Sahira sempre ficava deslumbrada com a visão de Iana, e como seu tamanho e postura causavam uma impressão de imponência.
A leoa vivia ali com os gatos desde que Sahira era um bebê. A gata lembrava-se que quase todos os gatos adultos saíram de suas tocas na noite em que Iana chegou, completamente exausta depois de atravessar o deserto sozinha.
Sahira foi a única da ninhada curiosa o bastante para espiar fora da toca e dar uma olhada na estranha, o pelo alvo desgrenhado e sujo, os olhos inchados, talvez de ter levado areia no focinho. Quando Femi pegou a filha prestes a sair, deixou-a de castigo por uma semana.
-- Não se pode sair desacompanhado. Todo filhote sabe disso – ela rosnou.
Iana foi aceita na terra dos gatos e vivia ali pacificamente há quase três meses. Sahira imaginava como era sua terra natal, tendo certeza que não era nem perto do deserto que rodeava Bast, afinal a leoa constantemente reclamava do calor.
A jovem gata sonhava em conhecer o mundo além daquela imensidão de areia. A leoa contava histórias sobre lugares distantes, cheios de árvores mais altas do que as locais, muitos rios, uma coisa chamada neve e felinos de vários tamanhos e cores diferentes.
-- Olá, Sahi – Iana a cumprimentou com o apelido ao vê-la se aproximar – Chegou na hora para sua aula hoje?
-- Me atrasei um pouquinho porque estava brincando com o Heru. Mamãe ficou bem zangada.
-- Talento sem o conhecimento para usá-lo não serve de nada. Você ia estancar sem um mestre que ensinasse a forma certa de aplicar seu poder.
Sahira se deitou junto de Iana e pediu que falasse dos lugares distantes por onde já passara, e a leoa contou sobre um povo do sul chamado guepardos, ou chitas; caçadores solitários conhecidos por serem os felinos mais velozes do mundo.
Quando já estava escuro, muitos gatos saíram para a caçada noturna, pegar os animais desprevenidos do deserto. Iana se levantou para ir com eles e notou que Sahira também seguia para o norte com os adultos.
-- Ei, aonde pensa que vai? – barrou seu caminho com a pata, duas vezes maior que ela – Não pode ir também.
-- Não sou um filhotinho, nem bebo mais o leite da mamãe.
-- Pode já estar velha para mamar, mas ainda é muito nova para caçar. Volte para casa, sua mãe vai trazer comida mais tarde.
A contragosto Sahira obedeceu. A caminho da toca encontrou Heru, também indo para casa, e pulou em cima dele para se animar.
-- Ataque surpresa é trapaça! – ele reclamou. Sahira respondeu:
-- Os monstros do deserto não vão esperar sua permissão para atacar.
-- Monstros do deserto – Heru miou com desdém – Isso é história para assustar bebês.
-- E é hora desses bebês voltarem para casa – alguém pegou Sahira pelo cangote e a levantou. Ela se debateu, rindo.
-- Me põe no chão, pai!
-- Jahi está certo, os dois vão para casa – Aton chegou por trás de Heru, que imediatamente respondeu:
-- Sim, pai, eu já estou indo.
Jahi pôs a filha no chão e seguiu com o amigo para caçar. As tocas de Sahira e Heru eram próximas, e os dois seguiram juntos. Quando estavam quase chegando, a gata mordeu a cauda dele para chamar sua atenção.
-- O que foi?
-- Vamos caçar alguma coisa.
-- Não temos idade...
-- Vamos ter que aprender uma hora. Por que não hoje?
Sahira correu para longe com Heru em seus calcanhares. Se dirigiu para o leste, onde ficava o Rio, e onde havia menos chance de encontrar alguém, ao mesmo tempo em que podia pegar um peixe facilmente.
-- É melhor a gente voltar – Heru olhava para os lados a todo instante, com medo de alguém aparecer e os vir onde não deviam estar. Sahira o ignorou.
-- Deixe de ser frouxo. Agora faça silêncio, quero me concentrar.
Tinha um peixe pequeno bem próximo à margem. Era perfeito, assim não molharia muito as patas e levaria um bom prêmio para casa, o que lhe renderia muita admiração dos outros filhotes.
Estava prestes a dar o golpe quando o animal fugiu de repente. Sahira teria se perguntado o porquê e talvez se frustrado por perder a presa, mas imediatamente notou o motivo da fuga.
Um crocodilo enorme saía da água, os olhos amarelos raivosos encarando-a com voracidade. Heru sufocou um grito de susto e Sahira disparou para longe do rio. Os dois subiram numa pedra, achando que estariam seguros, mas o réptil avançou sobre ela.
-- Pule! – Heru gritou e ele e Sahira saltaram de volta para a areia, mas o crocodilo não desistiu.
Os filhotes caíram desajeitados um sobre o outro, e tropeçaram ao tentar ficar de pé. O crocodilo avançou, a boca aberta gigantesca capaz de engolir os dois numa mordida.
Ouviram um rugido e de repente o crocodilo não estava mais lá. Sahira olhou para o lado, e Iana lutava contra a fera, rosnando e desferindo golpes que rasgavam a pele escamosa do réptil, que com sua menor agilidade, não conseguia revidar.
Por fim ele desistiu e voltou para a água. Iana observou-o desaparecer no Rio, ofegante pelo esforço e com as garras sujas de sangue.
-- Sahira! – Femi veio correndo e a farejou aliviada. A mãe de Heru fez o mesmo com o filho, mas logo ambas se zangaram.
-- O que pensam que estavam fazendo? Podiam ter sido mortos!
-- O Heru não queria vir, eu o convenci – Sahira defendeu o amigo. Femi olhou feio para ela.
-- Vamos para casa – disse secamente e saiu andando. Sahira mandou um tchau para Heru e seguiu a mãe com a cauda abaixada.
Femi parou perto da entrada da toca e se sentou. Sahira engoliu em seco antes de parar ao seu lado. Começou a se desculpar: -- Mãe... -- Sahira, você não vai ser a feiticeira chefe da família depois de mim. -- O quê?! Por quê? -- Você me desobedeceu, se pôs em perigo e Heru também. Não pode ser boa maga sendo tão imprudente, então não me deixa escolha senão nomear Sef como meu sucessor.  
-- De onde aqueles grandalhões vieram? E por que nos atacaram? – Sahira não parava de perguntar. Ela e Iana estavam andando há um bom tempo, e Bast até já desaparecera no horizonte – Desde quando leões e tigres vivem juntos? Iana suspirou, percebendo que a gata não desistiria até obter respostas, e resolveu explicar: -- É uma longa história, mas também é um longo caminho que temos à frente, o bastante para eu contar. Há alguns anos, bem antes de você nascer, leões do reino de Xangô e tigres de um território chamado Brahma travaram uma guerra. Não importa porque começou ou terminou, mas
Só quando os primeiros raios do sol apareceram no horizonte, Iana procurou uma grande rocha e se deitou à sua sombra. A essa altura Sahira não aguentava mais a sede, e aparentemente Iana também não. Sua língua caía da boca aberta, comprida e seca. Depois de andar a noite inteira e sem água nem comida, nenhum felino duraria muito quando o calor do deserto chegasse ao ápice. Sahira olhou ao redor à procura de algo para beber, e lá longe avistou um oásis. -- Iana, espere aqui, vou procurar água. E saiu correndo antes que ela pudesse fazer objeções.
Sahira olhou para o conflito que se desenrolava e respondeu: -- Sair? Mas e a mamãe, papai e todo mundo? -- Não podemos contra todos. Há um jeito de tirar esses invasores daqui, mas temos que partir agora. Iana pegou Sahira pelo cangote da mesma forma que seus pais faziam, e diferente do que a jovem gata esperava, a leoa entrou no Rio. Não a ponto de ter que nadar, mas com o nível da água chegando quase a seu peito. Várias vezes a cauda de Sahira se molhou enquanto Iana avançava. Ela seguiu a correnteza, rum
Enquanto Sahira encontrava ajuda em seu segundo dia de viagem no deserto, Sef imaginava quanto tempo mais a sua viagem levaria. Ao amanhecer do dia seguinte à invasão dos leões e tigres, o gato só teve tempo de se despedir rapidamente da família antes de partir. Aparentemente os tigres estava muito ansiosos para sair daquele “punhado de areia escaldante”. O tigre chefe do grupo fez Sef correr por si mesmo, mas em menos de um minuto ficou claro que um gato com menos de quatro meses, ainda filhote, não podia acompanhar a velocidade dos felinos de grande porte. Uma tigresa voltou quando ele ficou para trás. &n
Os caracais moravam num pequeno oásis, a algumas horas de viagem da terra de Xangô, ao sul. Segundo Betserai, o caracal que as trouxe, de vez em quando eles iam para a savana caçar, quando o período de seca era mais forte. As cores daqueles felinos não tinham tanta variação, todos podiam se camuflar na areia. Com exceção de um pequeno grupo de pelos negros, que Sahira supôs serem os feiticeiros, e que foram ao encontro das recém-chegadas. Enquanto Iana explicava a situação, os filhotes de caracal chamaram Sahira para brincar. Eram maiores que ela, mas não tanto quanto gatos crescidos. Apesar disso, ela se sentia um pouco entre adultos.
Conforme prometido pelo caracal negro, o resto da viagem foi muito mais tranquilo. Quando faltava comida, surgiam lagartos, cobras e aves que eram facilmente apanhados, uma brisa agradável ajudava a suportar o calor do dia por mais tempo, e mesmo a noite não parecia tão gelada. Em pouco mais de um dia de viagem, Sahira avistou algo diferente no horizonte. Perguntou a Iana: -- O que é aquilo? -- Ora – Iana arregalou os olhos, aliviada – É o Rio Verde! A gata começou a correr, e mesmo com o sol nascendo já
Sentiu dentes se fecharem atrás de seu pescoço e se contorceu na tentativa de se libertar, mas o felino tinha mandíbulas fortes. Sahira levantou a pata traseira como para se coçar e arranhou a cara de seu atacante. Ele largou Sahira e recuou, rosnando. A gata nunca vira um felino igual; tinha orelhas e patas curtas, pelo laranja que permitia se camuflar perfeitamente no chão, uma cauda quase tão longa quanto o corpo e, embora fosse menor que um caracal, aparentava muito mais ferocidade. -- Quem é você? O que quer? – ela perguntou, os músculos tensos prontos para uma briga. -- Voc&e