Capítulo 3

Bela Dubois

Alguns anos após a explosão...

— Tia May, por que só podemos ir no postinho? Eu vi um monte de coisa da janela. Quero ir naquele chospin. — Reclamo outra vez. Não aguento mais ficar em casa o tempo todo.

Minha tia ri. 

— Você quer dizer shopping?

— É.

— Seu pai não gosta que você saia. Mas fique tranquila que isso vai mudar quando você for para a escolinha semana que vem. 

Pulo na cama, empolgada. Meus cabelos balançam para cima e para baixo.

— Vou brincar com outras crianças.

— Vai.

— Vou aprender a ler igual a tia.

— Vai sim.

— Semana que vem tá demorando. — Caio sentada no colchão.

— Paciência, querida. Tudo tem o tempo certo de ser.

Não vejo por que tenho que esperar. 

Faço bico e fico emburrada, até tia May pegar o livro de contos de fadas. É sua arma secreta para me deixar feliz.

Me deito ao lado dela e fico enrolando seu cabelo em meus dedos enquanto ela lê vários, até que acabo dormindo.

*

No dia seguinte, papai também não vem para casa e nem nos próximos. Ele passa tanto tempo longe de casa que acho que qualquer dia vou esquecer o seu rosto ou sua voz. Sinto falta dele, do seu beijo de boa noite gasturento por causa da barba, do seu cheiro de pai.

Ele diz que trabalha muito para eu ter uma vida de princesa. Deve ser verdade.

Nunca vi dias mais longos. Mas finalmente aqui estou. Minha tia providenciou o uniforme da escolinha. A blusinha é amarela, minha cor favorita. E a calça é preta. Nada é perfeito. Ou eu usaria uma calça amarela.

— Você vai descer com a mochila? — minha tia pergunta ao me ver colocar a mochila com desenhos da princesa que me deu seu nome. 

— Sim. Coloco ela na cadeira ao meu lado. 

Ela balança os ombros. Sabe que ninguém vai me fazer mudar de ideia.

Quando chegamos na cozinha, uma surpresa.

— Papai! — digo empolgada e corro para abraçá-lo.

Ele me abraça de volta e bagunça meu cabelo do jeito que sempre faz quando nos encontramos. 

— Senti saudades. 

— Eu também, querida. Que mochila é essa?

— Escolinha — respondo o obvio.

Ele me segura pelo ombro e encara meus olhos. Está tão sério.

— Você não vai a escola. Sua professora virá em casa.

Nem sei o que dizer enquanto olho a cara do meu pai. Ele deve estar brincando. 

— Mas... — começo, mas paro ai. Não sei o que falar. Me afasto dele.

— Você disse que ela começaria estudar hoje. Foi até a uma escola. — Minha tia diz, está indignada. Mas não tanto quanto eu.

— Ela vai começar a estudar hoje, mas em casa. Fui até a escola conversar e pedir indicação de professores que fazem esse tipo de serviço.

— Cunhado... 

— Está decidido. Bela estará mais segura em casa. 

— Segura de que? — pela primeira vez ouço minha tia gritar. Eu fico calada ouvindo os dois discutirem.

— Você não precisa fazer parte da vida da minha filha. Se estiver incomodada com a forma como faço as coisas, está livre pra ir embora.

Corro e agarro as pernas da minha tia.

— Não vai embora, tia.

— Eu não vou, querida.

*

Mais alguns anos depois...

Foi mentira, minha tia mentiu. Ela foi embora com um homem que roubou seu coração. E eu me tornei uma prisioneira, saindo apenas para coisas essenciais.

Estudei tudo em casa. Meus únicos momentos de fuga estão nos livros, por isso passo quase todo tempo entre eles.

Depois que fiz dezoito anos pensei em fugir de casa, mas meu pai ficou doente. E continuou ficando doente toda vez que eu tentava.

Por sorte papai contratou alguém para ficar comigo, Cinderela, minha melhor amiga.

Mas agora ela se foi. Dei a ela a liberdade que talvez eu nunca alcance.

Por mais que doa a saudade, fico feliz por ela, e fico feliz também em não ter que me casar com um desconhecido por uma dívida que ouço desde sempre.

O que sei sobre casamentos e relacionamentos vem dos livros. Eu tenho toda a ideia de como quero o meu primeiro beijo e meu casamento. Não será por obrigação.

Eu tenho planos. Agora que Cinderela conseguiu sua liberdade, buscarei a minha com a sua ajuda. Não aguento mais ser prisioneira das suas chantagens emocionais.

Se meu pai deve tanto aos Seven, ter minha amiga domando um pode ser útil para que eu consiga minha liberdade.

Espero que sim. Essa pode ser minha última chance.

Não sei por quanto tempo mais suportarei viver como a Rapunzel, presa e longe de todos. Essa não é a heroína que mamãe se inspirou ao escolher meu nome.

Mamãe... eu queria tanto tê-la conhecido. Tenho certeza que com ela viva seria diferente.

Sinto saudade de tudo que não vivi. E isso faz muito sentido para mim.

Suspiro e pego o livro de contos de fadas para ler A bela e a fera mais uma vez. Me sinto conectada com ela quando leio. Talvez tenha uma fera esperando que eu o transforme em príncipe, e juntos vamos ser livres pelo mundo.

Sonha, Bela... sonha.

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