AméliaOs olhos dele estavam sobre ela o tempo todo, mesmo que Amélia afirmasse que estava bem e que não estava sentindo nada, Ícaro permanecia vigilante feito um sentinela.Tudo isso em razão do que aconteceu na noite anterior e por causa da visita a médica obstetra esta tarde. A doutora Castro realizou vários exames e junto deles, o primeiro ultrassom. A emoção de ver aquele pequeno ser dentro dela, era maravilhosa, e compartilhar esses sentimentos com Ícaro era melhor ainda. Mas toda a alegria de ambos foi turvada quando a médica expôs sua preocupação. Devido a lesão que Amélia tinha no útero, havia um grande risco de aborto e complicações durante a gestação.Um plano de parto detalhado foi elaborado pela médica atenciosa, que decidiu que a melhor estratégia era segurar o bebe até a trigésima sétima semana, quando a sobrevivência fora do útero seria tranquila.Ícaro estava preocupado e tenso desde que saíram da consulta, e nada do que ela disse parecia acalmá-lo. Agora que estava
São PauloAmélia BastosMais que aberração é essa?! - um homem gritou.Ela se levantou, virando a cabeça para se desculpar pelo ocorrido. A visão periférica era limitada dentro da cabeça de camaleão. - De que buraco essa GORDA do inferno saiu?!!!! - o homem olhava para ela com raiva. Cuspindo ofensas, o cara continuava indignado apontando ou gesticulando para ela. As pessoas começaram a se aglomerar, querendo saber o que aconteceu.Amélia ficou parada, como se seus pés criassem raízes ali. Seus olhos se marejaram pelas lágrimas. -Ela fez de propósito! Quem fica parado na porta de uma loja com uma roupa bizarra dessa? Tá ocupando toda a saída, sua coisa gorda! - Talvez ela não tenha percebido que era grande demais para ficar aqui… - Não, acho que ela sabia o que estava fazendo… - Nossa tudo isso para vender?... que ridículo….As pessoas opinavam e julgavam com aquele olhar. Amélia sentia o peito apertado, como se o ar faltasse, enquanto as palavras cruéis ainda ecoavam na sua ca
Odiava aquela voz asquerosa.Bastou ouvir seu nome dito naquele tom áspero e autoritário para que Amélia sentisse o estômago revirar. Ela parou no meio do corredor, cerrando os punhos. Ela pretendia apenas trocar de roupa e respirar por um instante, mas claro que seu chefe insuportável tinha que estragar até isso.— Pode esperar um minuto? Acabei de voltar da galeria, preciso me trocar.— Na minha sala. Agora! — ele ralhou, com a grosseria de sempre.Amélia inspirou fundo, se recompondo do caos interior enquanto batia na porta do escritório dele. “Respira. Não perca a paciência.” Mas por dentro, sua frustração ardia como fogo. Soltou um suspiro de desgosto.Jaime Caetano sempre dava trabalho extra a Amélia quase no fim do expediente. Ele não gostou da sua contratação, que foi feita pelo gerente geral das lojas. Segundo ele, Amélia não tinha a imagem que a Color Graphic precisava para seus atendentes.Antes de entrar, puxou o ar com força e tentou adquirir uma serenidade que estava l
Palavrões e impropérios escapavam de sua boca.Parada sob a chuva, Amélia tentava apertar a tampa traseira do fusca, quando sentiu um impacto muito forte e ouviu um barulho alto de freada brusca.O som ao seu redor foi sumindo repentinamente, enquanto ela perdia os sentidos.O barulho de um assovio ensurdecedor na sua cabeça foi a primeira coisa que tomou consciência, sentia uma dor aguda em partes do corpo. Alguém estava tocando seu rosto, um pavor aterrorizante a tomou por não conseguir se mexer.Seus sentidos voltavam letárgicamente, a visão estava embaçada demais, a chuva foi a segunda coisa que conseguiu distinguir. No instante seguinte ouviu uma voz profunda a chamando.A pessoa dizia alguma coisa, mas ela não conseguia entender o que era.Compreendeu então, que sofreu um acidente. O que estavam dizendo? Será que a poça que sentia sob seu corpo era água da chuva ou sangue?- Você... me atropelou... – Amélia conseguiu dizer, ainda não enxergava quase nada e nem sabia se a pessoa t
Aos poucos Amélia foi acordando, estava em um quarto branco e amarelo pálido com uma tv enorme embutida na parede, um vaso de flores do campo de perfume suave; era um hospital particular.Não fazia ideia de como foi parar ali, ela não tinha convênio médico e nem um centavo no bolso para pagar. Se sentou na cama reclinada confortável, o lençol macio escorregou revelando a camisola fina com o logotipo do lugar de alto padrão.Esse é o tipo de hospital que os artistas e gente montado na grana procura quando precisa. Pelo menos a dor praticamente sumiu. Não via sinais de que passou por algum procedimento cirúrgico, felizmente.Amélia suspirou de alívio. Sentindo-se observada, ela se virou nos travesseiros macios; seus olhos se depararam com um homem parado perto da porta fechada.O homem a observava em silêncio. Incrivelmente alto e forte, imponente, o terno preto de alfaiataria cara talhava um porte muito sofisticado e másculo. O físico desenvolvido era invejável; os olhos de tom profun
Ainda com vestido nas mãos ela não conseguia chegar a uma conclusão sobre aquilo. O vestido era perfeito, serviu como uma luva quando ela decidiu usar. Não sabia nada sobre aquele homem, e ele deduziu o seu tamanho com uma só olhada?!Tudo estava confuso demais. O que aconteceu com fantasia de camaleão, e por que ele se deu ao trabanho de comprar uma roupa daquelas para uma desconhecida que ele considerava uma maluca?!No espelho do banheiro ela deu uma ultima olhada em seu reflexo. Seus cabelos estavam embaraçados e molhados, seu rosto estava horrível, com um inchaço enorme no formato de bola na testa; um corte no lábio e um na sobrancelha esquerda; parecia cuspida pelo próprio desespero.Mas a roupa trazia a dignidade que precisava para sair desse quarto. Ela pagaria pelo vestido, obviamente.Saiu do quarto sem olhar para o homem. Quando sentiu uma tensão estranha e só ouviu o silêncio, resolveu apelar para seu orgulho próprio.- O que aconteceu com minha roupa? – ela levanto
O cheiro do homem ao seu lado era uma droga. Uma mistura alucinógena entre o amadeirado sofísticado e o doce excêntrico. Amélia se pegou inspirando fundo, só para reter aquele cheiro delicioso por mais tempo. Suas mãos enormes, com veias saltadas segurando a direção, expunha um anel de obsidiana, e um relógio caríssimo de edição limitada.Lembrava-se que esse modelo era único, alguém da sua antiga vida, tentou adquirir aquele relógio. E quando não conseguiu, foi ela quem arcou com as consequências.Amélia se encolheu. Queria esquecer tudo aquilo, até agora se saiu bem, ela nunca conviveu ou encontrou pessoas como esse homem. Fez um bom trabalho em se esconder e recomeçar como uma outra pessoa.Até aquele acidente, não tinha cruzado com ninguém que pudesse comprometer sua identidade. Sua terapia estava indo muito bem, sua vida era sacrificante, mas a liberdade não tinha preço.Estava tudo bem. Logo chegaria em casa, e ela fecharia essa porta e jogaria a chave fora.O que aconteceu a po
ÍcaroO vestido que mandou trazerem para ela, caiu como uma luva, modelando sua cintura e os seios redondos e volumosos. Sua boca ficava seca de vontade, só de olhar para o contorno daquele decote.A surpresa em reencontrar aquela menina mascarada ainda provocava um frenezi por todo o corpo. Se conter deixou de ser uma opção, depois de tanto tempo, não poderia deixar ela ir sair assim, sem ter certeza que essa mulher gostosa, de olhos desafiadores, era a sua garota daquela noite.O gosto dela era o mesmo. A boca quente de lábios indecentes, a reação pecaminosa de seu corpo ao dela. Sim. Não tinha dúvidas. Era ela, com certeza. A sua garota.O olhar confuso dela inflamava seu sangue, deveria possuír Amélia Bastos no meio da rua? Talvez assim, ela se lembraria de como gemeu inocentemente sob seu corpo, enquanto pedia por mais de seu toque.- Não deveria ter feito isso...A voz dela soou tão baixa, que por um instante julgou ter imaginado suas palavras.Levou a mão ao seu rosto, passand