Adam Seven
Tempos atuais...
— O senhor Dubois ligou para avisar que está trazendo a filha. Por que está fazendo isso, meu menino?
Deixo as coisas do experimento de lado e olho para ela. Sabia que ela questionaria meu ato, afinal tudo nessa casa acaba no conhecimento dessa senhora, mesmo que eu tenha ordenado a outro empregado que arrumasse um dos quartos para Bela.
— Só porque eu posso, madame Pilar.
Ela sorri. Quando faz isso seu rosto todo se modifica, deixando-a com mais rugas, ainda assim ela quase sempre está sorrindo. É estranho. Não vejo toda essa graça nas coisas simples que ela enxerga.
— Sei que está mentindo. Você sempre tem um propósito em seu coração doce.
Reviro os olhos. Essa mulher baixinha e enrugada, que eu não me lembro de ter visto sem um avental, me faz parecer um menino levado.
— Eu não sou doce.
— Não é? Então por que dá ouvidos a uma velha como eu?
— Me pergunto isso sempre.
A risada dela enche meu corpo de energia. A mulher é espontânea em tudo que faz, nunca senti necessidade de máscaras ou fingimento em sua presença, assim como só sinto com minha família.
— Não é certo obrigar alguém a se casar. — Ela insiste.
— Madame Pilar, até parece que não conhece a situação daquela garota. Ela já está condenada.
Ela me olha intensamente.
— Eu espero que vocês se salvem.
— Não é esse o meu objetivo. Só quero me livrar daquele Maurice. É assim, ou matando de vez. Já dei moral demais para aquele homem.
— Credo, meu filho!
Ela passa longos segundos me olhando, antes de anunciar:
— Vou preparar um jantar especial para ela.
— Não. Só me avise quando ela chegar.
Ainda não me decidi sobre como Bela será tratada por mim, tudo vai depender dela.
A mulher balança a cabeça e sai resmungando sobre homens cabeça dura. Mas antes, olha para trás e diz:
— Não use isso.
Sei exatamente do que está falando.
Volto ao meu trabalho, até ouvir a batida na porta e a palavra “chegaram”.
— Hora do show.
Pego minha máscara, que madame Pilar falou para não usar, passo na cozinha e pego a maior faca que encontro.
Pensei nessa brincadeira enquanto esperava. Madame Pilar não pode me julgar, estou entediado. Faz tempo que não saio de casa. Um pouco de diversão vai ser bom.
Vou até a entrada da casa e a vejo. Ela é linda, como eu já sabia. E meio maluquinha, por estar falando sozinha.
Seus olhos arregalam quando me vê.
Para minha surpresa, ou nem tanto, ela corre em direção ao portão.
Vou caminhando lentamente atrás dela. Sei que não poderá fugir sem a minha permissão.
A cena é tão engraçada quando ela topa com o doberman que acabo rindo. Só paro quando ela se vira para trás.
Imóvel, é assim que ela fica. Aposto que está decidindo a sua melhor opção diante do cenário.
Minha surpresa aumenta quando ela corre em minha direção, chegando junto com o cachorro curioso que a segue.
Ela se esconde atrás de mim.
Assobio e ordeno apontando para longe:
— Fifi, vai!
Fifi corre, obediente. Só vou poder usar isso enquanto ela não souber que Fifi é uma medrosa.
— Agora, você... — falo para a doida que está agarrada a minha camisa. — Garota, me larga.
— Não.
— O cão já foi — digo impaciente. A brincadeira não saiu engraçada como eu pretendia. Ela escolheu fugir do cão. Eu que devia correr atrás dela, como nos filmes de terror. Estraga prazeres.
— Não — insiste.
— Tira essa garota de cima de mim — ordeno ao ver uma empregada e Gaston, meu segurança, se aproximando. Não que eu precise de um, mas meu pai exige, para garantir o status. Coisa de Seven.
Como que ensaiados, cada um segura um braço da maluquinha e a afasta de mim. E ela acaba caindo de bunda no chão.
Ai, deve ter doido.
— Agora nós dois vamos ter uma conversa — aviso indicando que ela deve entrar comigo, porém a mulher só tem olhos para a faca em minha mão.
— Se vai me matar, mata de uma vez. — Se faz de corajosa enquanto levanta.
Eu até tento me manter sério, mas é impossível não rir ao ponto de gargalhar.
Nessa hora madame Pilar aparece com seu avental.
— Eu falei para não vir assim. Está assustando a menina.
Ela tira a faca da minha mão sem nenhuma cerimônia. Sei que preciso agir para não perder a autoridade, mas continuo rindo enquanto tiro a máscara.
Ela está me encarando, parece... admirada? Isso é estranho. Sei que as cicatrizes não me deixaram feio, mas as primeiras reações são sempre de pena ou medo. Ninguém nunca me encarou assim de primeira.
Espanto os pensamentos e continuo meus planos.
— Eu não vou te matar, garota, mas posso garantir que talvez chegue a desejar isso.
Bela cruza os braços em uma atitude ao mesmo tempo protetora e desafiadora, empina o nariz e diz o que eu menos acreditaria ouvir.
— Pois pode adiantar o serviço se acha que vai me usar ou se casar comigo. Eu prefiro mil vezes a morte que me casar com um monstro horroroso como você.
Qualquer resquício de riso some do meu rosto. Seguro seu braço, sem me importar que esteja cruzado ou no tom de advertência quando madame Pilar diz o meu nome.
Me curvo o bastante para falar ao seu ouvido:
— Casar com você é tudo que menos quero, mas eu vou te usar da forma que eu quiser.
Sinto ela estremecer de medo.
— Leva-a ao porão. A partir de hoje, ali será o seu quarto — aviso a madame Pilar.
— Mas o quarto...
— Faça o que ordenei e arrume suas malas. Você está de férias a partir de hoje, assim como todos os empregados sob o seu comando.
— Quem vai cuidar dos afazeres dessa casa?
— Bela — respondo simplesmente.
Solto o braço da garota e me viro para entrar na casa.
— Não ouse me desobedecer — aviso antes de entrar.
Essa garota merece aprender uma lição.
Olhar de admiração... Fui idiota, isso sim. Quase me deixei levar pela delicadeza daqueles olhos castanhos brilhantes e a beleza de sua dona.
Monstro horroroso? Vou mostrar a ela o que é ser um monstro.
Combina com o apelido que me deram, combina com o nome dela.... Vamos brincar de a Bela e a Fera. Só que no final não haverá danças e casamento, haverá uma Bela de joelhos, implorando por esse monstro horroroso.
E talvez, só talvez... eu realmente a use um pouquinho.
Afinal, ninguém pode negar que a garota é mesmo... bela.
Bela Dubois— Me acompanhe.Sei que não é a primeira vez que ele diz isso, posso ver sua expressão impaciente. Mesmo que ele esteja na porta e eu ainda parada na frente da casa.Continuo imóvel.— Não.— Como se você tivesse escolha. — Não sei porque olhei para o rosto dele, posso tê-lo conhecido hoje, mas sei que o sorriso que entorta sua boca para o lado é indicio de crueldade, sinto em meus ossos. E confirmo com sua próxima ação. — Fifi! — Ele assobia e vejo o cão imenso vindo em minha direção, enquanto e ele vira as costas e entra na casa.— Maldito! — resmungo e corro atrás dele. A senhora que vi o desafiando parece ser uma boa pessoa, mas tive medo de contar com isso e acabar toda marcada de mordidas de cachorro.Quando entro na casa, me surpreendo, mesmo podendo ver muito dela por fora. É tudo tão organizado, mesclando tons de madeira escura e preto.O sofá convida a sentar, mas não me arrisco. Melhor enfrentar a fera de pé.— O que você quer de mim?— O que quero de você? — el
Bela Dubois— Pronto. Quando posso sair dessa casa? — digo entregando o último papel assinado.— Primeiro vamos conhecer seu quarto. Não está curiosa?— Você disse que é um porão. Não deve ser grande coisa, e eu não ligo desde que possa ser livre.— Me siga. — O homem levanta em todos os seus músculos e altura. É realmente lindo. Se fosse em outra ocasião...Não pense besteiras, Bela Dubois. Me recrimino.Também levanto e o sigo escada acima. Enquanto uma voz chata questiona: Agora que assinou os papéis é Bela Seven.Balanço a cabeça para espantar o pensamento inconveniente e Adam me olha com a sobrancelha arqueada. Deve me achar louca. Mas foda-se!Ele me leva até o fim do corredor e abre uma porta que mostra uma escada, exatamente como nos filmes de terror em que a gente grita para o personagem não descer. O porão é estranho, se desce para ele do segundo andar.Por um momento a idiota aqui confundiu porão com sótão. Imaginei algo mais iluminado. Que idiota!— Que lugar é esse? — per
Adam SevenBela aceitou mais rápido que eu esperava. Ela nem mesmo leu os papéis que assinou. Se tivesse lido, tenho dúvidas que aceitaria.Passei tudo para que meu advogado providencie a certidão de casamento, e assim que ele saiu madame Pilar parou na minha frente com as mãos na cintura.Um minuto inteiro se passou sem que falasse nada, apenas me olhava.— O que foi? Já devia estar curtindo suas férias.— O que o senhor pretende com aquela menina? Sabe muito bem que ela não dá conta de manter essa casa limpa e organizada sozinha. Tem nove quartos aqui, meu filho.— Mas apenas um é usado.— Você entendeu o que eu quis dizer.Bufo.— Achei que eu não era um monstro aos seus olhos.— E espero que continue assim, porque se eu souber que machucou essa menina, ficarei extremamente magoada com você.— Eu não vou machucar essa garota.— Existe muitas formas de machucar, e nem todas são físicas.— Mulher, some daqui! — Me levanto e seguro seu braço gentilmente. — Não vou machucar essa menina
Bela DuboisDeu tudo errado.Jogo o pano enxarcado no chão e caminho para longe da bagunça que fiz.— Que porra! — resmungo. Não quero falar alto e levar outra bronca.Eu demorei quase uma hora só para achar o local onde ficava vassoura e as coisas de limpeza. O acordo de fazer limpeza pela minha liberdade estava mais que bom para mim, afinal conheço os empregados lá de casa e sei que isso é um trabalho como qualquer outro. Não sei o que meu pai achou que aconteceria quando me jogou aqui, mas farei com que se arrependa, vou fazer dar certo.Pego uma vassoura e começo a dançar pela casa antes de começar o trabalho em si. Canto e danço devagar.Mesmo com raiva do meu pai é a música que ele cantava quando estava em casa que me vem à mente. Um sonho a dois, de Roupa Nova. Ele dizia que era a música favorita da mamãe, então eu quis que fosse a minha também.Ao fim da música, a vassoura volta ao seu uso padrão. Mãos à obra.Achei que estava arrasando quando joguei água no chão e comecei a e
Não é possível isso.Só pode ser brincadeira!Roupas, acessórios, sapatos, está tudo jogado no closet, até mesmo no chão.— Ele fez isso. Sei que fez.Não precisei de dois minutos para perceber que o homem gosta de limpeza e organização, e me deparo com isso. Foi feito de propósito.— Que infantil!Ele está querendo dificultar a minha vida. Só não sei porque, afinal o que ganha com isso?Bufando de ódio, organizo as coisas o máximo que consigo sem saber onde estavam antes. Fica bom. Também arrumava o meu. Isso eu sei fazer.Quando desço tem um segurança saindo da casa.— Espere — chamo e ele para. — Preciso sair, mas não tenho intimidade com o cachorro. Pode prendê-lo ou me escoltar até o portão?— Sinto muito, senhora, mas só pode sair com a permissão do senhor Adam.— Mas ele permitiu.— Ele não nos avisou e no momento está incomunicável.— Obrigada! — sorrio forçado para o homem e vou em direção ao meu “quarto”. — Caralho! — resmungo baixo. Se esse homem estiver me fazendo de besta
Eu devia agradecer e sair do seu colo, mas fico muda, não falo nem me movo. Primeiro hipnotizada por seus olhos intensos naquela cor perfeita, logo depois por suas marcas. Ele permanece imóvel, me segurando, seu coração bate acelerado contra o meu corpo, como se tivesse corrido muito ou estivesse assustado ou com dor. Ficamos assim por um tempo que não sei mensurar, até que... levo meus dedos e toco uma das cicatrizes, ele se contrai e me coloca no chão tão bruscamente que quase caio.— Não sabe fazer nada direito mesmo — resmunga com uma careta. — Se tivesse caído teria batido a cabeça e eu é que limparia sangue na minha biblioteca e teria que me livrar o corpo.Livrar do corpo? Me assusto com a naturalidade em suas palavras.Abro a boca para questionar, mas ele se adianta.— Não vai sair dessa casa enquanto não deixar de ser um perigo ambulante.É demais para mim, toda a raiva se converte em lágrimas que não consigo segurar. Choro na frente dele silenciosamente, como uma criança que
Adam SevenMesmo sem querer deixar Bela sozinha, talvez colocando fogo na casa ao usar gasolina em algum ingrediente das suas experiências bizarras na cozinha e na limpeza, tive que fazer. Alguns idiotas estão roubando da nossa plantação, e isso pode ser uma porta para chamar a atenção da polícia. Não é porque temos pessoas importantes em nossas mãos que podemos vacilar, e a plantação é parte da minha responsabilidade, sou eu que lido com qualquer problema ali.No primeiro dia, peguei o helicóptero e fiquei até bem tarde. Sem sinal dos invasores. Quando voltei para casa Bela estava encolhida no sofá, dormindo. Os cabelos espalhados, a respiração cadenciada. Não posso negar que é linda. Seria hipocrisia. Mas é estranho a forma como ela me faz sentir, às vezes pareço uma criança querendo chamar a atenção com pedradas. Não que eu seja o cara mais gentil do mundo, mas... Ah, sei lá, só sei que isso me irrita.Vou para o quarto, mas nem durmo quatro horas e preciso voltar para a plantação
Quatro homens mortos, nenhum dos meus. Se tiver algum cumplice vai saber que estamos de olho e pelo menos dar um tempo para mudar de estratégia.Ficar aqui dias me deixa puto, mas o que me deixa puto é ter levado uma facada de raspão porque a porcaria da aliança caiu e me deixou distraído. Eu poderia ter mandado fazer outra, com o mesmo acessório extra que essa, mas não, parece que o objeto valia mais que minha maldita vida. Por sorte desviei a tempo de não ser um corte mais profundo. Só precisei de curativo.Ai eu chego em casa e lá está Bela dormindo no sofá novamente.Faço um comentário maldoso quando acorda, confesso que ainda irritado por ter levado uma facada por um casamento de fachada. Qual não é a minha surpresa quando a baixinha sobe na mesa e me enfrenta ao ponto de me chamar de mentiroso aos gritos e dizer que me odeia. É muita ousadia.Eu acho até fofo.Em resposta ao seu ataque, apenas digo que não sinto nada por ela e mando descer da mesa só com um gesto. A porcaria d