Me endireitei no banco do carona pela décima vez, contendo um suspiro irritado. O carro era meu, mas é claro que Robert não me deixaria dirigir com ele dentro. Afinal, ele é o Alfa e eu sou… bem, eu sou Maeve.
Gosto de me descrever como Maeve, futura pediatra promissora. Mas nesse momento eu voltei a ser Maeve, filha do Alfa e seu maior problema. Tecnicamente sou sua filha, por mais que uma ligação de aniversário por ano e um depósito simbólico por mês não me façam aceitá-lo como pai. Não que ele precise de minha aceitação. Como Robert sempre me diz, ele precisa apenas da minha cooperação.
-Estamos chegando. Fique atrás de mim o tempo todo e coopere. - sua voz áspera surgiu pela primeira vez em três horas de viagem.
Eu apenas assenti, apoiando a cabeça na janela e ignorando-o. Por mais que ele fizesse meu sangue ferver, uma coisa que eu tinha aprendido da maneira mais difícil é que o único motivo para alguém desafiar um Alfa era para matar ou morrer. Não pretendia morrer tão cedo e, sendo uma loba dormente como meu querido pai fazia questão de me lembrar sempre, matar não era uma possibilidade.
E era por esse motivo que estávamos nessa situação. Como sua primogênita, eu sou o símbolo de sua força diante de seus inimigos. E o que diriam de um Alfa que tem uma filha que não se transforma? Seus aliados aproveitaram a primeira oportunidade para desafiá-lo e nós dois sabemos que ele perderia. Porque maior do que sua sede de poder, só a sua capacidade de iludir os outros, fingindo ser um Alfa invencível.
Robert estacionou em frente a uma boate e saiu do carro, sem ver se eu o seguia. Trinquei os dentes, tentando me manter calma. Se essa fosse como nas outras vezes, em algumas horas eu estaria voltando para casa e ele me deixaria em paz pelos próximos dois ou três anos. Eu era capaz de engolir um pouco da raiva.
Era fim de tarde e a boate ainda estava vazia, apenas alguns funcionários circulavam por ali, ajeitando cadeiras e limpando o balcão de bebidas. Robert atraiu a atenção de todos ao cruzar a pista de dança, ignorando os poucos que lhe lançavam olhares desgostosos. Ele seguiu para uma porta fechada nos fundos, claramente conhecendo o local.
-Ela precisava vir junto? - uma figura surgiu das sombras perto da porta.
-Ela tem que entender a gravidade da situação. - ele me olhou como se eu fosse uma criança mal-criada.
Cerrei os punhos, encarando a mulher que me olhava com ar superior. Seus cabelos pretos caíam em leves ondas nas costas e ela vestia o uniforme de garçonete, que não parecia se encaixar bem nela. Era bonita, devendo ter por volta de quarenta anos.
-“Ela” está aqui para ouvir vocês. - zombei.
Os dois me ignoraram, voltando para sua conversa como se eu não estivesse ali.
-Onde eles estão?
A mulher desviou o olhar em direção ao salão. Acompanhei o olhar dela, mas Robert me repreendeu com uma mão firme no ombro. Ele me manteve ali como se meus pés estivessem grudados no chão. O xinguei mentalmente por isso. Ele sabia que sua influência não funcionava em mim, mas eu não tinha a força de um lobisomem, então isso não era problema para ele.
-Isole a área. - comandou ele. - Não queremos atrair a atenção de ninguém.
A mulher assentiu e desapareceu nas sombras de onde surgiu. O Alfa se colocou à minha frente, puxando-me mais para as sombras. Se estivéssemos lidando com outros lobos a proteção da penumbra não serviria de nada, mas algo no ar mudou quando entramos ali e eu soube que a mulher devia ter criado uma barreira para nos esconder. Quando a pressão no ar se normalizou, ele me virou para observar a pista de dança.
Como nas outras viagens que fizemos, ele estaria ali para conquistar algo e me mostrar mais uma vez que tinha total controle sobre mim antes de me mandar de volta para minha vida pacífica. Eu nunca me importei de verdade, já que depois ele sumia. Mas algo nessa viagem parecia diferente.
-Observe nossos alvos de hoje, Maeve. - ele se abaixou um pouco, aumentando a pressão sob meu ombro. - Aqueles dois são filhos de meu maior inimigo. - eu pude sentir o sorriso em sua voz, enquanto olhava para os dois jovens limpando o chão. -E hoje eles vão me conhecer.
Aquelas palavras caíram em mim como um balde de água fria, me levando de volta para a primeira vez que ele as tinha dito para mim. Eu tinha recém completado dezesseis anos e minha transformação não tinha acontecido. Ele apareceu em meu aniversário, dizendo que já tinha passado da hora de conhecê-lo. A princípio não entendi o que ele queria dizer, mas então Robert quebrou minha perna, alegando que isso iria me obrigar a me transformar - o que obviamente não aconteceu.
Observei os jovens brincando um com o outro despreocupados, enquanto limpavam a pista. Eles tinham terminado a área mais afastada de nós e agora continuavam o trabalho, vindo lentamente em nossa direção. Não pude deixar de notar como a cena toda parecia uma piada de mal gosto, com o lobo à espreita, apenas esperando suas presas virem em direção à morte.
Meu coração apertou quando eles se aproximaram e pude vê-los com nitidez. O mais novo tinha cabelos castanhos despenteados, olhos verdes e braços definidos por horas de academia. Ele ria com leveza, não parecendo ter muito mais de vinte anos. O mais velho o olhava com diversão, os cabelos pretos caindo levemente na testa molhada. O queixo era forte e os olhos de um azul profundo diziam que ele deveria fazer sucesso com as mulheres.
-O que você vai fazer com eles? - sussurrei, um nó se formando em minha garganta.
Robert riu.
-Não vá dizer que gostou deles? - ele baixou o tom, sua voz ficando mais grave e dura. -Não vai gostar deles quando souber o que tenho reservado para vocês.
Meu coração parou por um instante com aquela simples palavra.
Vocês.
-Eu faço qualquer coisa, mas me leve para casa. -eu implorei, segurando as lágrimas antes que perdesse o que me restava de dignidade.
O rosto de Robert escureceu, os olhos brilhando amarelos. Soltei seu braço como se queimasse em brasa e me afastei, ficando no limite das sombras. Sua voz saiu densa de poder, a transformação já começando.
-Pode acreditar que eu vou te levar para casa. - ele rosnou. -E você vai me agradecer por isso.
Meu coração disparou e o tempo pareceu parar. Olhei de volta para os irmãos, ainda alheios a tudo. Por um segundo o homem mais velho olhou em nossa direção e eu podia jurar que nossos olhos se encontraram. Robert já se agachava ao meu lado, a transformação prestes a terminar.
Eles não tinham mais tempo.
Disparei para fora da barreira, gritando para que eles corressem. Confusos eles levaram um segundo para reagir, tentando entender o que eu dizia.
Mas eles não tinham um segundo.
Porque o Alfa estava pronto.
E eles iriam morrer.
TrevorBlake tinha acabado de me contar uma de suas piadas sórdidas quando ela apareceu. Tinha visto quando entrou no salão cinco minutos antes, é claro. Com seus cabelos castanhos, curvas de matar e olhos verdes que reluziam era difícil não notá-la. Antes mesmo que ela surgisse, seu cheiro a denunciou, uma mistura de hortelã e algo doce, que fez meu corpo todo tremer em excitação. Era tão estonteante que quase não percebi que havia um Alfa com ela.Não era estranho os Alfas circularem por aqui. O Dark Night era um clube exclusivo, onde muitos Alfas vinham fazer suas negociações - exatamente por isso eu e Blake escolhemos vir para cá quando deixamos o bando do nosso pai. Era o último lugar que ele iria querer nos ver e por isso era o lugar certo para nós.Porém, humanos não eram comuns ali e a garota era com certeza humana.Levei alguns segundos para entender o que estava acontecendo quando ela entrou gritando para que corrêssemos. Minha concentração se focou nela assim que ela surgiu
MaeveAcordei com o barulho do motor do meu carro sendo acelerado ao máximo. Meio grogue, me levantei com a cabeça explodindo e olhei ao redor, tentando entender o que tinha acontecido. Mas a cena era caótica demais para eu sequer absorver, quanto mais entender.Ao meu lado, o homem de cabelos pretos que tentou me proteger, estava coberto por uma lona preta, apenas a cabeça de fora. Ele gemia, os olhos fechados com força e os cabelos grudados à testa pelo suor. Seu rosto estava vermelho e cheio de hematomas, com olheiras fundas se formando em bolsas ao redor dos olhos. Da cabeça para baixo, não havia um pedaço de pele que não estivesse roxo pelos hematomas ou coberto do sangue que vertia da mordida no pescoço.No banco da frente, contudo, a cena parecia vinda de outra dimensão.A bruxa dirigia animada, cantando o que parecia ser uma versão em rock de “Oh, happy day”. Seus cabelos estavam desgrenhados, a roupa amassada e a maquiagem desfeita. Enojada, eu não precisei ver o chupão em se
MaeveCurar alguém sempre foi algo difícil para mim. A cura em si não apresentava dificuldade alguma, pelo contrário, toda vez havia sido natural. A energia fluí de mim fácil como uma respiração, envolvendo a outra pessoa e trabalhando para curá-la. É quase como montar um quebra cabeça - só preciso conectar os pontos certos e tudo fica bem.A parte difícil é lidar com a intimidade.Curar alguém é tocar nessa pessoa. Em todas as partes. A energia que flui é parte de mim e percorre todas as partes machucadas de alguém. Às vezes um toque superficial é o suficiente. Mas hoje esse não era o caso. As lesões dele eram profundas e se espalhavam por quase todo o corpo.Suspirei, me concentrando para bloquear a presença da bruxa, me observando pelo espelho retrovisor. Tirei a camiseta de cima do machucado, passando a pressioná-lo com minha mão esquerda. A direita posicionei em sua testa, que ardia sob meu toque. Ele gemeu com o meu contato, claramente tão incomodado quanto eu com aquilo.Fechei
Maeve Seu grito quase me ensurdeceu. Atônita, eu vi ele discar frenéticamente o número no celular, ficando cada vez mais irritado quando não conseguia. Ver ele fazer aquilo estava me irritando. Ele podia só estar vendo um lado da situação, mas eu não era obrigada a aturar sua babaquice só porque ele era desinformado. Precisando de ar, abri a porta do carona, sentindo o ar frio em meu corpo seminu. Caminhei até o porta-malas, ignorando as buzinas dos carros que passavam. Lá dentro, encontrei uma sacola com duas mudas de roupa, minha bolsa e um bilhete com o endereço do bando. É, com certeza isso é tudo que precisamos para viver. Trincando os dentes, peguei minha bolsa para checar se meus cartões de crédito ainda estavam ali, quando mais uma buzina soou. -Filho da puta. - resmunguei. -Ao invés de parar e ajudar uma pessoa seminua e cheia de sangue na beira da estrada, vamos apenas buzinar e pensar em como ela é gostosa. Ainda checando minha bolsa e as roupas, eu mal reparei que meu
MaeveEu estava esgotada demais para argumentar com Trevor, e nós dois precisávamos urgentemente de um banho acompanhado de uma boa noite de sono. Por isso, me virei para o lado, memorizando o caminho que fazíamos na estrada e evitei olhar para ele. Com o cansaço que estava, em menos de cinco minutos eu apaguei, o vai e vem da estrada embalando meu cochilo.Despertei assustada com um som alto e abafado. Me preparei para o que quer que tivesse acontecido, só para ver Trevor do lado de fora do carro, seu sorriso de lado rindo de mim. Irritada, sai do carro, fechando a porta do carro com todo cuidado, terminando o movimento com uma mesura, enfatizando a gentileza com a qual tratei meu bebê.-Agora me devolve a chave, antes que eu faça você se arrepender de ter batido a porta. - estendi a mão para ele, apertando os olhos em irritação.Ele riu, o olhar divertido fazendo minha concentração falhar. Por que os mais babacas sempre são os mais irresistíveis?-Para uma humana, tenho que admitir
MaeveRespirei fundo, inalando seu aroma maravilhoso. Meu coração acelerou por um instante quando seus olhos fisgaram os meus. Mordi o lábio, contendo a vontade de beijá-lo. Era errado eu querer Trevor. Eu era a última pessoa que ele deveria ter ao lado e ele tão pouco era o cara certo para mim. Mas a verdade era que fazia tempo que eu não transava com ninguém e ele com certeza parecia certo para isso.Mas então ele abriu a boca e todo o encanto se desfez.-Se você não fosse filha de Robert, já estaria na minha cama.Toda a excitação foi substituída por uma onda de raiva. Trinquei os dentes, fuzilando-o com o olhar antes de me esgueirar por baixo da jaula que ele tinha feito com os braços. Trevor não ofereceu resistência, um sorriso presunçoso estampado em seu rosto. Fui até a cama, pegando uma toalha e a atirando em sua cara. Obviamente ele foi mais rápido e a pegou no ar, só me deixando mais irritada.-Deixa de ser convencido e vai logo limpar essa sujeira. - cruzei os braços o enca
TrevorMaeve era pior do que eu tinha imaginado. Quando a conheci, achei que seria fácil conquistá-la. Mesmo depois do caos da luta com seu pai e a descoberta da maldição, seduzí-la parecia ser a coisa mais simples a ser feita. Eu a traria para meu lado, usando sua influência como filha do Alfa para conseguir libertar Blake. E depois matar todos.Não havia porquê mantê-los vivos depois do que fizeram. Eram uma ameaça real à nossa segurança. Eu e Blake tínhamos decidido desertar do bando de nosso pai - um completo babaca, tenho que dizer - para viver como lobos solitários. Nosso tempo no exército tinha nos ensinado tudo que precisávamos saber para nossos serviços como mercenários. Somos os melhores no que fazemos, entrando e saindo sem ser notados. Poucos sabem sobre nós e por isso cobramos caro.No dia do ataque estávamos observando o Alfa dono do Dark Night, nosso próximo alvo, quando fomos pegos de surpresa. Eu devia ter notado que a bruxa estava perto. Devia ter sentido a magia no
MaeveEu nunca havia tido problemas com outros lobos antes. Eu e vovó moramos a vida toda em uma cidade universitária pequena, bem longe de qualquer bando. Ela sempre me disse que a escolha de cidade não tinha nada a ver com isso, mas eu sabia que ela fazia de tudo para me manter em segurança. Robert dizia que minha sorte em ser dormente era que a maioria dos lobos achava que eu era humana.Mas minha sorte tinha acabado.Quando deixei Trevor na fila do mercado, estava com a cabeça em outro lugar. Ele tinha enchido o carrinho de coisas para nós dois, em momento algum parecendo se importar com o preço de tudo. E é claro que ele não se importaria, já que os cart&oti