diretor Torvalds e mais três coordenadores do Instituto de educação da escola.

Procurei um lugar mais silencioso na plateia, tirei uma cadeira e me sentei. O assunto que seria abordado aqui me incomodou muito, não só por mim, mas por milhares de pessoas que passaram por isso e teve que ouvir palestras sobre "piadas" de mau gosto. Bullying não é apenas uma simples brincadeira, muito menos deve ser tratado como um "probleminha" de adolescente.

O diretor disse três ou quatro palavras sobre o assunto, então deu espaço aos coordenadores e só então a conversa real começou. De acordo com a palestra, o número de adolescentes que relataram suicídio após serem vítimas do acúmulo cibernético é muito maior do que o esperado pelo Conselho Internacional. Você sabe o que isso significa? Isso significa que a cada 10 pessoas, apenas uma acaba procurando por ajuda. Esse número assusta, mas é a realidade. No mundo de hoje, com tanto ódio e rancor, muitos adolescentes buscam resolver seus problemas em silêncio.

Quando eu ouvi a palestra, senti que eu era uma das pessoas que preferiam o silêncio ao invés de dizerem o que estava acontecendo. Não há palavras, quando tudo ao seu redor é insegurança, não há como dizer a alguém que se sente vazio quando muitos te acham uma garota estranha e mimada. Não há como confiar na família, quando seus pais não passam um minuto de seu tempo preciso para saber como seus filhos se sentem.

"- Dê-lhe dinheiro, os adolescentes gostam de gastar. ",

"- Na minha época, psicólogos eram chinelos, cinto e vassoura, e melhor, as consultas eram gratuitas.",

"- Para o drama, você quer chamar a atenção? Amarre uma melancia na sua cabeça! "

Qual adolescente nunca ouviu uma dessas frases de seus pais, tias, tios ou qualquer outra pessoa? Eu escuto milhares deles todos os dias. E você sabe como eu me sinto? Vazio. O dinheiro não me deixa uma pessoa melhor ou pior, infeliz ou feliz, as surras não me farão relacionar o que é certo do que está errado, amarrar uma melancia à cabeça não fará de mim uma garota com mais atenção ou menos dela.

Nada disso irá fazer com que as coisas mudem dentro de mim.

Após a palestra de quase uma hora e meia, todos os alunos retornaram às aulas normais e segui meu caminho direto para a sala de matemática. Eu fiz três exercícios, tirei boas médias, mas não tão boas quanto as de Noah. Nós trocamos alguns olhares, mas nada foi como antes. Ele estava distante, pois entre o ser e o não-ser, ele era ao contrário do que dizia ser.

Depois da aula de matemática, fui para o refeitório e escrevi um poema:

E se os meus olhos veem mais do que as pessoas são?

Um ramo brota no horizonte,

Um ramo antigo e caído ...

Mas em meus olhos,

Tudo é verde e florido.

E se meus olhos veem mais que conflitos?

E se em vez disso,

Eles vêem os lírios?

Há uma longa distância entre o ser e o se ....

[...]

Acabei por não comer meu almoço no intervalo, mantive-o de volta e fiquei concentrado no que aconteceu de manhã no ônibus.

Há uma linha que separa o que as pessoas parecem ser de quem realmente são, talvez, não sei, talvez essa linha também inicie coisas que não possamos entender. Pois não compreendi por que aceitei um livro de um completo estranho, também não entendi, quando ele passou por mim na cafeteria, puxou uma cadeira e sentou-se ao meu lado, nós não falamos nada, não trocamos uma palavra sequer, foi como estar ao lado de uma pedra, só que com cabelos, ainda por cima coloridos.

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