Capítulo II

Ao entrar nessa casa, senhor Benedito sentiu uma sensa-

ção de incômodo e ficou arrepiado. Tinha plena certeza que alguém o

observava. Repentinamente, levou um empurrão que o jogou ao chão.

Levantou-se rápido, tentando achar o autor da brincadeira de mau gosto.

Olhou para os quatro cantos da casa e nada viu. Comentou:

‒ Quem foi o engraçadinho que me empurrou? Apareça e vamos

lutar como homens.

Ao terminar de dizer a frase, levou uma rasteira que novamente o

jogou no chão, formado por terra fofa. Não via ninguém, nem identificava pegadas pela terra. Ao tentar se levantar, sentiu como se alguém

estivesse sentando em seu peito e, só conseguia mexer as pernas. Sentiu

uma mão em sua garganta que o sufocava e, em seguida, vários socos.

Tantos que senhor Benedito não aguentou e desmaiou.

“- Com esse temporal forte, acredito que Benedito tenha encontrado um lugar para se esconder”, pensou Rosália. Com o passar do

tempo, a chuva passou e nada de seu esposo voltar. “- Vou pedir para

senhor Juca me levar para buscar as crianças”.

Dona Rosália correu até a casa do vizinho, que não negou seu pedido. A mulher, na longa caminhada, vai explicando ao vizinho sobre o

que tinha acontecido.

‒ Ele veio trazer as crianças e não voltou. Será que ele não foi para

o trabalho?

‒ Não foi, pois queria ter uma conversa comigo.

‒ Pode ser que tenha se esquecido.

‒ Realmente, Benedito anda muito esquecido.

Chegando à escola, Rosália encontra as crianças na sala da diretora.

‒ Me perdoe senhora Madalena, a chuva atrapalhou nosso percurso.

‒ A vida é assim mesmo, dona Rosália. Dias bons, dias ruins. A

senhora tem ótimos filhos, meus parabéns.

‒ Eu que agradeço ao elogio. Muito obrigada.

Ao notar que todos estavam na carroça, senhor Juca parte para casa,

sendo acompanhados pelos serenos da chuvas. Dona Rosália, que trouxera um cobertor, diz às crianças:

‒ Cubram-se, este sereno é pior que uma chuva.

No trajeto, Ronaldo observa a casa abandonada e a carroça do seu

pai. Aos gritos, diz:

‒ Mãe! Mãe! Aquela carroça naquela casa não é a do papai?

‒ Aonde, meu filho?

‒ Naquela casa atrás do morro.

‒ É ela sim, Ronaldo! Podemos ir até lá, senhor Juca?

‒ Podemos, sim. Vamos.

Do portão para a casa, o caminho era longo. Senhor Juca apressa os

cavalos. Chegando à casa de pau a pique, ele comenta:

‒ Vou entrar. Ronaldo, pegue as rédeas da carroça se vocês ouvirem

meus gritos, saiam em disparada daqui.

Ronaldo balança a cabeça sinalizando estar ciente e o homem entra na escura casa. O silêncio predominava no local, dona Rosália não

conseguia engolir a saliva, a agonia lhe invadia. Alguns minutos depois,

senhor Juca volta à carroça com o corpo do senhor Benedito no colo.

‒ O que aconteceu com ele?

‒ Não sei, vizinha. Seja o que for, bateram muito nele, está muito

ferido. Ronaldo, leve a minha carroça eu levarei a do seu pai. Dona

Rosália, venha comigo.

Ao subir na carroça, dona Rosália recebe o corpo do marido, o rosto

completamente machucado, e, sem aguentar a tristeza, desaba a chorar.

‒ Desculpa, vizinho, não tive como aguentar.

‒ Chora, vizinha, o choro faz bem.

‒ O que será que aconteceu?

‒ Eu não quero me meter, mas vocês estão devendo para alguém?

‒ Não, Benedito tem muitos problemas, mais sempre paga nossas

contas direitinho, nesta parte age com muita responsabilidade.

‒ Alguma coisa de muito grave ocorreu naquela casa e o único que

poderá dizer o que realmente aconteceu é o seu marido.

Chegando à casa de dona Rosália, senhor Juca leva o vizinho até o

quarto.

‒ Vou precisar de panos, álcool e arnica.

Ao limpar o rosto de senhor Benedito, que se encontrava em péssimo estado, senhor Juca diz:

‒ Dê a ele chá de arruda ou de carobinha, vai ajudar na cicatrização.

Até ele melhorar, vou levar as crianças para escola, elas não podem

perder as aulas.

‒ Muito obrigada, vizinho. Se precisar de qualquer coisa sabe onde

me encontrar.

A noite cai e traz como companhia a chuva. Os barulhos dos pingos

de água, são músicas para os ouvidos de alguns enquanto para outros um desafinado clássico dos anos sessenta. Muito preocupada com o

marido, dona Rosália prepara uma sopa para ele, que sem forças para

tomar, recebe o alimento da mulher, aos poucos, pois naquele momento a pressa não seria uma boa idéia. Quarenta minutos depois, Rosália

serve a janta aos filhos. O silêncio na casa era constante.

‒ Mamãe, posso pedir uma coisa?

‒ Sim, Juliana. O que deseja?

‒ Podemos fazer uma oração pelo papai antes da refeição?

‒ Claro que sim, minha princesa. Já que deu a idéia, comece a ora-

ção, por favor.

A pequena Juliana dá início e em seguida é acompanhada pelos irmãos:

Pai nosso

Que estás nos céus,

Santificado seja o Teu nome,

Venha a nós o Teu reino;

Faça-se a Tua vontade,

Assim na terra como no céu;

O pão nosso de cada dia

Dá-nos hoje;

E perdoa-nos

As nossas dívidas,

Assim como temos perdoados

Aos nossos devedores;

E não nos deixes cair

Em tentação;

Mas livra-nos do mal

(Pois Teu reino, o poder e a glória para sempre. Amém)”

‒ Que linda oração, crianças. O pai de vocês deve estar orgulhoso

dos quatro filhos.

‒ Foi a senhora que nos ensinou, mamãe. - diz a pequena.

‒ Fico feliz de ver que aprenderam rápido. Meu coração bate de

orgulho dos filhos que Deus me deu.

‒ Mamãe, a senhora acha que o papai vai ficar bom logo?

‒ Se todos nós rezarmos como neste momento, acredito que Deus

vai realizar o nosso pedido.

Alguns dias se passaram. Senhor Benedito dá sinais de melhora; já,

se levantou da cama, se olhou no espelho e viu cicatrizes pelo rosto, notou que havia emagrecido, caminhou até a cozinha que dava saída

para os fundos da casa e viu a esposa lavando roupas:

‒ Rosália...

‒ Benedito, você ainda está fraco. Volte para a cama, precisa descansar.

‒ Estou bem. Quantos dias fiquei na cama?

‒ Vinte dias para mim, uma eternidade para teus filhos.

‒ Como está levando as crianças para a escola? Perdemos nosso emprego?

‒ Senhor Juca teve a bondade de levar as crianças à escola. É um homem de bom coração. Quanto ao nosso emprego, expliquei a situação

ao nosso patrão, não gostou muito, mas disse que eu poderia ficar e

cuidar de você, assim que estivesse bom poderíamos retornar.

‒ Como me acharam naquela casa?

‒ Um tempo depois que você levou as crianças para a escola, um

enorme temporal caiu sobre a cidade. As horas se passavam e nada de

a chuva ceder. Quando ela finalmente acabou, nenhum sinal de você

e das crianças. Logo, pensei no pior. Corri até a casa do senhor Juca e

pedi ajuda desesperadamente. Sem hesitar ele me colocou na carroça e

partimos rumo à escola. Quando desci e vi nossos filhos aos cuidados

da diretora, respirei aliviada. Mas, então, todos que estavam presentes

se perguntaram a mesma coisa: cadê Benedito? Para evitar pensamentos negativos, nosso vizinho comentou que você poderia ter ser atrasado ou, que poderia estar na fazenda. Conhecendo meu marido como

eu conheço, nem se caísse fogo dos céus você se atrasaria. Comecei a

pensar no pior e, quando passávamos na frente da casa abandonada,

Ronaldo avistou sua carroça e nos alertou. Nosso vizinho entrou pelo

portão da casa feito bala, pediu para que todos ficassem na carroça e,

alguns minutos depois, reapareceu com você nos braços.

‒ Ronaldo trouxe minha carroça?

‒ Sim.

‒ Bom garoto.

‒ Que mistério é este, Benedito?

‒ Um mistério para o qual eu não sei a resposta.

‒ Seu rosto machucado, ensanguentado, parecia que havia tomado

uma surra e não tem uma única resposta... O que está acontecendo

com aquele homem pelo qual me apaixonei, romântico, cuidadoso,

generoso? Hoje sinto você um desconhecido. Fizemos um juramento,

Benedito, e parece que foi em vão. 

‒ Rosália, quando o temporal caiu, eu estava no caminho para casa,

a chuva era forte, com raios ao redor, caminhei por alguns minutos

debaixo da chuva até que vi aquela casa abandonada. Não pensei duas

vezes, fiz o trajeto até ela. Já na casa notei que não havia ninguém, estava escuro e com alguns vãos de luz transpassando o teto. Entrei e senti

meus pelos se arrepiarem. Quando pensei em sair, algo me empurrou

com tamanha força que me jogou ao chão. Rapidamente me levantei,

tentando enxergar o que teria me empurrado, mas não conseguia ver

nada, parece que algo estava lendo meus pensamentos. Pensei em sair

novamente e antes de dar o primeiro passo tomei uma rasteira de uma

força desconhecida. Ao tentar me levantar, senti um imenso peso sobre

meu peito, uma força apertando minha garganta e outra me dando

vários socos. Sem ter como me defender, acabei desmaiando.

‒ Está me dizendo que você não viu nada?

‒ Exatamente, Rosália.

‒ Me explica isso, Benedito.

‒ Não sei como... Estou com a mente totalmente vazia e não sei

como lhe dar uma resposta. Existe uma pergunta para a qual tenho a

resposta: você se lembra da noite em que tive um pesadelo?

‒ Sim, me lembro dessa noite.

‒ Quando você saiu no quintal, viu uma trilha no milharal, que se

encontrava todo quebrado, com muitas pegadas. Era exatamente o que

eu sonhei.

‒ Ah, como assim? – indagou a esposa, sem entender.

‒ Naquela noite, tive um sonho. Estava no poço pronto para retirar

água quando, percebi que alguém me vigiava. Procurei por um lampião

ou algo que pudesse iluminar o local, mas nada encontrei. A criatura

que me observava começou a andar em minha direção. Vi que estava

vindo em minha direção, era algo tão calmo em plena escuridão, e a

uma distância notei algo brilhar. Olhei firme e vi um imenso garfo de

três pontas e um par de chifres que jamais tinha visto antes. Fiquei

totalmente desesperado e entrei milharal a dentro. Ele não parecia ter

pressa alguma, eu tremia, suava, não sabia o que fazer, para onde ir,

até que vi uma claridade. Corri em disparada para essa claridade procurando obter ajuda. Havia uma imensa e bonita fogueira. Ao olhar

novamente para os lados, vi cinco vultos, todos com asas e vindo em

minha direção, carregando um garfo bem menor do que o do líder deles. Quando virei para correr novamente, o que estava me perseguindo,

bateu de frente comigo e, fiquei sem reação. Parecia que era o meu fim.

‒ Por isso você tremia suava tanto na esteira... Mas algo me deixou

intrigada...

‒ O quê? – questiona Benedito.

‒ Se isso foi um sonho, por que alguns fatos aconteceram na realidade?

‒ Essa é a famosa pergunta sem resposta. Sinceramente, não sei.

‒ O trajeto que você fez no sonho é o mesmo trajeto que está no

milharal?

‒ Cada pegada, tantos as minhas longas e aflitas pernadas, como as

curtas e calmas pernadas deles.

‒ Minha Nossa Senhora! Benedito, estou com medo.

‒ E como acha que estou depois de ter passado por isso?

‒ Podemos ir para a casa da minha irmã. Vamos, deixar esta casa,

este bairro pouco habitado. Lá vamos ter mais segurança.

‒ Não vamos envolver sua irmã nisso, Rosália, muito menos tirar a

privacidade dela.

‒ Ela nos ajuda, você sabe perfeitamente disso. Larga de ser turrão,

nós precisamos de ajuda.

‒ Temos um ao outro justamente para isso. Você quer mesmo envolver sua irmã em algo que sequer somos capazes de explicar?

‒ Você tem razão, Benedito. Não há como envolver pessoas em algo

que não conhecemos.

Vagarosamente, o homem vai até a esposa e lhe dá um forte abraço;

ela, retribui o carinho.

‒ Eu não sei o que está acontecendo, Rosália. Não podemos perder

a nossa fé, temos que nos manter unidos.

‒ Vou preparar o almoço. Em breve as crianças chegarão.

‒ E como estão os nossos filhos?

‒ Passam horas grudados em você. Quando eles chegarem da escola

e verem sua melhora, a felicidade deles será imensa. Eles te amam,

Benedito.

O homem olha para o alto por alguns segundos, olha dentro dos

olhos da esposa, suspira e diz:

‒ Perdoe-me por eu não retribuir tudo o que vocês fazem por mim.

Prometo que vou mudar.

‒ Mostre isso aos seus filhos, Benedito. Eles, ficarão ainda mais orgulhosos de você.

Algumas horas depois, as crianças chegam da escola. Os pais escutam os agradecimentos deles ao senhor Juca por estar sendo tão prestativo. Ao entrarem em casa, encontram o pai. A alegria é notável em cada sorriso.

‒ Pai, o senhor está bem? - pergunta Ronaldo, querendo um abraço.

‒ Estou sim, meu filho. Para mostrar a vocês a minha felicidade,

hoje todos nós vamos ao cinema.

‒ Benedito, está falando sério? - reage espantada dona Rosália, pois

ele nunca tinha levado as crianças ao cinema antes.

‒ Estou sim, Rosália. Vou convidar o vizinho para ir também, os

filhos deles são como os nossos, sempre em casa.

A felicidade das crianças era esculpida em cada rosto e percebida

pela mãe. Sem que ninguém notasse, a mulher correu até o quarto,

ajoelhou-se e agradeceu a Deus por este feito tão bom. Ao voltar para a

cozinha, serviu o almoço. A felicidade reinava. O esposo, de bem com

a vida, brincava com as crianças, uma cena raramente vista.

Ao entardecer, Benedito passou na casa do vizinho para convidar

toda sua família ao cinema. O convite foi aceito e marcaram de pegar

a sessão das seis. No final da tarde, a esposa, os quatro filhos e senhor

Benedito se encontravam arrumados, assim como vizinho, sua esposa

e seus três filhos. Cada família em sua carroça pegou o caminho para

o cinema, a emoção vem evidente daquelas crianças que, pela primeira

vez, entrariam na “casa do telão”, como se chamava na pequena cidade.

Ao entrarem, ficaram surpreendidos. Nunca viram tantas poltronas

e uma imensa tela como aquela. O conforto que sentiram ao sentar fez

com que pensassem estar em uma nuvem. Era outro mundo. Antes de

a sessão começar, o pai trouxe pipocas e refrigerantes. Ao ligar o telão,

as crianças ficaram atentas. Nenhuma delas piscava ou virava o pescoço

para o lado. Todas estavam focadas no filme. No caminho de volta, só

se escutavam os comentários das crianças, encantadas com o cinema e o

filme que acabaram de ver. Foi um dia diferente para dona Rosália, que

estava completa com tanta felicidade, já que sempre tentou mostrar ao

marido que pequenos feitos geravam grandes sorrisos.

Quando chegaram ao quintal de suas residências, viram uma cena

somente vista em filmes de terror, a luz da casa do vizinho apagava e

acendia, e as janelas abriam e fechavam tão rápido que uma pessoa

não conseguiria fazer aquilo sozinha. Não ventava no momento. Como

aquilo era possível?

‒ Crianças, não quero que vocês vejam isso. Por favor, fechem os

olhos. - pediu Rosália, aflita com a cena.

‒ Meu Deus do céu, o que é isso? - perguntou senhor Benedito.

Os vizinhos não falavam nada, apenas observavam uma cena que só

acreditaria quem presenciasse. Logo em seguida, a luz da rua se apagou

e as janelas pararam de bater. Dentro da casa surgiu uma claridade tão

forte que foi preciso proteger os olhos.

‒ Minha nossa, o que está acontecendo?

Uma forte chuva ameaçava cair na cidade e, para prevenir os vizinhos, senhor Benedito disse:

‒ Vamos todos dormir na minha casa hoje. Algo de muito estranho

está acontecendo aqui.

Então, a claridade de dentro da casa sumiu e a luz da rua voltou.

Parecia que nada tinha acontecido. Por alguns minutos, o silêncio dominava o local, sendo quebrado pelo agradecimento do vizinho:

‒ Agradeço pelo convite vizinho. Mas, seja o que for já passou. Não

quero dar trabalho.

‒ Não vão dar trabalho. Se não se sentirem bem na casa de vocês,

serão bem-vindos na nossa.

‒ Mais uma vez, obrigado, vizinho.

Cada família foi para suas humildes moradias. Todos estavam assustados com os acontecimentos, de forma que ficaram sem assunto deixando até mesmo de comentar sobre o cinema que encantara a todos.

Ao acender o lampião do seu quarto, Benedito foi até o armário buscar

mais querosene e constatou que as garrafas estavam vazias.

‒ Nesta noite teremos que dormir no escuro. O querosene acabou e

o lampião só será aceso caso haja necessidade. Por isso, crianças, todos

vão dormir comigo e com a mamãe.

Assim que todos vão para a cama o lampião é apagado e um barulho

ensurdecedor vem da cozinha, assustando a todos.

‒ Benedito, o que está acontecendo?

‒ Não sei, Rosália. Vou verificar.

Com medo, as crianças seguravam na mãe. O lampião é aceso e

Benedito vai para a cozinha, ao chegar lá, vê que tudo estava no seu

devido lugar. De volta ao quarto, observa os filhos agarrados à mãe e

não deixa de notar o carinho da esposa com eles.

‒ Está tudo bem, Rosália. Teve a mesma intensidade do barulho de

uns dias atrás, mas nada está fora do lugar.

‒ De onde pode ter vindo um barulho tão forte?

‒ Eu também gostaria de saber, Rosália.

Aquela noite não ficou marcada apenas pela cena que viram na casa

do vizinho. De tempos em tempos, aquele barulho, que parecia derrubar a cozinha de dona Rosália, era ouvido. Por voltas das três da

manhã, senhor Benedito acordou com um barulho muito forte, e, ao

abrir os olhos, deparou-se com outros olhos vermelhos o encarando. O

susto foi tão grande que, quando olhou novamente não viu nada, encontrou apenas a escuridão. Levantou assustado e acendeu o lampião,

caminhando entre os cômodos da casa na tentativa de ver alguma coisa.

Chegando à sala viu o vulto de olhos vermelhos, que vestia uma longa

capa preta e estava sentado em seu sofá:

‒ Você me deve algo, Benedito. Eu vim buscar.

‒ Por favor, preciso de mais tempo. Ao menos me deixe ver meus

filhos crescerem um pouco mais.

‒ Então, quer ser visto como um grande pai?

‒ Apenas desejo cuidar dos meus filhos mais um pouco.

‒ Quero que entenda uma coisa. Da próxima vez que eu voltar vai

ser para valer.

Ao se levantar do sofá, a criatura caminhou em sentido à escuridão e

desapareceu. Senhor Benedito voltou ao quarto e deitou analisando os

fatos. Faltavam poucas horas para o amanhecer e ele não conseguia fechar os olhos. Estava deitado com sua família, mas parecia estar muito

distante deles. Essa sensação só terminou com, o cantar dos galos. No

segundo cantar de um galo, dona Rosália despertou com o semblante

do rosto cansado pela noite mal dormida.

‒ Rosália, preciso começar a frequentar uma igreja.

A esposa levou um susto ao ouvir as palavras e ficou confusa com

aquela informação.

‒ Não entendi o que me disse, Benedito. Poderia repetir?

‒ Disse que preciso frequentar uma igreja.

‒ Você está bem? - perguntou a esposa, desconfiada.

‒ Só porque desejo frequentar uma igreja, já é motivo para acreditar

que eu esteja mal?

‒ Para um homem que sempre odiou igreja, acredito que sim, Benedito.

‒ Todos nós passamos por mudanças na vida, Rosália. Parece que

chegou o meu momento.

Era difícil de acreditar nas palavras do marido. Após, anos de casada

já não conseguia tolerar as promessas que ouvia de Benedito, embora

mesmo com as dificuldades sempre se encontrasse ao lado dele.

‒ Podemos ir à igreja do vilarejo de Quatis hoje à noite.

‒ Serei outro homem, Rosália. Eu te prometo.

Não dando muita importância à conversa do marido, Rosália diz:

‒ Vou me levantar, preparar o café para as crianças e depois ir para

o trabalho. E você, está em condição de trabalhar?

‒ Estou bem, posso trabalhar normalmente.

O café estava na mesa e as crianças já arrumadas para a escola quando, o pai pede a atenção de todos.

‒ Meus filhos, o que vocês viram ou ouviram na noite anterior faz

parte do passado. Não é bom mexer no passado, por isso, peço a vocês

que não comentem com os coleguinhas o que presenciaram, combinado?

‒ Combinado, papai. – todos responderam.

‒ Rosália, vou à casa do senhor Juca agradecer a solidariedade com

que andou nos ajudando. Quando voltar, quero que todos estejam na

carroça.

Depois de agradecer ao vizinho pela solidariedade, partiu para deixar as crianças na escola, e voltou para o trabalho com a esposa. Chegando à fazenda, abriu um alegre sorriso e comentou:

‒ Senti falta disto aqui, Rosália.

‒ Sinta-se em casa, Benedito. - disse a esposa.

‒ Vamos trabalhar, mulher.

Após alguns passos, desceram da carroça e encontraram o capataz.

‒ Bom dia, senhor, Clodomiro.

‒ Bom dia para alguns. Para o senhor será um mau dia.

‒ Te garanto que será um bom dia para todos, senhor Clodomiro. -

disse Benedito, tentando evitar a graça do capataz.

‒ O senhor ainda não entendeu. Ambos foram despedidos, não temos mais interesse no trabalho de vocês.

‒ Isso não é possível... Conversei pessoalmente com o senhor Bento,

pedindo autorização para cuidar do meu esposo. - disse Rosália, nervosa com as palavras do seu superior.

‒ Guardou com fome o rato come. Chegaram pessoas com eficiência de trabalho dez vezes melhor que a de vocês. A porta se fechou para

o casal.

‒ Isso não é possível...

Sem pensar muito, o maldoso homem coloca a mão na cintura e

puxa uma arma.

‒ Dizem que nós escolhemos o nosso destino. Escolham o de vocês.

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