Femi parou perto da entrada da toca e se sentou. Sahira engoliu em seco antes de parar ao seu lado. Começou a se desculpar:
-- Mãe...
-- Sahira, você não vai ser a feiticeira chefe da família depois de mim.
-- O quê?! Por quê?
-- Você me desobedeceu, se pôs em perigo e Heru também. Não pode ser boa maga sendo tão imprudente, então não me deixa escolha senão nomear Sef como meu sucessor.
-- Eu queria... – ela hesitou – fazer algo emocionante, diferente.
-- Sei o quanto você quer ir além da sua casa e como é indomável esse seu espírito aventureiro – o tom de Femi se acalmou e ela olhou para a filha – Mas entenda que ainda é muito pequena para se aventurar sozinha.
-- Sou muito pequena para fazer tudo.
-- Eu disse ainda – Femi acariciou a cabeça de Sahira com o focinho – Daqui a um mês você completa quatro meses, e não vai mais ser um filhote. Até lá também vai melhorar na magia e pode ser a melhor feiticeira da família em gerações. Só precisa ter paciência.
Sahira ergueu as orelhas, animada.
-- Acha mesmo que posso ser a melhor feiticeira?
-- Tem todo o talento necessário – a mãe fez cócegas na barriga dela – Só precisa chegar na hora das aulas.
-- Sim, mamãe. Pode deixar – Sahira pulou na cabeça da mãe e Femi a ergueu do chão, rindo, para depois se deitar e rolar no chão. As duas gargalharam tão alto que Sef, Roxane e Caleb apareceram na entrada da toca.
-- Mamãe, aconteceu algum problema? – Sef indagou ao reparar que ela não trazia caça nenhuma.
-- Um contratempo. Papai vai trazer comida mais tarde, agora entrem em casa. Teremos aula de magia amanhã cedinho.
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Sahira compareceu pontualmente a todas as aulas de magia e prestou atenção até às aulas de História depois daquela noite, levando Sef a perguntar:
-- Quem é você e o que fez com a minha irmã?
Indiferente às gozações do filho, Femi não podia estar mais satisfeita com o compromisso de Sahira, tanto que confidenciou aos dois após dominarem uma mágica mais avançada:
-- Amanhã eu falarei da magia mais secreta do nosso povo.
Os dois jovens gatos se entreolharam, curiosos pelo que a mãe teria para ensinar.
Quando o sol tocava o horizonte arenoso do deserto, Sahira e os três irmãos foram brincar num canteiro de cactos. Os filhotes de Bast sempre brincavam lá para aperfeiçoar habilidades de caça e rastreamento.
Sahira e Roxane atacaram Caleb, e contra as duas juntas ele não teve chance. Depois de um longo jogo de esconde-esconde, os quatro irmãos se deitaram lado a lado, vendo o céu passar de vermelho e laranja para rosa, violeta e o escuro da noite salpicado de estrelas.
-- Ei, pessoal – Heru se aproximou correndo – A festa vai começar, vamos lá.
Aquela seria uma noite especial, teria um eclipse lunar, uma ocasião mística para o povo de Bast. Todos os gatos se reuniram perto da margem do Rio para esperar a lua ficar vermelha. Sentados observando os mais velhos dançarem, Sef perguntou a Sahira:
-- O que acha que será essa mágica secreta que a mamãe vai ensinar?
-- Não sei. Voar? – Sahira opinou. Sef riu.
-- Voar? E você já viu um gato voador? Acho que não. Pode ter a ver com a Lua Vermelha.
-- Onde está a Iana? – ela mudou de assunto. Não falara muito com a leoa após o incidente com o crocodilo. Roxane respondeu:
-- Ela foi para o deserto. Caçar, eu acho.
-- Vou chama-la para ver a Lua Vermelha, daqui a pouco vai começar.
Ela foi na direção indicada pela irmã. O burburinho e a cantoria da festa ficaram mais baixos à medida que Sahira se distanciava, dando lugar ao silêncio da noite. Olhou ao redor à procura de Iana, só encontrando a areia, branca acinzentada sob a luz da lua.
Não, havia algo além da areia, se aproximando rapidamente, Sahira apertou os olhos e distinguiu felinos, grandes como Iana, seriam leões? Estavam vindo do sul, em direção a Bast.
Sahira não entendia o que eles faziam adentrando tão profundamente no deserto, e pensou se estariam ali pela mesma razão que Iana. Mas ela nunca falou o motivo de ter partido...
Pensando muito nisso, só reparou que eles não pareciam nada amigáveis quando estavam em frente a ela, e estando tão perto de suas caras mal humoradas, ficou muito assustada para pedir ajuda.
-- Isso é um gato? – uma leoa musculosa perguntou. O outro ao lado dela não era um leão, era maior e tinha listras no pelo. Um tigre.
-- Sim, nós chegamos. Vejam, tem mais deles ali – ele indicou com a cabeça os gatos festejando – Vamos lá.
Antes que dessem o primeiro passo, Sahira disparou de volta para casa, chamando:
-- Mãe! Pai! Senhor Husani!
Seus pais e o líder do clã vieram correndo e viram os felinos grandes se aproximando. O tigre maior anunciou enquanto os demais se espalhavam e cercavam a vila:
-- Pequenos felinos do deserto, esta terra é agora reivindicada pelo rei Ekom, do sul. Não resistam e ninguém será ferido.
Mas alguns estavam dispostos a arriscar. O pai de Heru avançou na pata de um leão de juba curta, seguido por vários outros. Logo começou um caos de gatos atacando leões e tigres, e estes facilmente se defendiam.
-- Escondam-se na toca – Femi ordenou aos filhotes antes de partir para o combate também.
Um tigre jovem tentou barrar o caminho dos quatro. Sahira usou magia para jogar areia nos olhos dele, permitindo que os irmãos prosseguissem, mas o tigre golpeou cegamente e jogou Sahira para longe.
Ela percorreu um arco mais de um metro acima do chão e aterrissou na areia macia, próxima a plantas papiro, e antes de mesmo de se situar, o tigre estava na frente dela, limpando os olhos com a pata. Sahira recuou para o meio dos caules, mas mesmo parcialmente cego, ele podia farejá-la, e logo seu rosto estava a centímetros dela.
Acuada, Sahira arranhou o focinho do tigre, que recuou com um rugido antes de erguer a pata com as garras de fora.
Outra leoa saltou nele antes que desferisse o golpe e o mordeu no pescoço.
-- Iana! – Sahira exclamou aliviada. A leoa branca voltou-se para ela.
-- Vamos, Sahi, precisamos sair daqui.
-- De onde aqueles grandalhões vieram? E por que nos atacaram? – Sahira não parava de perguntar. Ela e Iana estavam andando há um bom tempo, e Bast até já desaparecera no horizonte – Desde quando leões e tigres vivem juntos? Iana suspirou, percebendo que a gata não desistiria até obter respostas, e resolveu explicar: -- É uma longa história, mas também é um longo caminho que temos à frente, o bastante para eu contar. Há alguns anos, bem antes de você nascer, leões do reino de Xangô e tigres de um território chamado Brahma travaram uma guerra. Não importa porque começou ou terminou, mas
Só quando os primeiros raios do sol apareceram no horizonte, Iana procurou uma grande rocha e se deitou à sua sombra. A essa altura Sahira não aguentava mais a sede, e aparentemente Iana também não. Sua língua caía da boca aberta, comprida e seca. Depois de andar a noite inteira e sem água nem comida, nenhum felino duraria muito quando o calor do deserto chegasse ao ápice. Sahira olhou ao redor à procura de algo para beber, e lá longe avistou um oásis. -- Iana, espere aqui, vou procurar água. E saiu correndo antes que ela pudesse fazer objeções.
Sahira olhou para o conflito que se desenrolava e respondeu: -- Sair? Mas e a mamãe, papai e todo mundo? -- Não podemos contra todos. Há um jeito de tirar esses invasores daqui, mas temos que partir agora. Iana pegou Sahira pelo cangote da mesma forma que seus pais faziam, e diferente do que a jovem gata esperava, a leoa entrou no Rio. Não a ponto de ter que nadar, mas com o nível da água chegando quase a seu peito. Várias vezes a cauda de Sahira se molhou enquanto Iana avançava. Ela seguiu a correnteza, rum
Enquanto Sahira encontrava ajuda em seu segundo dia de viagem no deserto, Sef imaginava quanto tempo mais a sua viagem levaria. Ao amanhecer do dia seguinte à invasão dos leões e tigres, o gato só teve tempo de se despedir rapidamente da família antes de partir. Aparentemente os tigres estava muito ansiosos para sair daquele “punhado de areia escaldante”. O tigre chefe do grupo fez Sef correr por si mesmo, mas em menos de um minuto ficou claro que um gato com menos de quatro meses, ainda filhote, não podia acompanhar a velocidade dos felinos de grande porte. Uma tigresa voltou quando ele ficou para trás. &n
Os caracais moravam num pequeno oásis, a algumas horas de viagem da terra de Xangô, ao sul. Segundo Betserai, o caracal que as trouxe, de vez em quando eles iam para a savana caçar, quando o período de seca era mais forte. As cores daqueles felinos não tinham tanta variação, todos podiam se camuflar na areia. Com exceção de um pequeno grupo de pelos negros, que Sahira supôs serem os feiticeiros, e que foram ao encontro das recém-chegadas. Enquanto Iana explicava a situação, os filhotes de caracal chamaram Sahira para brincar. Eram maiores que ela, mas não tanto quanto gatos crescidos. Apesar disso, ela se sentia um pouco entre adultos.
Conforme prometido pelo caracal negro, o resto da viagem foi muito mais tranquilo. Quando faltava comida, surgiam lagartos, cobras e aves que eram facilmente apanhados, uma brisa agradável ajudava a suportar o calor do dia por mais tempo, e mesmo a noite não parecia tão gelada. Em pouco mais de um dia de viagem, Sahira avistou algo diferente no horizonte. Perguntou a Iana: -- O que é aquilo? -- Ora – Iana arregalou os olhos, aliviada – É o Rio Verde! A gata começou a correr, e mesmo com o sol nascendo já
Sentiu dentes se fecharem atrás de seu pescoço e se contorceu na tentativa de se libertar, mas o felino tinha mandíbulas fortes. Sahira levantou a pata traseira como para se coçar e arranhou a cara de seu atacante. Ele largou Sahira e recuou, rosnando. A gata nunca vira um felino igual; tinha orelhas e patas curtas, pelo laranja que permitia se camuflar perfeitamente no chão, uma cauda quase tão longa quanto o corpo e, embora fosse menor que um caracal, aparentava muito mais ferocidade. -- Quem é você? O que quer? – ela perguntou, os músculos tensos prontos para uma briga. -- Voc&e
Vários jaguares e onças estavam reunidos junto a uma grande rocha, discutindo uns com os outros. Kerana indicou o jaguar que subia na rocha. -- Aquele é o rei Ivair, e a fêmea atrás dele é a rainha Nanine. -- Atenção, por favor – ele falou mais alto que os demais – Precisamos decidir o que fazer quanto aos leões. -- Temos que atacá-los antes que eles se movam, para que saibam o que os espera se comprarem briga conosco! – gritou uma onça jovem. -- Não podemos atac&