Interlúdio VII – A queda
Era tudo cinza ao nosso redor. Holdur estava flutuando com as pernas cruzadas em posição de meditação. Seus olhos estavam fechados e me perguntei se isso fazia alguma diferença para ele. Me perguntei, também, por qual razão ele estava me ignorando lá do alto e resolvi tentar flutuar como ele. Não podia ser tão difícil. Bastaria pular e me sustentar lá. Meu corpo ali não era de carne e osso e a noção de gravidade devia estar apenas em minha mente. Já havia sonhado, várias vezes, estar voando. Não seria diferente, seria?
Flexionei minhas pernas até minhas mãos tocarem o chão. Respirei fundo o ar inexistente, tão bem-vindo quanto o ar de verdade, e saltei. Meu salto deve ter atingido uns vinte metros de altura. Era o suficiente para fic
Capítulo XVI - O que fará agora?– O que estáfazendo, Ônix Pedra-Negra? – perguntou Agures, ainda triunfante, quando a porta foi trancada.– Vou mostrar como um peixe pequeno écapaz de fazer um belo estrago – Ônix disse e jogou o chapéu no chão. Em seguida amarrou o pano vermelho em sua cintura e, por cima, colocou o cinto com a fivela em formato de caveira alada.– Teremos uma diversão, afinal, Navalha – Agures disse e estalou os dedos.O gigante passou as mãos sobre dois punhais e posicionou-se. Um sorriso cínico esticou seus lábios. A voz grave do gigante reverberou pelo salão:– Parece não ser um dia de boas escolhas para você, pirata. Devia ter saído daqui quando teve chance. Agora, a única s
Prelúdio IX – IrritadoEra dezembro de 2010 do calendário cristão e eu havia dormindo no apartamento da minha namorada. Dormido é exagero. Havia passado a maior parte da noite acordado, em verdade, e não por bons motivos. Minha namorada tinha um cachorro. A noite tinha uma intenção de tempestade. Isso era ruim. A cobertura do prédio no qual minha amada morava era açoitada por ventos uivantes, no melhor estilo de filme de terror, e o quarto dela ficava lá.O cachorro tremia e, sem ter onde se esconder, ficava inquieto, me envolvendo em seu desespero. Isso era muito ruim. Não importava o quanto eu demonstrasse desinteresse no bicho, ele era grudado em mim. Talvez soubesse que, no fundo, adoro animais. Mais do que muitos humanos. Minha resistência a ele se devia ao fato de que quanto mais admitisse, para mim mesmo, gostar dele, mais sent
Prelúdio X - No fim das contasEra novembro de 1994 do calendário cristão.O meu curso fundamental estava no fim. Ao fim desse período, os alunos tinham duas escolhas para o ensino médio: o magistério ou o curso técnico de contabilidade. Ambos serviam de base para o ensino superior. O magistério era mais indicado como preparação para a faculdade. O curso de contabilidade era muito mais específico.Havia decidido não cursar faculdade alguma. Isso era indiscutível. O ensino médio, no entanto, era. Minhas razões para não me interessar pelo curso superior eram muitas. A principal era não ter mais saco para aguentar, por muito mais tempo, um monte de gente desprovida de aptidão para dar aulas.Um professor deveria ser um mestre, alguém admirável. Alguém para nos ensinar
Capítulo XIX– A ilha mística de Phemba Skull Tumba– Ora, ora. Vejam só o que a sorte me trouxe. – Disse uma voz voluptuosa, atrás de Ônix. Havia notas de prazer na melodia. Pedra-Negra desejou ser só um pesadelo, mas sentia a umidade do lugar. Havia musgos nas pontas de seus dedos. Podia ver alguns cipós no alto de algumas árvores ao redor. A lua estava cheia e havia quatro tochas à sua frente, em suportes altos, nos quais havia uma caveira em cada. Ônix se levantou e perguntou, sem se virar:– Phemba... Skull... Tumba?– Para você, é Mestra Phemba Skull Tumba – a voz sedutora respondeu, apenas um pouco mais enérgica. Braços pálidos envolveram o pirata, massageando sei peito e abdômen. Os lábios violetas, próximos ao pescoço dele, disseram: – Ai
Interlúdio XI – AprisionadoEra tudo cinza ao nosso redor. Holdur estava diante de mim. Mesmo quando não estava sorrindo, seu semblante era amistoso. Como de quem conhece um segredo importante, capaz de dissolver qualquer medo. Mas, como eu o desconhecia, estava assustado.– Você me disse, certa vez, que eu poderia estar invertendo as coisas – falei. – Estou um bocado confuso agora. Já não sei o que aconteceu antes ou depois. Qual William está aqui agora? O que se tornou o pirata Ônix Pedra-Negra ou o que brinca de ter se tornado ele?– Você vê diferença? – o velho cego perguntou e falou: – Eu não.Humor de cego. Tudo o que eu não precisava naquele momento. Ele percebeu meu terror e disse:– Os personagens só existem em nossas mentes. Somos todos
Prelúdio XIQuando minha vida era um faz-de-contaEscuridão molhada.*Sons estranhos.*Meu mundo seguro.*Ruptura. Medo. Fim do mundo seguro. Frio. Muito frio.*Lã.*Mamadeira. Chocalho. Fralda. Berço de madeira. Chão de assoalho. Sem minha mãe... falta. Palavras. Passos. Crianças. Pássaros. Correr. Pular. Esconder. Família e lar. Fruta madura. Doce. Risos. Aventura. Dor... Vamos Brincar?*Eu tinha cinco anos. Era domingo, fiquei sabendo. Os dias tinham nomes e eram apenas sete. Eles se repetiam e eu não me importava em saber qual deles foi o primeiro dia a nas
Capítulo XXII –A resposta finalLeela suspirou, ciente de não poder alongar indefinidamente o seu tempo de fuga. Havia parado de chorar, mas sua voz ainda denotava tristeza, ao dizer:– Quero saber como termina a vida de meu pai, antes de voltar a pensar na minha. Pode me contar?– Naquele tempo tecnológico, ele viveu toda uma vida e, consequentemente, encontrou aquilo que chamam de morte. O corpo do século XXI viveu o máximo que pôde, mas não era um corpo destinado a viver séculos – respondi. – Enquanto o elo de vida, entre a consciência e aquele corpo, se desfazia, seu pai sentia pequenas lambidas em seu rosto. Ao abrir os olhos, viu, primeiramente, o céu. Em seguida, o par de olhos felinos se colocou entre ele e o imenso azul. Entendeu as pequenas lambidas a despertá-lo. Era uma gata,
Ele já havia sido chamado por muitos nomes. Antes de ser Ônix, ele tinha sido Dáverus. E depois voltou a ser o deus, sem deixar de ser o pirata. Estava acampado naquela planície próxima a um riacho, com seus dois companheiros de viagem: Einnie e Gillig, a gata e o gato dotados da capacidade de falar. Se é que poderia se dizer que eles estavam em viagem.Gillig havia se afastado um tanto e, ao regressar, resmungou, por finalmente encontrar o pirata de olhos abertos.– Já faz vários dias que estamos aqui e a maior parte deles você passou meditando, Onda, meu querido. Achei que iríamos até Phemba. Ou alguma delas, pelo menos, depois que saltamos daquele precipício para cima do dragão negro gigante, que você guardou outra vez nessa poke-pedra que carrega no pescoço. – Onda? – perguntou o único com corpo humano ali.