Ao entrar nessa casa, senhor Benedito sentiu uma sensa-ção de incômodo e ficou arrepiado. Tinha plena certeza que alguém oobservava. Repentinamente, levou um empurrão que o jogou ao chão.Levantou-se rápido, tentando achar o autor da brincadeira de mau gosto.Olhou para os quatro cantos da casa e nada viu. Comentou:‒ Quem foi o engraçadinho que me empurrou? Apareça e vamoslutar como homens.Ao terminar de dizer a frase, levou uma rasteira que novamente ojogou no chão, formado por terra fofa. Não via ninguém, nem identificava pegadas pela terra. Ao tentar se levantar, sentiu como se alguémestivesse sentando em seu peito e, só conseguia mexer as pernas. Sentiuuma mão em sua garganta que o sufocava e, em seguida, vários socos.Tantos que senhor Benedito não aguentou e desmaiou.“- Com esse temporal forte, acredito que Benedito tenha encontrado um lugar para se esconder”, pensou Rosália. Com o passar dotempo, a chuva passou e nada de seu esposo voltar. “- Vou pedir parasenhor Juca me levar para buscar as crianças”.Dona Rosália correu até a casa do vizinho, que não negou seu pedido. A mulher, na longa caminhada, vai explicando ao vizinho sobre oque tinha acontecido.‒ Ele veio trazer as crianças e não voltou. Será que ele não foi parao trabalho?‒ Não foi, pois queria ter uma conversa comigo.‒ Pode ser que tenha se esquecido.‒ Realmente, Benedito anda muito esquecido.Chegando à escola, Rosália encontra as crianças na sala da diretora.‒ Me perdoe senhora Madalena, a chuva atrapalhou nosso percurso.‒ A vida é assim mesmo, dona Rosália. Dias bons, dias ruins. Asenhora tem ótimos filhos, meus parabéns.‒ Eu que agradeço ao elogio. Muito obrigada.Ao notar que todos estavam na carroça, senhor Juca parte para casa,sendo acompanhados pelos serenos da chuvas. Dona Rosália, que trouxera um cobertor, diz às crianças:‒ Cubram-se, este sereno é pior que uma chuva.No trajeto, Ronaldo observa a casa abandonada e a carroça do seupai. Aos gritos, diz:
‒ Mãe! Mãe! Aquela carroça naquela casa não é a do papai?‒ Aonde, meu filho?‒ Naquela casa atrás do morro.‒ É ela sim, Ronaldo! Podemos ir até lá, senhor Juca?‒ Podemos, sim. Vamos.Do portão para a casa, o caminho era longo. Senhor Juca apressa oscavalos. Chegando à casa de pau a pique, ele comenta:‒ Vou entrar. Ronaldo, pegue as rédeas da carroça se vocês ouviremmeus gritos, saiam em disparada daqui.Ronaldo balança a cabeça sinalizando estar ciente e o homem entra na escura casa. O silêncio predominava no local, dona Rosália nãoconseguia engolir a saliva, a agonia lhe invadia. Alguns minutos depois,senhor Juca volta à carroça com o corpo do senhor Benedito no colo.‒ O que aconteceu com ele?‒ Não sei, vizinha. Seja o que for, bateram muito nele, está muitoferido. Ronaldo, leve a minha carroça eu levarei a do seu pai. DonaRosália, venha comigo.Ao subir na carroça, dona Rosália recebe o corpo do marido, o rostocompletamente machucado, e, sem aguentar a tristeza, desaba a chorar.‒ Desculpa, vizinho, não tive como aguentar.‒ Chora, vizinha, o choro faz bem.‒ O que será que aconteceu?‒ Eu não quero me meter, mas vocês estão devendo para alguém?‒ Não, Benedito tem muitos problemas, mais sempre paga nossascontas direitinho, nesta parte age com muita responsabilidade.‒ Alguma coisa de muito grave ocorreu naquela casa e o único quepoderá dizer o que realmente aconteceu é o seu marido.Chegando à casa de dona Rosália, senhor Juca leva o vizinho até oquarto.‒ Vou precisar de panos, álcool e arnica.Ao limpar o rosto de senhor Benedito, que se encontrava em péssimo estado, senhor Juca diz:‒ Dê a ele chá de arruda ou de carobinha, vai ajudar na cicatrização.Até ele melhorar, vou levar as crianças para escola, elas não podemperder as aulas.‒ Muito obrigada, vizinho. Se precisar de qualquer coisa sabe ondeme encontrar.A noite cai e traz como companhia a chuva. Os barulhos dos pingosde água, são músicas para os ouvidos de alguns enquanto para outros um desafinado clássico dos anos sessenta. Muito preocupada com omarido, dona Rosália prepara uma sopa para ele, que sem forças paratomar, recebe o alimento da mulher, aos poucos, pois naquele momento a pressa não seria uma boa idéia. Quarenta minutos depois, Rosáliaserve a janta aos filhos. O silêncio na casa era constante.‒ Mamãe, posso pedir uma coisa?‒ Sim, Juliana. O que deseja?‒ Podemos fazer uma oração pelo papai antes da refeição?‒ Claro que sim, minha princesa. Já que deu a idéia, comece a ora-ção, por favor.A pequena Juliana dá início e em seguida é acompanhada pelos irmãos:“Pai nossoQue estás nos céus,Santificado seja o Teu nome,Venha a nós o Teu reino;Faça-se a Tua vontade,Assim na terra como no céu;O pão nosso de cada diaDá-nos hoje;E perdoa-nosAs nossas dívidas,Assim como temos perdoadosAos nossos devedores;E não nos deixes cairEm tentação;Mas livra-nos do mal(Pois Teu reino, o poder e a glória para sempre. Amém)”‒ Que linda oração, crianças. O pai de vocês deve estar orgulhosodos quatro filhos.‒ Foi a senhora que nos ensinou, mamãe. - diz a pequena.‒ Fico feliz de ver que aprenderam rápido. Meu coração bate deorgulho dos filhos que Deus me deu.‒ Mamãe, a senhora acha que o papai vai ficar bom logo?‒ Se todos nós rezarmos como neste momento, acredito que Deusvai realizar o nosso pedido.Alguns dias se passaram. Senhor Benedito dá sinais de melhora; já,se levantou da cama, se olhou no espelho e viu cicatrizes pelo rosto, notou que havia emagrecido, caminhou até a cozinha que dava saídapara os fundos da casa e viu a esposa lavando roupas:‒ Rosália...‒ Benedito, você ainda está fraco. Volte para a cama, precisa descansar.‒ Estou bem. Quantos dias fiquei na cama?‒ Vinte dias para mim, uma eternidade para teus filhos.‒ Como está levando as crianças para a escola? Perdemos nosso emprego?‒ Senhor Juca teve a bondade de levar as crianças à escola. É um homem de bom coração. Quanto ao nosso emprego, expliquei a situaçãoao nosso patrão, não gostou muito, mas disse que eu poderia ficar ecuidar de você, assim que estivesse bom poderíamos retornar.‒ Como me acharam naquela casa?‒ Um tempo depois que você levou as crianças para a escola, umenorme temporal caiu sobre a cidade. As horas se passavam e nada dea chuva ceder. Quando ela finalmente acabou, nenhum sinal de vocêe das crianças. Logo, pensei no pior. Corri até a casa do senhor Juca epedi ajuda desesperadamente. Sem hesitar ele me colocou na carroça epartimos rumo à escola. Quando desci e vi nossos filhos aos cuidadosda diretora, respirei aliviada. Mas, então, todos que estavam presentesse perguntaram a mesma coisa: cadê Benedito? Para evitar pensamentos negativos, nosso vizinho comentou que você poderia ter ser atrasado ou, que poderia estar na fazenda. Conhecendo meu marido comoeu conheço, nem se caísse fogo dos céus você se atrasaria. Comecei apensar no pior e, quando passávamos na frente da casa abandonada,Ronaldo avistou sua carroça e nos alertou. Nosso vizinho entrou peloportão da casa feito bala, pediu para que todos ficassem na carroça e,alguns minutos depois, reapareceu com você nos braços.‒ Ronaldo trouxe minha carroça?‒ Sim.‒ Bom garoto.‒ Que mistério é este, Benedito?‒ Um mistério para o qual eu não sei a resposta.‒ Seu rosto machucado, ensanguentado, parecia que havia tomadouma surra e não tem uma única resposta... O que está acontecendocom aquele homem pelo qual me apaixonei, romântico, cuidadoso,generoso? Hoje sinto você um desconhecido. Fizemos um juramento,Benedito, e parece que foi em vão.
‒ Rosália, quando o temporal caiu, eu estava no caminho para casa,a chuva era forte, com raios ao redor, caminhei por alguns minutosdebaixo da chuva até que vi aquela casa abandonada. Não pensei duasvezes, fiz o trajeto até ela. Já na casa notei que não havia ninguém, estava escuro e com alguns vãos de luz transpassando o teto. Entrei e sentimeus pelos se arrepiarem. Quando pensei em sair, algo me empurroucom tamanha força que me jogou ao chão. Rapidamente me levantei,tentando enxergar o que teria me empurrado, mas não conseguia vernada, parece que algo estava lendo meus pensamentos. Pensei em sairnovamente e antes de dar o primeiro passo tomei uma rasteira de umaforça desconhecida. Ao tentar me levantar, senti um imenso peso sobremeu peito, uma força apertando minha garganta e outra me dandovários socos. Sem ter como me defender, acabei desmaiando.‒ Está me dizendo que você não viu nada?‒ Exatamente, Rosália.‒ Me explica isso, Benedito.‒ Não sei como... Estou com a mente totalmente vazia e não seicomo lhe dar uma resposta. Existe uma pergunta para a qual tenho aresposta: você se lembra da noite em que tive um pesadelo?‒ Sim, me lembro dessa noite.‒ Quando você saiu no quintal, viu uma trilha no milharal, que seencontrava todo quebrado, com muitas pegadas. Era exatamente o queeu sonhei.‒ Ah, como assim? – indagou a esposa, sem entender.‒ Naquela noite, tive um sonho. Estava no poço pronto para retirarágua quando, percebi que alguém me vigiava. Procurei por um lampiãoou algo que pudesse iluminar o local, mas nada encontrei. A criaturaque me observava começou a andar em minha direção. Vi que estavavindo em minha direção, era algo tão calmo em plena escuridão, e auma distância notei algo brilhar. Olhei firme e vi um imenso garfo detrês pontas e um par de chifres que jamais tinha visto antes. Fiqueitotalmente desesperado e entrei milharal a dentro. Ele não parecia terpressa alguma, eu tremia, suava, não sabia o que fazer, para onde ir,até que vi uma claridade. Corri em disparada para essa claridade procurando obter ajuda. Havia uma imensa e bonita fogueira. Ao olharnovamente para os lados, vi cinco vultos, todos com asas e vindo emminha direção, carregando um garfo bem menor do que o do líder deles. Quando virei para correr novamente, o que estava me perseguindo,bateu de frente comigo e, fiquei sem reação. Parecia que era o meu fim.
‒ Por isso você tremia suava tanto na esteira... Mas algo me deixouintrigada...‒ O quê? – questiona Benedito.‒ Se isso foi um sonho, por que alguns fatos aconteceram na realidade?‒ Essa é a famosa pergunta sem resposta. Sinceramente, não sei.‒ O trajeto que você fez no sonho é o mesmo trajeto que está nomilharal?‒ Cada pegada, tantos as minhas longas e aflitas pernadas, como ascurtas e calmas pernadas deles.‒ Minha Nossa Senhora! Benedito, estou com medo.‒ E como acha que estou depois de ter passado por isso?‒ Podemos ir para a casa da minha irmã. Vamos, deixar esta casa,este bairro pouco habitado. Lá vamos ter mais segurança.‒ Não vamos envolver sua irmã nisso, Rosália, muito menos tirar aprivacidade dela.‒ Ela nos ajuda, você sabe perfeitamente disso. Larga de ser turrão,nós precisamos de ajuda.‒ Temos um ao outro justamente para isso. Você quer mesmo envolver sua irmã em algo que sequer somos capazes de explicar?‒ Você tem razão, Benedito. Não há como envolver pessoas em algoque não conhecemos.Vagarosamente, o homem vai até a esposa e lhe dá um forte abraço;ela, retribui o carinho.‒ Eu não sei o que está acontecendo, Rosália. Não podemos perdera nossa fé, temos que nos manter unidos.‒ Vou preparar o almoço. Em breve as crianças chegarão.‒ E como estão os nossos filhos?‒ Passam horas grudados em você. Quando eles chegarem da escolae verem sua melhora, a felicidade deles será imensa. Eles te amam,Benedito.O homem olha para o alto por alguns segundos, olha dentro dosolhos da esposa, suspira e diz:‒ Perdoe-me por eu não retribuir tudo o que vocês fazem por mim.Prometo que vou mudar.‒ Mostre isso aos seus filhos, Benedito. Eles, ficarão ainda mais orgulhosos de você.Algumas horas depois, as crianças chegam da escola. Os pais escutam os agradecimentos deles ao senhor Juca por estar sendo tão prestativo. Ao entrarem em casa, encontram o pai. A alegria é notável em cada sorriso.
‒ Pai, o senhor está bem? - pergunta Ronaldo, querendo um abraço.‒ Estou sim, meu filho. Para mostrar a vocês a minha felicidade,hoje todos nós vamos ao cinema.‒ Benedito, está falando sério? - reage espantada dona Rosália, poisele nunca tinha levado as crianças ao cinema antes.‒ Estou sim, Rosália. Vou convidar o vizinho para ir também, osfilhos deles são como os nossos, sempre em casa.A felicidade das crianças era esculpida em cada rosto e percebidapela mãe. Sem que ninguém notasse, a mulher correu até o quarto,ajoelhou-se e agradeceu a Deus por este feito tão bom. Ao voltar para acozinha, serviu o almoço. A felicidade reinava. O esposo, de bem coma vida, brincava com as crianças, uma cena raramente vista.Ao entardecer, Benedito passou na casa do vizinho para convidartoda sua família ao cinema. O convite foi aceito e marcaram de pegara sessão das seis. No final da tarde, a esposa, os quatro filhos e senhorBenedito se encontravam arrumados, assim como vizinho, sua esposae seus três filhos. Cada família em sua carroça pegou o caminho parao cinema, a emoção vem evidente daquelas crianças que, pela primeiravez, entrariam na “casa do telão”, como se chamava na pequena cidade.Ao entrarem, ficaram surpreendidos. Nunca viram tantas poltronase uma imensa tela como aquela. O conforto que sentiram ao sentar fezcom que pensassem estar em uma nuvem. Era outro mundo. Antes dea sessão começar, o pai trouxe pipocas e refrigerantes. Ao ligar o telão,as crianças ficaram atentas. Nenhuma delas piscava ou virava o pescoçopara o lado. Todas estavam focadas no filme. No caminho de volta, sóse escutavam os comentários das crianças, encantadas com o cinema e ofilme que acabaram de ver. Foi um dia diferente para dona Rosália, queestava completa com tanta felicidade, já que sempre tentou mostrar aomarido que pequenos feitos geravam grandes sorrisos.Quando chegaram ao quintal de suas residências, viram uma cenasomente vista em filmes de terror, a luz da casa do vizinho apagava eacendia, e as janelas abriam e fechavam tão rápido que uma pessoanão conseguiria fazer aquilo sozinha. Não ventava no momento. Comoaquilo era possível?‒ Crianças, não quero que vocês vejam isso. Por favor, fechem osolhos. - pediu Rosália, aflita com a cena.
‒ Meu Deus do céu, o que é isso? - perguntou senhor Benedito.Os vizinhos não falavam nada, apenas observavam uma cena que sóacreditaria quem presenciasse. Logo em seguida, a luz da rua se apagoue as janelas pararam de bater. Dentro da casa surgiu uma claridade tãoforte que foi preciso proteger os olhos.‒ Minha nossa, o que está acontecendo?Uma forte chuva ameaçava cair na cidade e, para prevenir os vizinhos, senhor Benedito disse:‒ Vamos todos dormir na minha casa hoje. Algo de muito estranhoestá acontecendo aqui.Então, a claridade de dentro da casa sumiu e a luz da rua voltou.Parecia que nada tinha acontecido. Por alguns minutos, o silêncio dominava o local, sendo quebrado pelo agradecimento do vizinho:‒ Agradeço pelo convite vizinho. Mas, seja o que for já passou. Nãoquero dar trabalho.‒ Não vão dar trabalho. Se não se sentirem bem na casa de vocês,serão bem-vindos na nossa.‒ Mais uma vez, obrigado, vizinho.Cada família foi para suas humildes moradias. Todos estavam assustados com os acontecimentos, de forma que ficaram sem assunto deixando até mesmo de comentar sobre o cinema que encantara a todos.Ao acender o lampião do seu quarto, Benedito foi até o armário buscarmais querosene e constatou que as garrafas estavam vazias.‒ Nesta noite teremos que dormir no escuro. O querosene acabou eo lampião só será aceso caso haja necessidade. Por isso, crianças, todosvão dormir comigo e com a mamãe.Assim que todos vão para a cama o lampião é apagado e um barulhoensurdecedor vem da cozinha, assustando a todos.‒ Benedito, o que está acontecendo?‒ Não sei, Rosália. Vou verificar.Com medo, as crianças seguravam na mãe. O lampião é aceso eBenedito vai para a cozinha, ao chegar lá, vê que tudo estava no seudevido lugar. De volta ao quarto, observa os filhos agarrados à mãe enão deixa de notar o carinho da esposa com eles.‒ Está tudo bem, Rosália. Teve a mesma intensidade do barulho deuns dias atrás, mas nada está fora do lugar.‒ De onde pode ter vindo um barulho tão forte?‒ Eu também gostaria de saber, Rosália.
Aquela noite não ficou marcada apenas pela cena que viram na casado vizinho. De tempos em tempos, aquele barulho, que parecia derrubar a cozinha de dona Rosália, era ouvido. Por voltas das três damanhã, senhor Benedito acordou com um barulho muito forte, e, aoabrir os olhos, deparou-se com outros olhos vermelhos o encarando. Osusto foi tão grande que, quando olhou novamente não viu nada, encontrou apenas a escuridão. Levantou assustado e acendeu o lampião,caminhando entre os cômodos da casa na tentativa de ver alguma coisa.Chegando à sala viu o vulto de olhos vermelhos, que vestia uma longacapa preta e estava sentado em seu sofá:‒ Você me deve algo, Benedito. Eu vim buscar.‒ Por favor, preciso de mais tempo. Ao menos me deixe ver meusfilhos crescerem um pouco mais.‒ Então, quer ser visto como um grande pai?‒ Apenas desejo cuidar dos meus filhos mais um pouco.‒ Quero que entenda uma coisa. Da próxima vez que eu voltar vaiser para valer.Ao se levantar do sofá, a criatura caminhou em sentido à escuridão edesapareceu. Senhor Benedito voltou ao quarto e deitou analisando osfatos. Faltavam poucas horas para o amanhecer e ele não conseguia fechar os olhos. Estava deitado com sua família, mas parecia estar muitodistante deles. Essa sensação só terminou com, o cantar dos galos. Nosegundo cantar de um galo, dona Rosália despertou com o semblantedo rosto cansado pela noite mal dormida.‒ Rosália, preciso começar a frequentar uma igreja.A esposa levou um susto ao ouvir as palavras e ficou confusa comaquela informação.‒ Não entendi o que me disse, Benedito. Poderia repetir?‒ Disse que preciso frequentar uma igreja.‒ Você está bem? - perguntou a esposa, desconfiada.‒ Só porque desejo frequentar uma igreja, já é motivo para acreditarque eu esteja mal?‒ Para um homem que sempre odiou igreja, acredito que sim, Benedito.‒ Todos nós passamos por mudanças na vida, Rosália. Parece quechegou o meu momento.Era difícil de acreditar nas palavras do marido. Após, anos de casadajá não conseguia tolerar as promessas que ouvia de Benedito, emboramesmo com as dificuldades sempre se encontrasse ao lado dele.
‒ Podemos ir à igreja do vilarejo de Quatis hoje à noite.‒ Serei outro homem, Rosália. Eu te prometo.Não dando muita importância à conversa do marido, Rosália diz:‒ Vou me levantar, preparar o café para as crianças e depois ir parao trabalho. E você, está em condição de trabalhar?‒ Estou bem, posso trabalhar normalmente.O café estava na mesa e as crianças já arrumadas para a escola quando, o pai pede a atenção de todos.‒ Meus filhos, o que vocês viram ou ouviram na noite anterior fazparte do passado. Não é bom mexer no passado, por isso, peço a vocêsque não comentem com os coleguinhas o que presenciaram, combinado?‒ Combinado, papai. – todos responderam.‒ Rosália, vou à casa do senhor Juca agradecer a solidariedade comque andou nos ajudando. Quando voltar, quero que todos estejam nacarroça.Depois de agradecer ao vizinho pela solidariedade, partiu para deixar as crianças na escola, e voltou para o trabalho com a esposa. Chegando à fazenda, abriu um alegre sorriso e comentou:‒ Senti falta disto aqui, Rosália.‒ Sinta-se em casa, Benedito. - disse a esposa.‒ Vamos trabalhar, mulher.Após alguns passos, desceram da carroça e encontraram o capataz.‒ Bom dia, senhor, Clodomiro.‒ Bom dia para alguns. Para o senhor será um mau dia.‒ Te garanto que será um bom dia para todos, senhor Clodomiro. -disse Benedito, tentando evitar a graça do capataz.‒ O senhor ainda não entendeu. Ambos foram despedidos, não temos mais interesse no trabalho de vocês.‒ Isso não é possível... Conversei pessoalmente com o senhor Bento,pedindo autorização para cuidar do meu esposo. - disse Rosália, nervosa com as palavras do seu superior.‒ Guardou com fome o rato come. Chegaram pessoas com eficiência de trabalho dez vezes melhor que a de vocês. A porta se fechou parao casal.‒ Isso não é possível...Sem pensar muito, o maldoso homem coloca a mão na cintura epuxa uma arma.‒ Dizem que nós escolhemos o nosso destino. Escolham o de vocês.
‒ Vamos, Benedito, vamos sair daqui. - pede Rosália, puxando oesposo pelos braços.Sem acreditar no que estava acontecendo, o casal parte para a casa.O que fazer? Como pagar as dívidas? Como sustentar as crianças?Como sobreviver? Essas perguntas não foram ouvidas, mas podiam serapreendidas no olhar do humilde casal. Os quilômetros ficaram maislongos, não se ouvia nenhuma palavra, apenas o som que a carroça e oscavalos faziam. Por algum tempo, o casal permaneceu de boca fechada,até que Benedito quebrou o silêncio.‒ Deve estar me odiando, Rosália.‒ Quando nos casamos, jurei estar contigo, na alegria, na tristeza,na saúde e na doença, até que a morte nos separe.‒ Ainda me ama?‒ Não estamos no melhor momento para falar de amor, Benedito.‒ Sei que este não é o moment
O marido abraça a esposa e logo em seguida dá um beijo em suaboca.‒ Obrigado, Rosália, por tanto me apoiar nas horas que mais preciso. Você, sempre está comigo, é a esposa que sempre sonhei.‒ É um bom homem, Benedito, tem uma família que o ama, isso ésinal que recebemos amor. Vou descansar, estou exausta.O dia amanheceu, Rosália levantou para preparar o café, lavar aslouças e arrumar a mesa. Ao pegar o pote de açúcar, notou que estavavazio e se lembra de que preparou o arroz-doce usando tudo o que tinha. Ela acordou o esposo para comprar açúcar e buscar o leite, depoisdespertou as crianças para que tomasse banho. Como já era de costumebuscar o leite todos os dias, Benedito foi até a fazenda. A notícia de queperdera o emprego se espalho rapidamente, e lhe avisaram
Após Cezar passar o valor dos dois produtos, Benedito colocou amão no bolso, puxou umas notas guardadas e pagou o comerciante.Retornando com o troco, o comerciante ouve as frias palavras do cliente revoltado.‒ De hoje em diante eu não piso mais aqui. Seu produto contémouro. Sou um homem pobre, mas digno e honesto. Pelo que acabei dever, aqui não é lugar para homens como eu. Passar bem.‒ Benedito, o senhor tem de entender que...‒ Por favor, a partir de hoje eu estou morto e enterrado para o senhor, assim como senhor vai estar morto e enterrado para mim.Benedito colocou a filha na carroça e partiu para casa. Durante todoo trajeto o cavalo que havia visto de manhã o acompanhava.‒ Olha, filha, que cavalo bonito.‒ Onde, papai?‒ Ao lado dos nossos.‒ Papai, só vejo os dois cavalos que puxam a carroça.Pelo fato de
‒ Tem o dom de fazer milagres?‒ A única pessoa que pode curar sua mãe é você mesmo, Benedito.‒ Sabe até o meu nome?‒ Sei seu passado, seu presente e seu futuro.‒ Como posso curar minha mãe?‒ Por amor, Benedito, somos capazes de matar, roubar, nos entregar,nos vender... Olho para você e vejo um garoto fraco, medroso, à esperade um milagre de um Deus para o qual se diz temente. Acontece queeste Deus o abandonou. Onde Ele está, quando mais precisa dele? Porque Ele não aceita suas orações? Dizem que este Deus é amor, masonde se encontra esse amor quando mais se precisa dele? Por que elenão está aqui no meu lugar tendo esta conversa com você? Entenda queeste Deus a quem teme é mitologia. O único poderoso na realidade soueu, que estou aqui trazendo a cura de sua m&at
‒ Então vamos colocar os equipamentos na carroça e partir. O diahoje promete.Enquanto a família saía para se divertir, senhor Benedito não conseguia repousar, totalmente perdido na missão para a qual foi designado.Estava agoniado em saber que teria que matar um homem que tantoo ajudou. Com todas aquelas perturbações na mente, caminhava emcírculos pelo quarto tentando encontrar respostas, até ser interrompidopor um médico, que entrou sem bater na porta.‒ Pelo que vejo, o senhor está impaciente. Algum problema?‒ Desculpe-me, senhor, estou desempregado, com filhos, e esposapara alimentar. O senhor me entende?‒ Tanto entendo que digo que não é por este motivo que está agitado dessa forma.‒ Posso garantir ao senhor...‒ A dúvida que tanto te perturba é, se deve matar ou n&atil
‒ Nossa senhora, que história horrível! – comentou Rosália.‒ Roseli, posso fazer uma pergunta? – questionou Benedito.‒ Pergunte, cunhado.‒ Você chegou a ver as mãos da menina?‒ Sim, Benedito, parecia que as mãos que a tocaram eram de ferrosem graus elevadíssimos de calor. Só você vendo para avaliar.‒ Melhor encerrarmos o assunto. Juliana, sua amiguinha mudou decidade e vocês não vão poder brincar mais, o bairro da titia é cheio degarotas da sua idade, todas querendo uma nova amiga para se divertir.‒ Eu estou com saudades da Thaís, papai.‒ Eu sei que está, princesa, assim como ela deve estar de você, só queagora ela foi morar em uma cidade muito distante daqui.‒ Ela vai voltar?‒ Como ela foi morar em uma cidade distante, acho difícil, minhafilha
Sozinho na cozinha, Benedito fechou a cara, ainda movido pela inveja que sentia pelos bens do amigo. Respirou fundo ao saber que afamília por parte de sua esposa está crescendo, enquanto ele está cada vez mais endividado. Evitou deixar que o ódio chegasse ao seu coraçãopara não afetar o jantar, comida feita sem amor é comida sem sabor.Preparou o arroz, a salada, o peixe no forno com camarão e utilizou orestante da gelatina que sobrou para a sobremesa. Serviu o jantar, quefoi aprovado por toda a família. O peixe com camarão estava tão gostoso que não sobrou nada.Após algumas horas de conversa, Antônio se retirou para tomar umbanho e dormir; seu dia começava cedo. Rosália colocou as crianças nacama e todos resolveram se retirar, pois a viagem trouxera o cansa
‒ Antes de fazer qualquer outra coisa, entre e fale com sua esposa eseus filhos. Eles, estão agoniados.O homem balançou a cabeça afirmativamente e entrou na casa,indo até a esposa para acalmar a família.‒ Benedito, quer nos matar de preocupação?‒ Boa noite a todos e me perdoem pela minha demora. Muitos anossem caçar, passei a manhã toda e uma parte da tarde tentando acertarum animal, a bala não passava nem perto – disse, aos risos.‒ E o que você comeu? Não levou lanche, só o equipamento deAntônio.‒ Conheci dois grandes caçadores que não saíram do meu lado,disse a eles que não caçava há anos e na ansiedade de caçar saí de casaesquecendo o lanche. Eles, me deram toda a assistência possível, aindaexiste gente boa nes