2 – A leoa branca

               Sahira sempre ficava deslumbrada com a visão de Iana, e como seu tamanho e postura causavam uma impressão de imponência.

               A leoa vivia ali com os gatos desde que Sahira era um bebê. A gata lembrava-se que quase todos os gatos adultos saíram de suas tocas na noite em que Iana chegou, completamente exausta depois de atravessar o deserto sozinha.

               Sahira foi a única da ninhada curiosa o bastante para espiar fora da toca e dar uma olhada na estranha, o pelo alvo desgrenhado e sujo, os olhos inchados, talvez de ter levado areia no focinho. Quando Femi pegou a filha prestes a sair, deixou-a de castigo por uma semana.

               -- Não se pode sair desacompanhado. Todo filhote sabe disso – ela rosnou.

               Iana foi aceita na terra dos gatos e vivia ali pacificamente há quase três meses. Sahira imaginava como era sua terra natal, tendo certeza que não era nem perto do deserto que rodeava Bast, afinal a leoa constantemente reclamava do calor.

               A jovem gata sonhava em conhecer o mundo além daquela imensidão de areia. A leoa contava histórias sobre lugares distantes, cheios de árvores mais altas do que as locais, muitos rios, uma coisa chamada neve e felinos de vários tamanhos e cores diferentes.

               -- Olá, Sahi – Iana a cumprimentou com o apelido ao vê-la se aproximar – Chegou na hora para sua aula hoje?

               -- Me atrasei um pouquinho porque estava brincando com o Heru. Mamãe ficou bem zangada.

               -- Talento sem o conhecimento para usá-lo não serve de nada. Você ia estancar sem um mestre que ensinasse a forma certa de aplicar seu poder.

               Sahira se deitou junto de Iana e pediu que falasse dos lugares distantes por onde já passara, e a leoa contou sobre um povo do sul chamado guepardos, ou chitas; caçadores solitários conhecidos por serem os felinos mais velozes do mundo.

               Quando já estava escuro, muitos gatos saíram para a caçada noturna, pegar os animais desprevenidos do deserto. Iana se levantou para ir com eles e notou que Sahira também seguia para o norte com os adultos.

               -- Ei, aonde pensa que vai? – barrou seu caminho com a pata, duas vezes maior que ela – Não pode ir também.

               -- Não sou um filhotinho, nem bebo mais o leite da mamãe.

               -- Pode já estar velha para mamar, mas ainda é muito nova para caçar. Volte para casa, sua mãe vai trazer comida mais tarde.

               A contragosto Sahira obedeceu. A caminho da toca encontrou Heru, também indo para casa, e pulou em cima dele para se animar.

               -- Ataque surpresa é trapaça! – ele reclamou. Sahira respondeu:

               -- Os monstros do deserto não vão esperar sua permissão para atacar.

               -- Monstros do deserto – Heru miou com desdém – Isso é história para assustar bebês.

               -- E é hora desses bebês voltarem para casa – alguém pegou Sahira pelo cangote e a levantou. Ela se debateu, rindo.

               -- Me põe no chão, pai!

               -- Jahi está certo, os dois vão para casa – Aton chegou por trás de Heru, que imediatamente respondeu:

               -- Sim, pai, eu já estou indo.

               Jahi pôs a filha no chão e seguiu com o amigo para caçar. As tocas de Sahira e Heru eram próximas, e os dois seguiram juntos. Quando estavam quase chegando, a gata mordeu a cauda dele para chamar sua atenção.

               -- O que foi?

               -- Vamos caçar alguma coisa.

               -- Não temos idade...

               -- Vamos ter que aprender uma hora. Por que não hoje?

               Sahira correu para longe com Heru em seus calcanhares. Se dirigiu para o leste, onde ficava o Rio, e onde havia menos chance de encontrar alguém, ao mesmo tempo em que podia pegar um peixe facilmente.

               -- É melhor a gente voltar – Heru olhava para os lados a todo instante, com medo de alguém aparecer e os vir onde não deviam estar. Sahira o ignorou.

               -- Deixe de ser frouxo. Agora faça silêncio, quero me concentrar.

               Tinha um peixe pequeno bem próximo à margem. Era perfeito, assim não molharia muito as patas e levaria um bom prêmio para casa, o que lhe renderia muita admiração dos outros filhotes.

Estava prestes a dar o golpe quando o animal fugiu de repente. Sahira teria se perguntado o porquê e talvez se frustrado por perder a presa, mas imediatamente notou o motivo da fuga.

               Um crocodilo enorme saía da água, os olhos amarelos raivosos encarando-a com voracidade. Heru sufocou um grito de susto e Sahira disparou para longe do rio. Os dois subiram numa pedra, achando que estariam seguros, mas o réptil avançou sobre ela.

               -- Pule! – Heru gritou e ele e Sahira saltaram de volta para a areia, mas o crocodilo não desistiu.

               Os filhotes caíram desajeitados um sobre o outro, e tropeçaram ao tentar ficar de pé. O crocodilo avançou, a boca aberta gigantesca capaz de engolir os dois numa mordida.

               Ouviram um rugido e de repente o crocodilo não estava mais lá. Sahira olhou para o lado, e Iana lutava contra a fera, rosnando e desferindo golpes que rasgavam a pele escamosa do réptil, que com sua menor agilidade, não conseguia revidar.

               Por fim ele desistiu e voltou para a água. Iana observou-o desaparecer no Rio, ofegante pelo esforço e com as garras sujas de sangue.

               -- Sahira! – Femi veio correndo e a farejou aliviada. A mãe de Heru fez o mesmo com o filho, mas logo ambas se zangaram.

               -- O que pensam que estavam fazendo? Podiam ter sido mortos!

               -- O Heru não queria vir, eu o convenci – Sahira defendeu o amigo. Femi olhou feio para ela.

               -- Vamos para casa – disse secamente e saiu andando. Sahira mandou um tchau para Heru e seguiu a mãe com a cauda abaixada.

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