Bela Dubois
Alguns anos após a explosão...
— Tia May, por que só podemos ir no postinho? Eu vi um monte de coisa da janela. Quero ir naquele chospin. — Reclamo outra vez. Não aguento mais ficar em casa o tempo todo.
Minha tia ri.
— Você quer dizer shopping?
— É.
— Seu pai não gosta que você saia. Mas fique tranquila que isso vai mudar quando você for para a escolinha semana que vem.
Pulo na cama, empolgada. Meus cabelos balançam para cima e para baixo.
— Vou brincar com outras crianças.
— Vai.
— Vou aprender a ler igual a tia.
— Vai sim.
— Semana que vem tá demorando. — Caio sentada no colchão.
— Paciência, querida. Tudo tem o tempo certo de ser.
Não vejo por que tenho que esperar.
Faço bico e fico emburrada, até tia May pegar o livro de contos de fadas. É sua arma secreta para me deixar feliz.
Me deito ao lado dela e fico enrolando seu cabelo em meus dedos enquanto ela lê vários, até que acabo dormindo.
*
No dia seguinte, papai também não vem para casa e nem nos próximos. Ele passa tanto tempo longe de casa que acho que qualquer dia vou esquecer o seu rosto ou sua voz. Sinto falta dele, do seu beijo de boa noite gasturento por causa da barba, do seu cheiro de pai.
Ele diz que trabalha muito para eu ter uma vida de princesa. Deve ser verdade.
Nunca vi dias mais longos. Mas finalmente aqui estou. Minha tia providenciou o uniforme da escolinha. A blusinha é amarela, minha cor favorita. E a calça é preta. Nada é perfeito. Ou eu usaria uma calça amarela.
— Você vai descer com a mochila? — minha tia pergunta ao me ver colocar a mochila com desenhos da princesa que me deu seu nome.
— Sim. Coloco ela na cadeira ao meu lado.
Ela balança os ombros. Sabe que ninguém vai me fazer mudar de ideia.
Quando chegamos na cozinha, uma surpresa.
— Papai! — digo empolgada e corro para abraçá-lo.
Ele me abraça de volta e bagunça meu cabelo do jeito que sempre faz quando nos encontramos.
— Senti saudades.
— Eu também, querida. Que mochila é essa?
— Escolinha — respondo o obvio.
Ele me segura pelo ombro e encara meus olhos. Está tão sério.
— Você não vai a escola. Sua professora virá em casa.
Nem sei o que dizer enquanto olho a cara do meu pai. Ele deve estar brincando.
— Mas... — começo, mas paro ai. Não sei o que falar. Me afasto dele.
— Você disse que ela começaria estudar hoje. Foi até a uma escola. — Minha tia diz, está indignada. Mas não tanto quanto eu.
— Ela vai começar a estudar hoje, mas em casa. Fui até a escola conversar e pedir indicação de professores que fazem esse tipo de serviço.
— Cunhado...
— Está decidido. Bela estará mais segura em casa.
— Segura de que? — pela primeira vez ouço minha tia gritar. Eu fico calada ouvindo os dois discutirem.
— Você não precisa fazer parte da vida da minha filha. Se estiver incomodada com a forma como faço as coisas, está livre pra ir embora.
Corro e agarro as pernas da minha tia.
— Não vai embora, tia.
— Eu não vou, querida.
*
Mais alguns anos depois...
Foi mentira, minha tia mentiu. Ela foi embora com um homem que roubou seu coração. E eu me tornei uma prisioneira, saindo apenas para coisas essenciais.
Estudei tudo em casa. Meus únicos momentos de fuga estão nos livros, por isso passo quase todo tempo entre eles.
Depois que fiz dezoito anos pensei em fugir de casa, mas meu pai ficou doente. E continuou ficando doente toda vez que eu tentava.
Por sorte papai contratou alguém para ficar comigo, Cinderela, minha melhor amiga.
Mas agora ela se foi. Dei a ela a liberdade que talvez eu nunca alcance.
Por mais que doa a saudade, fico feliz por ela, e fico feliz também em não ter que me casar com um desconhecido por uma dívida que ouço desde sempre.
O que sei sobre casamentos e relacionamentos vem dos livros. Eu tenho toda a ideia de como quero o meu primeiro beijo e meu casamento. Não será por obrigação.
Eu tenho planos. Agora que Cinderela conseguiu sua liberdade, buscarei a minha com a sua ajuda. Não aguento mais ser prisioneira das suas chantagens emocionais.
Se meu pai deve tanto aos Seven, ter minha amiga domando um pode ser útil para que eu consiga minha liberdade.
Espero que sim. Essa pode ser minha última chance.
Não sei por quanto tempo mais suportarei viver como a Rapunzel, presa e longe de todos. Essa não é a heroína que mamãe se inspirou ao escolher meu nome.
Mamãe... eu queria tanto tê-la conhecido. Tenho certeza que com ela viva seria diferente.
Sinto saudade de tudo que não vivi. E isso faz muito sentido para mim.
Suspiro e pego o livro de contos de fadas para ler A bela e a fera mais uma vez. Me sinto conectada com ela quando leio. Talvez tenha uma fera esperando que eu o transforme em príncipe, e juntos vamos ser livres pelo mundo.
Sonha, Bela... sonha.
Adam SevenUm tempo antes de Bela chegar a mansão...— A que devo essa visita, irmão? — pergunto enquanto Henry se senta no sofá e cruza as pernas em sua atitude de dono do lugar.O imito.Com o passar dos anos, convenci o meu pai a me deixar viver sozinho. Só mantenho alguns empregados e me divirto nas noites, geralmente com prostitutas ou em baladas liberais, onde posso usar máscaras sem ser questionado, onde posso ser cruel sem ser questionado. Não são todas as mulheres que gostam de um sexo mais duro.Para mim eram só feridas em cicatrização, mas para algumas pessoas eu me tornei assustador. Ainda mais que com o passar dos anos, meu corpo decidiu que eu seria o maior dos meus irmãos, e meus olhos foram afetados com a explosão, não tem mais o cinza dos Seven, agora é um dourado meio avermelhado. Pelo menos não perdi a visão.Foi melhor me afastar, melhor para evitar desavenças entre meu pai e qualquer pessoa que olhasse demais para mim.A visita do meu irmão atrapalhou minha pesqui
Adam SevenTempos atuais...— O senhor Dubois ligou para avisar que está trazendo a filha. Por que está fazendo isso, meu menino?Deixo as coisas do experimento de lado e olho para ela. Sabia que ela questionaria meu ato, afinal tudo nessa casa acaba no conhecimento dessa senhora, mesmo que eu tenha ordenado a outro empregado que arrumasse um dos quartos para Bela.— Só porque eu posso, madame Pilar.Ela sorri. Quando faz isso seu rosto todo se modifica, deixando-a com mais rugas, ainda assim ela quase sempre está sorrindo. É estranho. Não vejo toda essa graça nas coisas simples que ela enxerga.— Sei que está mentindo. Você sempre tem um propósito em seu coração doce.Reviro os olhos. Essa mulher baixinha e enrugada, que eu não me lembro de ter visto sem um avental, me faz parecer um menino levado.— Eu não sou doce.— Não é? Então por que dá ouvidos a uma velha como eu?— Me pergunto isso sempre.A risada dela enche meu corpo de energia. A mulher é espontânea em tudo que faz, nunca
Bela Dubois— Me acompanhe.Sei que não é a primeira vez que ele diz isso, posso ver sua expressão impaciente. Mesmo que ele esteja na porta e eu ainda parada na frente da casa.Continuo imóvel.— Não.— Como se você tivesse escolha. — Não sei porque olhei para o rosto dele, posso tê-lo conhecido hoje, mas sei que o sorriso que entorta sua boca para o lado é indicio de crueldade, sinto em meus ossos. E confirmo com sua próxima ação. — Fifi! — Ele assobia e vejo o cão imenso vindo em minha direção, enquanto e ele vira as costas e entra na casa.— Maldito! — resmungo e corro atrás dele. A senhora que vi o desafiando parece ser uma boa pessoa, mas tive medo de contar com isso e acabar toda marcada de mordidas de cachorro.Quando entro na casa, me surpreendo, mesmo podendo ver muito dela por fora. É tudo tão organizado, mesclando tons de madeira escura e preto.O sofá convida a sentar, mas não me arrisco. Melhor enfrentar a fera de pé.— O que você quer de mim?— O que quero de você? — el
Bela Dubois— Pronto. Quando posso sair dessa casa? — digo entregando o último papel assinado.— Primeiro vamos conhecer seu quarto. Não está curiosa?— Você disse que é um porão. Não deve ser grande coisa, e eu não ligo desde que possa ser livre.— Me siga. — O homem levanta em todos os seus músculos e altura. É realmente lindo. Se fosse em outra ocasião...Não pense besteiras, Bela Dubois. Me recrimino.Também levanto e o sigo escada acima. Enquanto uma voz chata questiona: Agora que assinou os papéis é Bela Seven.Balanço a cabeça para espantar o pensamento inconveniente e Adam me olha com a sobrancelha arqueada. Deve me achar louca. Mas foda-se!Ele me leva até o fim do corredor e abre uma porta que mostra uma escada, exatamente como nos filmes de terror em que a gente grita para o personagem não descer. O porão é estranho, se desce para ele do segundo andar.Por um momento a idiota aqui confundiu porão com sótão. Imaginei algo mais iluminado. Que idiota!— Que lugar é esse? — per
Adam SevenBela aceitou mais rápido que eu esperava. Ela nem mesmo leu os papéis que assinou. Se tivesse lido, tenho dúvidas que aceitaria.Passei tudo para que meu advogado providencie a certidão de casamento, e assim que ele saiu madame Pilar parou na minha frente com as mãos na cintura.Um minuto inteiro se passou sem que falasse nada, apenas me olhava.— O que foi? Já devia estar curtindo suas férias.— O que o senhor pretende com aquela menina? Sabe muito bem que ela não dá conta de manter essa casa limpa e organizada sozinha. Tem nove quartos aqui, meu filho.— Mas apenas um é usado.— Você entendeu o que eu quis dizer.Bufo.— Achei que eu não era um monstro aos seus olhos.— E espero que continue assim, porque se eu souber que machucou essa menina, ficarei extremamente magoada com você.— Eu não vou machucar essa garota.— Existe muitas formas de machucar, e nem todas são físicas.— Mulher, some daqui! — Me levanto e seguro seu braço gentilmente. — Não vou machucar essa menina
Bela DuboisDeu tudo errado.Jogo o pano enxarcado no chão e caminho para longe da bagunça que fiz.— Que porra! — resmungo. Não quero falar alto e levar outra bronca.Eu demorei quase uma hora só para achar o local onde ficava vassoura e as coisas de limpeza. O acordo de fazer limpeza pela minha liberdade estava mais que bom para mim, afinal conheço os empregados lá de casa e sei que isso é um trabalho como qualquer outro. Não sei o que meu pai achou que aconteceria quando me jogou aqui, mas farei com que se arrependa, vou fazer dar certo.Pego uma vassoura e começo a dançar pela casa antes de começar o trabalho em si. Canto e danço devagar.Mesmo com raiva do meu pai é a música que ele cantava quando estava em casa que me vem à mente. Um sonho a dois, de Roupa Nova. Ele dizia que era a música favorita da mamãe, então eu quis que fosse a minha também.Ao fim da música, a vassoura volta ao seu uso padrão. Mãos à obra.Achei que estava arrasando quando joguei água no chão e comecei a e
O amor é uma flor amarela Encontrando liberdade na paixão.Bela DuboisTudo saiu melhor do que eu esperava. Jamais imaginei que Cinderela encontraria o amor no baile dos Seven. Fico tão feliz por ela. Meu único objetivo era fugir do casamento e dar a chance dela mesma buscar sua liberdade. Afinal, ela ficaria diante de homens poderosos. Um deles teria que ajudar... E como ajudou.Suspiro me lembrando.Minha amiga brilhava enquanto estávamos passeando pelo shopping e escolhendo livros.Não vejo a hora de chegar em casa e ler os que são da falecida Seven. Pelo quanto minha amiga falou deles, deve ser incrível.Acaricio a capa de um.Quando chegar em casa vou mandar mensagens com as atualizações das minhas leituras. Queria ter redes sociais, mas é melhor não. Vou manter esse celular muito bem escondido do meu pai. Depois que Cinderela tomou meu lugar, ele anda muito insuportável.Por falar nele...— Pai, onde estamos indo? — pergunto quando o carro para diante de um enorme portão de fer
Adam SevenAnos atrás...— Droga! Onde está o livro?Procuro em toda parte na biblioteca, até desistir e ir até a sala de segurança ver as imagens. Alguém tirou do lugar onde coloquei. Não estou louco.É uma surpresa ver o empregado novo colocando o livro dentro do casaco e saindo do castelo com ele.Ainda bem que as câmeras já estão instaladas, ou nunca saberíamos. Estamos há poucos meses aqui nesse castelo.— Vem comigo — chamo um dos seguranças.— Não é melhor avisar seu pai? — ele responde.— Achei que ele pagava vocês para resolver essas coisas. Se não dão conta de um ladrãozinho barato, não podem trabalhar para os Seven.— Vamos pegá-lo, senhor. — O homem literalmente bate continência.Senhor?É engraçado um homem imenso chamar uma criança de dez anos de senhor. Mas não tenho tempo para pensar nisso. Esse livro foi presente da minha mãe e é muito importante para mim.Vamos para o carro e o segurança dirige. Ele segue para o endereço que o livro aponta. É um objeto raro, obvio qu