CAPÍTULO: 4

**YELENA***

— O dinheiro voou no ar antes de cair aos meus pés, espalhando-se pelo chão sujo da calçada. Meu peito se apertou de indignação. Quem aquele homem pensava que era para me tratar assim? Como se eu fosse um objeto, como se minha dignidade pudesse ser comprada e jogada ao vento. Eu sou um ser humano. Não sou um capacho. Nem os animais podem mais ser maltratados assim, e ainda assim, ali estava eu, sendo humilhada por alguém que achava que o dinheiro lhe dava poder sobre tudo.

Respirei fundo, sentindo o nó se formar na minha garganta. Me levantei devagar, sacudindo a poeira do vestido que, para mim, era lindo. Para ele, talvez fosse apenas um trapo insignificante. Mas ele nunca entenderia o que é não ter o que vestir, o que é escolher entre comprar comida ou pagar a conta de luz. Minhas flores – pelo menos isso – tinham saído ilesas.

Olhei para aquelas notas espalhadas e minha primeira reação foi deixá-las ali, seguir meu caminho e manter meu orgulho intacto. Mas então, a realidade me atingiu com força. Em casa, não havia mais nada para comer. A imagem de Maysa veio à minha mente – minha irmãzinha não podia ir para a escola de estômago vazio. Já não nos alimentávamos bem, e a ideia de passar mais um dia sem comida me fez sentir um peso no peito.

Engoli o orgulho. Me abaixei com calma, reunindo as cédulas uma a uma, enquanto as lágrimas ardiam nos meus olhos. Aquela era a minha sobrevivência. Guardando o dinheiro na bolsa com os dedos trêmulos, ergui o rosto para o céu nublado e respirei fundo. Se isso era um castigo, eu ainda não sabia. Mas precisava seguir em frente.

Decidi pegar um táxi até o Mercadão Angeloni. Pela primeira vez, entrei naquele mercado sem precisar contar as moedas antes de colocar algo no carrinho. Caminhei pelos corredores sentindo uma estranha mistura de alívio e dor. Peguei arroz, feijão, leite, frutas. No açougue, escolhi apenas as coisas que Maysa gostava – pela primeira vez, não precisei me limitar ao básico. E, por fim, parei diante das prateleiras de biscoitos e chocolates. Peguei dois de cada. Ela ama essas coisas.

Quando cheguei ao caixa e vi o total da compra – oitocentos reais –, um arrepio percorreu meu corpo. Nunca, em toda minha vida, achei que teria tanto para gastar em comida. Ao pagar e ver aquelas sacolas cheias, um sorriso pequeno, quase tímido, se formou nos meus lábios. Pela primeira vez em muito tempo, senti um lampejo de felicidade.

Peguei outro táxi para casa, abraçada às sacolas como se fossem um tesouro. No caminho, fechei os olhos e agradeci. A humilhação do dia ainda pesava no meu peito, mas ao pensar no brilho nos olhos de Maysa ao ver aquela comida, soube que tudo valeria a pena. Afinal, talvez até mesmo os piores momentos tivessem seu propósito.

Assim que parei diante da porta de casa, soltei um suspiro pesado. A tarde estava quente, e o cansaço pesava em meus ombros como correntes invisíveis. Abri a porta do carro e comecei a retirar as sacolas de compras. O taxista já estava pago, então apenas acenei um breve adeus antes de vê-lo partir, deixando-me sozinha diante da minha realidade dura e implacável.

Minha casa nunca foi bonita. Pelo contrário, era um pedaço de abandono em meio ao concreto. O muro estava esfarelando, rachaduras serpenteando sua superfície como cicatrizes antigas. O portão de ferro, enferrujado e torto, mal cumpria sua função de proteger o que já estava perdido. A fachada era uma mistura de sujeira de chuva, poeira acumulada e tempo maltratado. A porta de madeira, velha e estufada, rangia em protesto quando a empurrei para entrar.

Ao cruzar o limiar, meus olhos se fixaram na pequena figura esparramada no sofá. Maysa estava deitada, encolhida como um gato arisco. Assim que ouviu meus passos, se mexeu sobressaltada, os olhos arregalados pelo susto. Por um segundo, achei que seu coração ia pular do peito, mas logo vi o alívio tomar conta dela ao perceber que era eu e não nossa mãe. Ela sabia que eu jamais chegaria naquele horário, por isso ficou tão espantada pensando, que fosse nossa mãe.

Seu olhar rapidamente desviou para as sacolas em minhas mãos. Um brilho tomou conta de seus olhos, um brilho tão intenso que por um instante pareceu apagar toda a escuridão daquela casa. Seu sorriso se alargou, e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela saltou do sofá, soltando um gritinho de alegria. Correu até mim e me envolveu em um abraço apertado, seu corpo pequeno vibrando de animação.

Fiquei feliz com sua reação. Sabia que isso significava muito para ela.

YELENA: Vamos, querida, me ajuda a guardar essas compras — falei, tentando disfarçar a emoção que subia pela garganta.

Ela sorriu e disparou na frente, indo direto para a cozinha. Eu a segui, colocando as sacolas sobre a mesa enquanto ela já abria uma por uma, os olhos arregalando a cada novidade que encontrava. Era como se estivesse diante de um tesouro.

Por um instante, me perdi nos meus próprios pensamentos, observando-a com um misto de ternura e culpa. Só despertei quando sua voz suave e doce cortou o silêncio.

MAYSA: Mana… não querendo ser ingrata, sabe, eu agradeço muito por isso, mas… — Hesitou, olhando para a quantidade de comida sobre a mesa. — Como você conseguiu comprar tudo isso? Nem se vendesse vinte flores daria pra pagar…

Engoli em seco e tentei sorrir, jogando os ombros para trás.

YELENA: Longa história, pequena. Só confia em mim, tá? Não foi dinheiro sujo, pode acreditar.

Ela me olhou por um instante, avaliando minhas palavras, e então deu de ombros.

MAYSA: Não ia te julgar se fosse — murmurou, com um pequeno sorriso. — Afinal, é você quem traz comida pra casa, quem cuida de mim. Eu nunca iria contra você, mana.

Seu tom era firme, sem hesitação. Meu peito apertou. Apenas sorri em resposta e continuei guardando as coisas no armário, tentando ignorar o nó que se formava na minha garganta.

Peguei o pacote de café e senti o peso das lembranças me esmagando. Nossa mãe adorava café. Era uma das poucas coisas que a acalmavam. Fechei os olhos por um instante e, contra minha vontade, me vi pensando nela. Nunca me deu carinho, não que eu me lembre. Nunca me olhou com ternura, nunca me protegeu do mundo. Mas, de alguma forma, sua ausência ainda doía.

Se ela estivesse aqui agora, com certeza inventaria alguma teoria absurda, só para me rebaixar, para me fazer sentir pequena.

Mas, no fundo, eu ainda esperava. Esperava que um dia ela mudasse. Que um dia pudesse olhar para nós e enxergar as filhas incríveis que éramos.

Que um dia se arrependesse por não ter nos amado como deveria.

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