Capítulo 3

Maeve

Acordei com o barulho do motor do meu carro sendo acelerado ao máximo. Meio grogue, me levantei com a cabeça explodindo e olhei ao redor, tentando entender o que tinha acontecido. Mas a cena era caótica demais para eu sequer absorver, quanto mais entender.

Ao meu lado, o homem de cabelos pretos que tentou me proteger, estava coberto por uma lona preta, apenas a cabeça de fora. Ele gemia, os olhos fechados com força e os cabelos grudados à testa pelo suor. Seu rosto estava vermelho e cheio de hematomas, com olheiras fundas se formando em bolsas ao redor dos olhos. Da cabeça para baixo, não havia um pedaço de pele que não estivesse roxo pelos hematomas ou coberto do sangue que vertia da mordida no pescoço.

No banco da frente, contudo, a cena parecia vinda de outra dimensão.

A bruxa dirigia animada, cantando o que parecia ser uma versão em rock de “Oh, happy day”. Seus cabelos estavam desgrenhados, a roupa amassada e a maquiagem desfeita. Enojada, eu não precisei ver o chupão em seu pescoço para saber que ela e Robert tinham transado depois da luta - o brilho doentio de seus olhos e o sorriso largo eram provas suficientes.

Entrando no modo médico, eu tirei minha camiseta, rasgando um pedaço e enrolando ao redor do ferimento que o homem tinha no pescoço. A atadura improvisada ficou ensopada no mesmo instante. Xingando, peguei toda a camiseta e pressionei o mais forte que pude no ferimento, torcendo para ser o suficiente, mas sabendo que não era.

-Uhul! A princesinha acordou pronta para a ação!

-Cala boca. - rosnei, segurando as lágrimas de raiva.

Ela riu, me fazendo querer acertar um soco em seu sorriso debochado.

-Pelo jeito um pouco de mágica fez você ficar corajosa. - ela me encarou pelo espelho retrovisor. -Cuidado para não morder a língua.

Respirei fundo, voltando minha atenção para o ferimento. Pelo jeito que ele ardia em febre, não duraria muito, mesmo sendo um lobisomem. Olhei ao redor, tentando me localizar, mas nada era familiar. Se ele não tivesse o cuidado adequado, iria morrer.

E a culpa seria minha.

-Aonde está nos levando?

-Achei que seu pai já tivesse explicado isso. - ela revirou os olhos diante do meu silêncio. -Para sua nova casa, é claro.

-Nova casa? - o pânico começou a crescer em mim ao pensar na minha vó me esperando em casa. -O que ele fez com minha avó?

-Nada, princesa. Pelo que eu saiba, sua avó a tempos precisava de cuidados médicos e nosso benevolente Alfa se dispôs a pagar as despesas. - ela sorriu. -Em troca da sua cooperação.

-Vadia! - eu cuspi, a raiva fervendo dentro de mim.

Seu olhar me encontrou pelo retrovisor e eu senti gosto de sangue na boca.

-Eu avisei. - ela voltou os olhos para a estrada. - Agora vamos ao que interessa. Seu pai tem grandes planos para o futuro do bando. E você, é claro, não está nele.

Engoli em seco.

-Não tenho pretensões de estar.

-Mas como você bem sabe, as coisas não são tão simples. - ela suspirou, ajeitando o cabelo. - O Alfa está prestes a conquistar novo território e se seus inimigos souberem da sua existência, ele pode perder muitos aliados.

Pressionei a camiseta com mais força. Já tinha ouvido aquela ladainha muitas vezes. Um primogênito fraco era sinal de um Alfa fraco. E um Alfa fraco não teria aliados.

-E porque tudo isso agora? Ninguém nunca descobriu sobre mim.

-Você não está acompanhando. -ela fez que não com a cabeça, acompanhado de um tsc, tsc, tsc que me fez querer arrancar seus olhos. -Estamos falando de guerra.

Meu sangue gelou.

-Ele ficou louco.

O carro deu uma guinada, a bruxa segurando o volante com uma mão, usou a outra para enviar ondas de choque pelo meu corpo. Arfei, lutando para manter minha mão no machucado que ainda sangrava perigosamente.

-Lave sua boca para falar do Alfa! - sua voz saíu grossa, como se se dividisse em muitas ao mesmo tempo. -  Ingrata.

Ela voltou a atenção ao trânsito, me libertando de sua influência. Eu tossi, sangue respingando no banco traseiro. Ótimo. Porque eles nunca usavam o próprio carro?

-Agora, preste atenção. -ela encostou o carro no meio-fio, se virando para me encarar. -Você foi escolhida para ajudar seu pai em um experimento. Se der certo, isso levará seu pai e muitos outros a patamares nunca nates vistos. - ela baixou o tom de voz, suas palavras penetrando fundo em minha alma. - Robert sabe o que faz. E você será recompensada com os melhores cuidados para sua avó. - ela sorriu. -Não é incrível?!

Senti a bile subir em minha garganta.

Não, não era nada incrível ser refém de seu próprio pai em uma possível guerra suicida por poder.

-Agora, princesa, faça a nós duas o favor de curar o bonitinho aí.

Meu coração parou.

-E.. eu não sei do que você está falando. - gesticulei nervosa, as mãos trêmulas tateando as costas do homem sem por cima da lona. - Ele precisa de ataduras, antibióticos… Provavelmente uma cirurgia.

Ela me cortou com um aceno de mão descontraído, mas seus olhos eram muito sérios.

-Nós duas sabemos que você não precisa de nada disso. -ela sorriu. -Robert pode não ter notado, mas eu reconheço a magia quando a vejo. -ela empinou o queixo para o machucado tampado pela camiseta. -Então acabe logo com isso para que nós três possamos ter uma conversa civilizada.

Eu a encarei, as palavras presas em minha garganta.

-Não se preocupe, esse será um segredinho só nosso. - seu sorriso cresceu largo, mostrando todos os dentes como um lobo prestes a abocanhar sua presa. -Robert já tem muito com o que se preocupar e não é de meu interesse - ela fez uma pausa. - e, eu imagino, que não seja seu também, que ninguém mais saiba disso.

Eu hesitei.

-E porque?

Ela gargalhou.

-Ah, princesa. Precisamos passar mais tempo juntas. - ela se voltou para mim, o sorriso inexistente e os olhos faíscando. -Os meus interesses são assim. Pertencem apenas a mim. Agora, se você não quer deixar a sua única chance de sobrevivência nessa guerra sangrar até a morte, é melhor você curá-lo.

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