AIYANA
Alyssa recuou, os olhos vermelhos e a respiração falha. Eu a segurei pelos ombros, confusa com o tremor que percorria seu corpo.
—Alyssa...?
—Meu pai —ela sussurrou, a voz quebrada, como se cada palavra lhe cortasse por dentro — Ele... ele não conseguiu sair. Ele ficou para trás.
As lágrimas escorreram antes mesmo que ela terminasse a frase.
Eu a puxei para perto, envolvendo-a em um abraço apertado, enquanto ela chorava contra meu ombro.
Max se aproximou então, a voz baixa, mas firme, como se segurasse o mundo inteiro nas costas.
—Poucos sobreviveram.
AIYANAA manhã chegou cinzenta, com o tipo de frio que se instala primeiro no peito antes de alcançar a pele.As brasas da fogueira crepitavam baixo, lançando faíscas preguiçosas no ar úmido. Poucos flocos de neve dançavam entre os galhos nus. O cheiro do peixe grelhado que Icarus e eu pescamos misturava-se com o da fumaça e da madeira molhada. Era tudo tão silencioso que até os estalos do fogo pareciam altos demais.Todos comiam em silêncio. Ou fingiam.Alyssa alimentava o menor dos dois órfãos com cuidado, partindo o peixe com as mãos. O outro menino estava sentado entre os joelhos de Lucas, que mal havia tocado sua comida. A dor deixava todos lentos, cautelosos, meio surdos. Como se qualqu
AIYANAEu não deveria estar aqui. Deveria estar com os outros, ajudando, planejando o que fazer a seguir. Mas, em vez disso, meus pés me trouxeram até aqui, para perto do rio, para onde Maxim está.Ele estava na água fria, mais distante de olhares. As roupas dele estão espalhadas sobre uma pedra, e isso me fez parar por um instante. Eu não sei se deveria continuar andando, se deveria deixá-lo em paz, ou se esse era o momento. O momento em que eu tinha que dizer o que estava sufocando minha garganta.Eu sabia o que precisava dizer. Sabia que havia uma montanha de coisas não ditas entre nós. Mas a voz na minha cabeça, a voz da minha loba, me dizia que não era o momento certo. Que ele não estava pronto. Que eu também não
AIYANAVocê deve obediência.Aquilo foi demais. Eu não sabia mais o que fazer com essa raiva crescente dentro de mim, e as palavras saíram antes que eu pudesse pensar.— Vai se foder, seu idiota. Coma pau. — disse sem filtro, minha voz cortante e cheia de desprezo.Maxim riu, um som baixo, cruel, e sem nenhum vestígio de arrependimento em seu olhar. Como se fosse tudo uma piada para ele.— Que classe. A decisão que eu tomei não vai mudar — ele disse, o sorriso ainda no rosto, mas com uma dureza crescente nas palavras.Isso só me fez ficar ainda mais furiosa. Não ia mais deixar ele me tratar como uma garota fraca, submissa.<
AIYANA—Eu vou com eles.— disse, observando Max conversar com minha vó,eles estão na margem do rio e minha vó parece irritada. Icarus me encarou e arqueou uma sobrancelha, ele estava silencioso desde que me encontrou com Maxim mais cedo, ele também parecia irritado e estava com um péssimo humor. —O quê?— Pare de ficar atrás dele como um maldito cachorrinho. — ele rosnou, jogando pedaços de madeira que pegamos na floresta no chão, bem próximo dos meus pés. O que, é claro,me fez pular e gritar.—Ei! — retruquei, me afastando um passo. — Qual o seu problema?Icarus se aproximou, os olhos queimando em âmbar, como se uma tempestade estivesse por trás deles. Ele parecia prestes a explodir, e por um segundo, achei qu
AIYANAO céu já começava a perder a cor, tingido por um dourado opaco que logo se dissolveria no azul escuro da noite. As sombras se arrastavam pelas árvores, e o som distante do rio ajudava a manter meu foco enquanto eu deslizava a lâmina da faca pela pedra de amolar, com movimentos lentos e cuidadosos.Uma das três. A de caça. As outras duas já estavam no lugar, uma presa no interior da minha bota esquerda, a outra, no cós da calça, na parte de trás.Senti o olhar dele antes mesmo de ouvir a voz.— Você não devia ir com ele.Icarus estava de pé a poucos passos, os braços cruzados sobre o peito e aquele cenho franzido que ele achava que escondia o que sentia. Não escondia.Levantei o
AIYANAO dia amanheceu em tons dourados e rosados, mas a tensão no ar parecia tingi-lo de algo mais sombrio. O grande evento da noite lançava uma sombra sobre cada olhar e gesto da minha prima e tia, elas estavam reluzentes e tentei ficar minimamente feliz por elas.A aldeia estava em alvoroço desde cedo. As amigas de Isabela entravam e saíam do pequeno quarto de madeira, carregando vestidos, bijuterias brilhantes e potes de unguentos perfumados. O cheiro adocicado de jasmim e baunilha impregnava o ar, tornando tudo ainda mais sufocante. Eu me encostei no batente da porta, observando minha prima sentada diante de um espelho rachado, sorrindo de forma presunçosa enquanto uma de suas amigas trançava seu cabelo negro e sedoso, que descia como um rio escuro até sua cintura. Cada movimento dela era preciso, ensaiado. Ela sempre soube como cativar a atenção de uma sala inteira, e hoje não seria diferente.— Você está especialmente pensativa hoje, Aiyana. — A voz de Isabela tinha um tom quas
AIYANAA sensação de calor no peito, aquele fogo incontrolável que dançava dentro de mim, ainda estava lá, como se a chama ancestral tivesse se enraizado em meu corpo. Mas o que antes parecia ser um privilégio agora só me trazia agonia.A cada passo que dava, sentia os olhares da alcateia pesando sobre mim, frios, duros, implacáveis. O desprezo estampado em seus rostos me cortava mais do que qualquer palavra. Eles me viam como uma intrusa, uma ameaça. Não pertencente a eles. E, se já não fosse suficiente, eu tinha que enfrentar o ódio de Isabela e a rejeição estampada no olhar de Maxim.Isabela se aproximou com um sorriso venenoso nos lábios, seus olhos brilhando com um ódio latente. Eu podia quase sentir a tensão pulsando no ar.— Você realmente acha que pode simplesmente ser a "escolhida", Aiyana? — disse ela, a voz baixa e cortante, quase como se quisesse me ferir com cada sílaba. — Sua mãe era uma bruxa, e agora você acha que a chama te escolheu por acaso? Não engula essa mentira.
AIYANAO amanhecer estava perto de chegar, mas eu já estava de volta à beira da floresta, caminhando devagar. Meu corpo cansado ainda sentia os efeitos da noite mal dormida, e minha mente estava um turbilhão. A caverna onde passei a noite, embora já fosse um lugar familiar para mim, não me trouxe a paz que eu procurava. Dormir na floresta já não era tão fácil quanto antes. As árvores começaram a clarear com os primeiros raios de sol, mas o ar ainda estava frio, e eu sentia meu corpo arrepiado, não só pela temperatura, mas também pela inquietação. Meu coração batia mais rápido a cada passo que dava em direção à aldeia. Eu não sabia o que iria enfrentar lá, mas sabia que não podia continuar fugindo. Eu precisava voltar.De repente, alguém me pegou pela cintura, puxando-me com força para fora da trilha. Antes que pudesse reagir, uma mão cobriu minha boca, abafando meu grito. Meu corpo entrou em pânico, mas não pude fazer mais nada além de tentar me soltar. Estava sendo arrastada, forçad