Não era a primeira vez que seu celular tocava. Incessantemente. Desde que chegou ao hospital. Talvez um pouco depois disso. Ele tocava sem parar. E estava tão destroçado que não quis nem mesmo olhar na tela para saber quem é que ligava irritantemente. Todos já estavam sabendo o que aconteceu com Mia, então não havia motivos para ligarem para ele. Se fosse algo sobre o trabalho, ele não iria atender. Não se importava. Naquele momento, só importava sua noiva. A mulher que amava. A mãe de seus filhos. Havia um outro motivo também que ele estava ali, tão preocupado. Um segredo. Algo que ele não havia dito a ninguém. Estava com a cabeça doendo. Cheia de coisas. Não parava de pensar. Queria ter contado, mas estava esperando Mia acordar primeiro. Mas ela acordou e não se lembrou dele. E isso doeu. E agora ele não sabia como contar. Se deveria contar. Se era a hora. Ele achava que não, não era a hora. Como falaria sobre algo tão importante em um momento como aquele? Ela já estava confusa, h
— Ela é tão linda. Oliver sorriu ao escutar o elogio que saiu dos lábios da amiga de cabelos rosados. Sua garotinha era mesmo muito linda. Tudo bem, era um pai babão, mas ninguém diria o contrário. Olívia tinha ainda mais sardas que quando nasceu. Como a madrinha e a mãe tinham. Os cabelos ruivos estavam mais chamativos e os cachos começavam a cair em seu rosto. Cachos longos e bonitos. — Parece que eu perdi uma vida inteira. — Não pense assim. Mia ficou triste, e nenhum dos amigos gostou. — Eu não me lembro de parte de uma vida que eu vivi e fui feliz. Eu nem me lembro quando foi a última vez que fui realmente feliz. Perdi meu pai, perdi minha filha... e agora... eu perdi uma vida... — Essa vida continua vívida, Mia. – Luna a cortou. – Não em sua mente, tudo bem, mas em seu coração. Está aí. Você sabe. — Dói... toda vez que... penso... nele. Como pode? Eu nem mesmo me lembro dele. — Você o ama. – Oliver quem diz. – Você demorou para admitir. Eu provoquei bastante. – Conf
Mia se sentiu tão sozinha quando os amigos a deixaram. Se sentiu como quando perdeu sua mãe. Que infantilidade, ela pensou. Perdeu a memória e junto, o amadurecimento? Claro que ela sempre havia sido uma pessoa sensível. Principalmente depois da morte da filha, o que era natural. Mesmo sendo tão nova, estava feliz por saber que seria mãe. Estava tudo pronto para a sua chegada. Não. Não iria ficar pensando naquilo novamente. Prometeu a seus amigos que não deixaria aquela dor tomar novamente sua alma. Havia se fortalecido. Pouco, mas já era alguma coisa. Tudo bem que não gostava de sair de casa, mas já conseguia conversar com as pessoas sem ter aquele receio de sempre. Diria que até pouco tempo já conseguia ir ao mercado sem ter uma crise, mas com toda a certeza isso havia ganhado bastante espaço em sua vida, já que até noiva havia ficado. Que loucura. Para ela era como se não conhecesse ela própria. Os amigos haviam dito que ela mudou da água para o vinho depois de conhecer os Kava
Mia ficou muito surpresa pelos próximos dias. Foram quase dez dias naquele hospital conhecendo pessoas que ela não se lembrava quem eram em sua vida, mas que diziam ser muito importantes, e revendo pessoas que ela achou que nunca mais iria rever. Pessoas que fizeram parte de sua vida por mais de um ano. Seus tios por exemplo. A família de sua amada mãe. Os primos, que eram extremamente gentis e que contaram parte da vida que ela perdeu. Aquela falta de memória estava começando a irritá-la por isso. Primeiro um noivo que ela estava magoando, e agora a família que ela sempre quis ter contato. E ainda tinha duas crianças. Duas pequeninas crianças que a amavam verdadeiramente e que ainda só não haviam aparecido porque estavam todos com medo da reação delas. E não podia julgá-los por isso. Ela mesma estava com medo. Apavorada. Mas não eram apenas duas crianças, apesar de que com elas seria pior. Eram todas as outras. Os afilhados, os sobrinhos, os primos menores, filhos de seus tios. Seri
Ah, aquele sorriso. Estava sempre ali quando ela sorria. Ela percebeu isso em um instante. Sempre havia sido lerda, mas pela primeira vez, em um instante, percebeu que alguém a amava. De verdade. De forma que ela até se sentia constrangida. Não de uma forma ruim, claro. Não sabia se podiam ver, mas ela tinha certeza de que quando ele a olhava, corava. Corava. Céus, quando foi a última vez que corou? — Nós estamos chegando. Piscou algumas vezes, fitando o moreno ao seu lado. E então se sentiu nervosa. — Está tudo bem? Ele percebeu. Ele a conhecia como Luna e Oliver a conhecia. Como era possível? Não, ela sabia como, eles moravam juntos. Mas ainda assim, era estranho. — Está nervosa. — Um pouco. – Confessou. — Vai ficar tudo bem. Ela respirou fundo. Escutou aquelas palavras tantas vezes, que queria acreditar mais que eram verdadeiras. Esperava que sim. — Thomas e Natalie. – Diz para si mesma. – Thomas e Natalie. – Repetiu. — Naty. Você a chama por Naty. — Naty. –
Como era difícil manter uma conversa sem se sentir desconfortável e muito constrangida. Era horrível ver que as crianças tinham receio de falar com ela. Thomas era o mais envergonhado. Ele havia ficado muito silencioso à mesa, e já haviam dito a ela que ele era falante. Falante até demais. Adorava implicar com ela e o pai. Constrangê-los. Provocar em especial a ela. Fazia isso para que ela recorresse às cosquinhas. Ele não admitiria nunca, sua amiga diz, mas ele amava quando ela corria atrás dele e lhe enchia de cócegas. E agora estava todo calado, constrangido, sem saber como falar com a própria mãe. Mamãe. Quem diria que um dia realmente seria mãe. Ela imaginou que não aconteceria. Não depois de perder sua filha. Havia sido uma dor muito grande e ela prometeu a si mesma nunca mais passar por aquilo. Mas ali estava ela, não só noiva, mas sendo mãe de duas crianças de sete anos e meio. Tinham sete, mas mais pareciam que tinham dez. Ela daria dez pela inteligência, mas pelo tamanho,
— Bom dia. Ela se virou, assustada, encontrando o noivo. — Perdão. — Tudo bem, eu... Tudo bem. Liam a olhou por um momento considerável até finalmente começar a andar até a cadeira na qual ele sempre se sentava. — Café? Liam então piscou algumas vezes, fitando a mão dela, que já segurava a jarra de café e a xícara, colocando diante dele. Ela fazia aquilo. Será que ela se lembrava de que sempre fazia aquilo? — Obrigado. – Murmurou. – Dormiu bem? — Sim, o quarto... é maravilhoso, obrigada. – Franziu o cenho. – Isso ficou um pouco estranho. Parece que estou agradecendo por algo... — Tudo bem. – Sorriu fraco. — Eu estou um pouco perdida. O que eu fazia... antes de isso acontecer? Ele pediu para que ela se sentasse, e ela o fez, ao lado dele, como fazia sempre. Será que ela percebia que ela fazia tudo da mesma forma que antes? Claro que não, ela não se lembrava, mas ainda assim, era como se ela se lembrasse, sim. E isso deixava algo quentinho dentro dele. Por mais que soubes
— Eu estou com fome. – Thomas diz, chamando a atenção para si.— Eu fiz panquecas. As crianças olharam uma para a outra. — Não gostam de panqueca? – Se preocupou. — Não, não é isso. – Liam se apressou. — Você fazia coisas saudáveis para nós todos os dias. — Pão assado, mamãe. – Natalie completou. — Oh. – Piscou. – Certo. — Hoje eles comem das panquecas, não é mesmo? – Tentou sorrir. — E o nosso lanche? — Bem, eu já sabia que iriam para a escola então eu fiz... sanduíche natural, fiz um bolo de limão com calda de chocolate branco e um suco de laranja. – Os olhinhos brilharam e ela olhou de um para o outro, nervosa. – Eu... não sei por que..., mas eu simplesmente acordei com essa ideia de fazer bolo de limão. Eu... fiz... errado? — Não! – Os pequenos praticamente gritaram. — É o nosso bolo preferido. – Thomas contou. — Oh. – Se sentiu feliz. – Mesmo? — Eles gostam de chocolate, mas preferem algo mais meio amargo e menos doce. — Bem, então eu acertei em alguma coisa