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A Feiticeira de Bast
A Feiticeira de Bast
Por: Victoria Franco Nogueira
1 – Os gatos de Bast

O deserto era um enorme mar de areia, imerso em um silêncio quase tão forte quanto o calor do sol da tarde, quebrado apenas pelo soar ocasional do vento.

               O pelo cinza listrado de Heru era quase um farol no meio da areia clara, mas ele mantinha-se encolhido na sombra de um cacto, sem saber que havia alguém às suas costas. A jovem gata preparou o bote, a cauda agitada, os músculos retesados e balançando os ombros, e pulou. Heru miou de susto e os dois rolaram pelo chão.

               -- Sahira, saia de cima de mim! – o pequeno macho exclamou e se debateu, mal humorado. A gatinha de pelos negros se afastou sorridente.

               -- Você está chateado porque eu ganhei. Tocaiei você, e nem percebeu. Sou a melhor caçadora do mundo!

               -- Mas você atacou por trás.

               -- Um caçador ataca de qualquer lado. Foi você que não me ouviu chegando.

               Heru pulou na amiga e de novo os dois rolaram na areia, trocando mordidas e golpes fraquinhos de filhote, e mais uma vez terminou com Sahira por cima.

               -- Ganhei de novo. Sou a melhor lutadora também.

               -- Crianças, parem com isso – Aton, pai de Heru, se aproximou. Tinha o mesmo pelo cinza com listras pretas, mas os olhos eram igualmente azuis, enquanto os do filho eram um amarelo e um azul.

Ele era um caçador do deserto, sabia encontrar presas até mesmo enterradas na areia, e ensinava tudo que sabia a Heru, que tinha vontade de aprender tudo sobre a terra onde viviam.

               -- Só estávamos brincando de esconde-esconde, pai.

               -- E de luta também, não é? – o gato adulto riu – Sahira, sua mãe está te chamando.

               A gata imediatamente ficou de pé e se dirigiu para casa.

               -- Tchau, Heru, agora tenho aula para ser a melhor feiticeira também.

               Correu para a toca de sua família, no interior de uma grande rocha. Seu irmão Sef esperava sua chegada ao lado da mãe, Femi, que não estava nada satisfeita. Sahira se encolheu, sabendo que aquele olhar significava carão, e se explicou:

               -- Eu estava brincando com o Heru e perdi a noção da hora...

               -- Não pode ser boa feiticeira se não consegue nem chegar na hora da aula.

               -- Desculpe, mamãe.

               Os três tinham pelagem negra como a noite. Somente gatos com essa cor eram capazes de usar magia, por isso a família era uma das mais importantes da região, e gerava magos de grande habilidade há várias gerações.

               Femi era a feiticeira chefe da família, e de sua ninhada de quatro filhotes, Sahira e Sef herdaram a cor do pelo e o talento para a magia. Quase todos os dias a matriarca dava lições de feitiços aos dois.

               O sol já se punha quando a aula acabou. Sahira saiu da toca quase correndo, ansiosa para fazer algo mais emocionante. Por mais que gostasse de aprender magia, a aula daquele dia se focara mais em História, e a jovem aprendiz gostava de ouvi-las na forma de lendas, não do jeito mecânico da mãe.

               Do lado de fora, brincou com seus outros dois irmãos, Caleb e Roxane, ambos malhados como o pai, depois subiu a encosta que marcava o limite da terra de Bast com o vasto deserto. No alto dela, deitada numa pedra, se encontrava uma magnífica leoa, de pelos brancos como as nuvens que raramente se viam naquele céu.

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