Prelúdio IX – Irritado
Era dezembro de 2010 do calendário cristão e eu havia dormindo no apartamento da minha namorada. Dormido é exagero. Havia passado a maior parte da noite acordado, em verdade, e não por bons motivos. Minha namorada tinha um cachorro. A noite tinha uma intenção de tempestade. Isso era ruim. A cobertura do prédio no qual minha amada morava era açoitada por ventos uivantes, no melhor estilo de filme de terror, e o quarto dela ficava lá.
O cachorro tremia e, sem ter onde se esconder, ficava inquieto, me envolvendo em seu desespero. Isso era muito ruim. Não importava o quanto eu demonstrasse desinteresse no bicho, ele era grudado em mim. Talvez soubesse que, no fundo, adoro animais. Mais do que muitos humanos. Minha resistência a ele se devia ao fato de que quanto mais admitisse, para mim mesmo, gostar dele, mais sent
Prelúdio X - No fim das contasEra novembro de 1994 do calendário cristão.O meu curso fundamental estava no fim. Ao fim desse período, os alunos tinham duas escolhas para o ensino médio: o magistério ou o curso técnico de contabilidade. Ambos serviam de base para o ensino superior. O magistério era mais indicado como preparação para a faculdade. O curso de contabilidade era muito mais específico.Havia decidido não cursar faculdade alguma. Isso era indiscutível. O ensino médio, no entanto, era. Minhas razões para não me interessar pelo curso superior eram muitas. A principal era não ter mais saco para aguentar, por muito mais tempo, um monte de gente desprovida de aptidão para dar aulas.Um professor deveria ser um mestre, alguém admirável. Alguém para nos ensinar
Capítulo XIX– A ilha mística de Phemba Skull Tumba– Ora, ora. Vejam só o que a sorte me trouxe. – Disse uma voz voluptuosa, atrás de Ônix. Havia notas de prazer na melodia. Pedra-Negra desejou ser só um pesadelo, mas sentia a umidade do lugar. Havia musgos nas pontas de seus dedos. Podia ver alguns cipós no alto de algumas árvores ao redor. A lua estava cheia e havia quatro tochas à sua frente, em suportes altos, nos quais havia uma caveira em cada. Ônix se levantou e perguntou, sem se virar:– Phemba... Skull... Tumba?– Para você, é Mestra Phemba Skull Tumba – a voz sedutora respondeu, apenas um pouco mais enérgica. Braços pálidos envolveram o pirata, massageando sei peito e abdômen. Os lábios violetas, próximos ao pescoço dele, disseram: – Ai
Interlúdio XI – AprisionadoEra tudo cinza ao nosso redor. Holdur estava diante de mim. Mesmo quando não estava sorrindo, seu semblante era amistoso. Como de quem conhece um segredo importante, capaz de dissolver qualquer medo. Mas, como eu o desconhecia, estava assustado.– Você me disse, certa vez, que eu poderia estar invertendo as coisas – falei. – Estou um bocado confuso agora. Já não sei o que aconteceu antes ou depois. Qual William está aqui agora? O que se tornou o pirata Ônix Pedra-Negra ou o que brinca de ter se tornado ele?– Você vê diferença? – o velho cego perguntou e falou: – Eu não.Humor de cego. Tudo o que eu não precisava naquele momento. Ele percebeu meu terror e disse:– Os personagens só existem em nossas mentes. Somos todos
Prelúdio XIQuando minha vida era um faz-de-contaEscuridão molhada.*Sons estranhos.*Meu mundo seguro.*Ruptura. Medo. Fim do mundo seguro. Frio. Muito frio.*Lã.*Mamadeira. Chocalho. Fralda. Berço de madeira. Chão de assoalho. Sem minha mãe... falta. Palavras. Passos. Crianças. Pássaros. Correr. Pular. Esconder. Família e lar. Fruta madura. Doce. Risos. Aventura. Dor... Vamos Brincar?*Eu tinha cinco anos. Era domingo, fiquei sabendo. Os dias tinham nomes e eram apenas sete. Eles se repetiam e eu não me importava em saber qual deles foi o primeiro dia a nas
Capítulo XXII –A resposta finalLeela suspirou, ciente de não poder alongar indefinidamente o seu tempo de fuga. Havia parado de chorar, mas sua voz ainda denotava tristeza, ao dizer:– Quero saber como termina a vida de meu pai, antes de voltar a pensar na minha. Pode me contar?– Naquele tempo tecnológico, ele viveu toda uma vida e, consequentemente, encontrou aquilo que chamam de morte. O corpo do século XXI viveu o máximo que pôde, mas não era um corpo destinado a viver séculos – respondi. – Enquanto o elo de vida, entre a consciência e aquele corpo, se desfazia, seu pai sentia pequenas lambidas em seu rosto. Ao abrir os olhos, viu, primeiramente, o céu. Em seguida, o par de olhos felinos se colocou entre ele e o imenso azul. Entendeu as pequenas lambidas a despertá-lo. Era uma gata,
Ele já havia sido chamado por muitos nomes. Antes de ser Ônix, ele tinha sido Dáverus. E depois voltou a ser o deus, sem deixar de ser o pirata. Estava acampado naquela planície próxima a um riacho, com seus dois companheiros de viagem: Einnie e Gillig, a gata e o gato dotados da capacidade de falar. Se é que poderia se dizer que eles estavam em viagem.Gillig havia se afastado um tanto e, ao regressar, resmungou, por finalmente encontrar o pirata de olhos abertos.– Já faz vários dias que estamos aqui e a maior parte deles você passou meditando, Onda, meu querido. Achei que iríamos até Phemba. Ou alguma delas, pelo menos, depois que saltamos daquele precipício para cima do dragão negro gigante, que você guardou outra vez nessa poke-pedra que carrega no pescoço. – Onda? – perguntou o único com corpo humano ali.
Onda respirou fundo. Era o momento. Com muita serenidade, falou:– Cheguei à conclusão de que talvez Holdur não tenha me enviado para o passado no século XXI, no qual eu teria sido um escritor. Claro que ele achou que estava fazendo isso, mas mesmo o saber dele não era absoluto. Considero que ele pode ter me enviado para fora desta nossa realidade construída dentro de uma realidade maior que existe agora, neste instante, na qual o tal escritor e criador da nossa realidade existe e ainda vive na era dele, o tal século XXI. E se eu não fui o escritor, mas sim me conectei a ele a ponto de ver através dos seus olhos?O silêncio foi constrangedor, por um instante. Gillig o quebrou, comentando:– Que brisa louca sopraram na cara dele?Einnie concordou e disse:– Me lembre de nunca passar dias meditando. Tinha o Quê naqueles chás que ele bebeu?&ndas
Phemba de cabelo azul perguntou, após um breve instante de silêncio de todos ali, como se ela considerasse considerar a possibilidade, embora pudesse ser apenas crueldade refinada, ao alimentar falsa esperança no coração do homem:– Você se lembra de ter escrito essa conversa quando estava no passado, ou na mente do tal escritor?– Me lembrava de mais coisas da vida lá, no instante que fui despertado pelos gatos. Mas foi como se eu tivesse trazido um baú muito grande com muitas moedas de muitas faces diferentes e precisasse dar uma última olhada antes de enterrar o baú em algum lugar da minha mente e só tivesse tempo de olhar bem para a face de algumas delas. Passei dias cavando, enquanto meditava aqui, e considero ter chegado perto. Sinto que me lembrarei com certeza se nos tornarmos apenas um.Ele não se importava em oferecer tudo o que podia, embo