***YELENA***
A semana começou de maneira diferente. O céu, que nos últimos dias costumava apresentar um tom cinza opaco e pesando sobre nós, hoje brilhava em um azul intenso, como se o universo tivesse decidido me conceder um momento de paz. Esse sentimento talvez estivesse ligado ao fato de que minha mãe estava desaparecida há algum tempo. Maysa e eu buscávamos aproveitar essa rara tranquilidade como um presente dos deuses. Deus me perdoe por isso, mas é tão revigorante viver sem sua presença, longe de seus gritos e do cheiro ácido da bebida que impregnava nosso lar. Com a ausência de minha mãe, nossa vizinha Cassandra finalmente se aproximou. Sempre mantivera uma certa distância, receosa das bebedeiras e dos escândalos que minha mãe costumava provocar. No entanto, nesses dias, ela começou a se mostrar mais presente. Jovem, viúva e sem filhos, Cassandra era uma mulher de olhar doce e mãos delicadas. E, apesar de ser um pensamento proibido, não conseguia evitar: como teria sido se Maysa e eu fôssemos suas filhas? Ela nos tratava com tanto carinho, como se já nos tivesse acolhido em seu coração. Porém, a vida escolheu um caminho diferente para nós, e apenas restava aceitá-lo. Antes de ir para a escola, Maysa me surpreendeu ao me entregar um vestido. Era longo, de fundo preto salpicado com girassóis amarelos vibrantes. Meus dedos deslizaram reverentemente sobre o tecido. Já fazia muito tempo que não recebia algo assim. Minhas roupas estavam velhas, desgastadas pelo tempo e pela falta de recursos. Eu mal me recordava da última vez que tinha comprado algo novo para mim. Maysa, ao perceber minha emoção, deu de ombros. MAYSA: Não gostei muito dele, mas sabia que você ia amar — disse, rindo. YELENA: Obrigada, minha irmã. Eu amei. E ela estava certa. Aquela peça era um pequeno luxo em meio à nossa dura realidade. Depois que Maysa saiu, dediquei-me a cuidar do meu pequeno jardim. Hoje era dia de vender tulipas. Vermelhas, amarelas, alaranjadas — suas pétalas abertas exibiam uma beleza vibrante. O perfume suave preenchia minhas narinas enquanto eu colhia cada uma delas com cuidado, imaginando que suas novas donas as apreciariam tanto quanto eu. --- Horas depois... O sol já estava alto quando cheguei ao semáforo. Quatro horas se passaram e eu ainda não havia vendido uma única flor. O desânimo se espalhava em meu peito como erva daninha. Apertando os lábios, tentei afastar os pensamentos negativos. Se eu permanecesse ali parada, nada mudaria. Era hora de ir ao encontro das pessoas, em vez de esperar que elas viessem até mim. Caminhei até uma avenida movimentada e, ao cruzá-la, meus olhos se depararam com um edifício imponente. Totalmente revestido por vidro, refletia o céu, como se fosse uma extensão dele. No topo, o logotipo MT brilhava, simbolizando poder e prestígio. O ambiente era agitado, com homens e mulheres trajando ternos impecáveis, transitando apressadamente, enquanto o som de seus saltos e sapatos caros ressoava pelo chão. Respirei fundo e atravessei a avenida. Se eu conseguisse vender algumas flores ali, talvez o dia não se mostrasse um completo fracasso. Estabeleci-me na calçada e observei os transeuntes. Com um sorriso esperançoso, comecei a oferecer as tulipas. Em menos de quinze minutos, já havia vendido cinco. O sentimento de fracasso começava a se dissipar quando avistei um homem de semblante simpático e me dirigi até ele, pronta para oferecer uma flor. Foi então que cruzamos olhares. Meu coração afundou no peito. Não. Não podia ser. Que azar! Ele novamente? Meu corpo enrijeceu. As tulipas em minhas mãos tornaram-se um peso morto. Ele me avistou. Seus olhos se estreitaram, analisando-me com um olhar penetrante e carregado de superioridade. Seu terno impecável e sua postura confiante exalavam poder e desdém. Todo o barulho da avenida, as vozes e os passos apressados ao redor pareciam desaparecer, deixando apenas aquele olhar intenso fixo em mim. Ele começou a se aproximar. Cada passo que dava ecoava profundamente em meu peito. Senti minhas mãos suarem e minha respiração acelerar. Correr? Impossível. Minhas pernas estavam enraizadas no solo. Eu não tinha para onde ir. Ele se aproximou ainda mais, e o perfume amadeirado que exalava preenchia o ar entre nós. E agora? O que eu faço? Ele se aproximou e, já sentia o medo do que poderia acontecer. Seu olhar frio e carregado de raiva me atingiu em cheio. — Você só pode estar me seguindo, sua garota nojenta. Se você deseja vender algo, talvez seja interessante usar uma roupa mais apropriada; está parecendo que pegou essa roupa em um lixão. O que você realmente quer, garota? Dinheiro, certo? Yelena: Não, senhor, eu juro que não estou te seguindo. Estou apenas tentando vender minhas flores em paz. —Está aí o dinheiro por essas porcaria, mas não cruze mais o meu caminho, garota. Ele se vai, e eu acabo chorando, ajoelhada, olhando para as minhas flores no chão, todas destruídas, enquanto o dinheiro que ele jogou também está ali. Fico em dúvida se devo pegar ou não.**YELENA***— O dinheiro voou no ar antes de cair aos meus pés, espalhando-se pelo chão sujo da calçada. Meu peito se apertou de indignação. Quem aquele homem pensava que era para me tratar assim? Como se eu fosse um objeto, como se minha dignidade pudesse ser comprada e jogada ao vento. Eu sou um ser humano. Não sou um capacho. Nem os animais podem mais ser maltratados assim, e ainda assim, ali estava eu, sendo humilhada por alguém que achava que o dinheiro lhe dava poder sobre tudo.Respirei fundo, sentindo o nó se formar na minha garganta. Me levantei devagar, sacudindo a poeira do vestido que, para mim, era lindo. Para ele, talvez fosse apenas um trapo insignificante. Mas ele nunca entenderia o que é não ter o que vestir, o que é escolher entre comprar comida ou pagar a conta de luz. Minhas flores – pelo menos isso – tinham saído ilesas.Olhei para aquelas notas espalhadas e minha primeira reação foi deixá-las ali, seguir meu caminho e manter meu orgulho intacto. Mas então, a real
†****Miriam***Tenho 54 anos. Cinquenta e quatro anos de uma vida marcada por dores que nunca cicatrizaram. Olhando para trás, vejo um rastro de derrotas, de escolhas erradas e de sonhos que nunca se concretizaram. Aos 13 anos, minha infância se perdeu no peso do trabalho, sustentando os vícios de pais que nunca me deram nada além de tapas e humilhações. Nunca um abraço, nunca um "eu te amo". Para eles, eu não era uma filha, era uma coisa, um fardo, um incômodo.Minha saúde mental já dava sinais de fraqueza quando conheci aquele homem. O pai de Yelena. Eu acreditei que ele seria meu porto seguro, o amor da minha vida. Mas amor de verdade não some no momento em que mais se precisa dele. Quando minha barriga cresceu, ele desapareceu. Me deixou sozinha, prestes a dar à luz, mergulhada num desespero que me consumiu inteira. A depressão pós-parto me engoliu e eu não conseguia olhar para Yelena sem sentir que falhei.Fui parar em uma casa de apoio para mães solteiras. Lá, Yelena cresceu sem
Alexandre,**Há dez anos, ninguém imaginaria que eu me tornaria um CEO implacável e bilionário. Naquele período, eu era apenas a sombra de um parasita. Estava noivo — uma lembrança que me causa certo sorriso amargo agora —, preso à ilusão de um amor juvenil. Flávia era uma mulher atraente, loira, esbelta, com seios siliconados e um olhar sedutor. Ela afirmava que eu era o homem de sua vida, e eu, ingênuo, acreditei.Tínhamos planos. Nossa filha estava a caminho, com três meses de gestação. Eu me sentia nas nuvens, comprando tudo o que via para aquela criança, certo de que minha vida finalmente estava tomando o rumo certo. Recém-formado, consegui um estágio na empresa do meu irmão, Justen. Tudo parecia perfeito, até aquela fatídica noite.O passado me envolve por um momento, mas sou despertado de meus pensamentos por batidas na porta do meu escritório.— Entre — digo, impaciente.Minha secretária entra, de cabeça baixa. Ela cuida da minha agenda pessoal e empresarial, e é uma funcionár
***CONTINUAÇÃO***Olhei para a menina que estava com os olhos cheios de lágrimas e não dizia nada.Alexandre: Fala, sua inútil! Além de mendiga, ainda é muda?Ela começou a falar, gaguejando:— Desculpe, senhor. Eu só queria vender minhas flores. Estou desesperada, precisando de algo para comer. Não foi minha intenção irritá-lo.Peguei as flores das mãos dela e joguei no chão, irritado, soltando o braço dela , que se ajoelhou e começou a catar as flores.Alexandre: Seu lugar é aí, no chão, junto com essas malditas flores, sua imunda inútil.Falei, e ela me olhou chorando, mas eu não senti pena nenhuma.Enquanto a observava colhendo flores, fiz sinal para o meu motorista e nós entramos no carro, partindo em direção ao meu apartamento. Por um instante, os olhos daquela mendiga vieram à minha mente, mas logo afastei esses pensamentos. Afinal, quem ela pensa que é para se colocar na frente do meu carro oferecendo aquelas porra de flores?**YELENA***Hoje o dia amanheceu cinza. Na verdade,