Capítulo 6

Isa

Nada melhor que a liberdade de estar em uma moto, tem vários cavalos de potência ronronando no meio das suas pernas, o vento correndo por seu corpo, a sensação de liberdade. Eu queria gritar de felicidade por finalmente está saindo em meu mochilão.

Foi difícil, meus pais encrencam, brigamos e agora nenhum dos dois queria falar comigo. Minha mãe por querer me colocar dentro de uma caixa de vidro, meu pai por estar acabando com o meu futuro perfeito, o único que me apoiou e me desejou sorte foi o meu irmão, ele até queria vir comigo, mas sendo menor de idade não podia. Por isso eu o levei de casa durante o sábado e domingo, pegamos o carro e fomos para a baixada, nós surfamos, quer dizer ele surfou e eu só cai, pulamos de paraglider, fizemos uma trilha e eu fiquei morta com farofa no domingo à noite.

Gustavo era um menino inteligente, carismático, vivia com alguma namoradinha e eu tinha ciúmes de todas. Meus pais não estavam preparados para ter mais um filho, e eu não queria que ele se sentisse um doador de medula. Quando sai de casa para ter meu cantinho assim que terminei a faculdade procurei um lugar com dois quartos e montei um cantinho para ele, nós nos divertimos muito e eu o mimava, afinal era meu salvador, estava viva por causa dele.

Mas o meus pais não via como ele era especial, desde pequeno foi cuidado por babás. Quando eu finalmente fiquei boa, fui largada também, como se as obrigações deles tivessem terminada. Nenhum dos dois tinha o mínimo jeito para crianças, já que meu pai só se importava com seu cargo de diretor e minha mãe com a sua caridade. Acho que por isso eu e Gustavo nos unimos tanto.

Na segunda de manhã acertei tudo para que o meu apartamento fosse cuidado e olhado. Gustavo ficou com uma chave e deixei um dinheirinho com ele para emergência. O apartamento que morava foi presente dos meus pais pela formatura, eu quase não gastava com comida e condomínio e fiz faculdade pública então não tinha com que gastar o meu dinheiro que recebia então fiz vários fundos de investimento que estava dando lucro e ficava com o suficiente para mimar a mim e o Gu.

A estrada estava boa àquela hora da manhã, meu destino era o interior, irá começar com o meu estado, depois ir para Minas e ai só Deus sabe. Peguei o Rodoanel e segui no limite da velocidade, fiz uma parada em Campinas para almoçar, e continuei. Parava a cada duas horas para descansar as pernas.

Estava chegando o finalzinho da noite e pelo meu planejamento estava próximo a cidade onde ia passar a noite. Fiz todo um mapa calculando cada parada quanto tempo ficaria em qual cidade. Escutei o barulho de motos, olhei pelo retrovisor e vi três caras vindo em minha direção com grande velocidade. A pista que estava era mão dupla então joguei bem para perto do acostamento para dar passagem para os apressadinhos, em minha frente tinha um carro. Eles passaram por mim buzinando e fazendo algazarra, pegaram a contramão para ultrapassar o carro e viraram em uma curva fechada.

Por cima do barulho eu ouvi o som da pancada. Diminuir ainda mais a marcha da minha moto e fui de segunda fazer a curva. Quando terminei ela tive que frear com tudo, a desgraça estava feita. Tinha um caminhão atravessado na pista com metade dele no acostamento na parte de terra, o carro tinha batido na lateral dele e as três motos foi uma para cada direção.

— Puta que pariu. — Desliguei a moto e vi o acidente. — O que fazer agora Isa?

Lembrei as minhas aulas na autoescola, a primeira coisa que tinha que fazer era manter o lugar seguro. Liguei a moto e dei meia volta. Fiz a curva de novo, parei a moto na transversal, a vários metros de mim vinha um outro carro, o motorista começou a buzinar e eu comecei a acenar como uma louca, sei que isso foi perigoso mais não tinha o que fazer.

— A senhora é louca. — Um homem bigodudo saiu do carro velho, nem sei que marca era, mas a máquina já tinha visto dia melhore.

— Aconteceu um grande acidente depois da curva, não tem como passar, temos que fechar a estrada até tirar as pessoas e os carros do caminho.

— Putz, eu tenho um triângulo. — Acenei para o cara e desci da moto e vi o cara correndo para o seu carro. Fui até a bolsa na lateral da minha moto e a abrir, eu tinha um kit de primeiros-socorros, não ia ajudar muito com o tanto de vítima, mas pelo menos poderia dar uma primeira avaliada, colo a alça da bolsa na transversal do meu corpo. Comecei a andar depressa de volta para o acidente enquanto pegava o meu celular, no mesmo minuto que ele tocava.

— Isadora. — Conhecia aquela voz grossa, já tinha ouvido ela no pé da orelha quando estava a ponto de gozar.

— Oi, Mau Mau, por mais que eu queria falar com você, agora não posso, tenho que ajudar em um acidente...

— Você está bem?

— Sim, mas tem um monte de vítimas...

— Onde você está? — Disse o nome da estrada e desliguei em seguida, não podia perder tempo.

Corri para o local, com o telefone nas mãos ligando para emergência, não sabia quantas pessoas tinha no carro ou no caminhão, expliquei o que estava acontecendo e que era médica, e pedir o máximo de pessoas para emergência.

— Senhor, está bem? — Gritei para o motorista do caminhão que saia aos trôpegos. Ele não me respondeu e eu fui em direção ao carro. Um cheiro forte de algum produto de limpeza agrediu meu nariz. Olhei para o caminhão e vi a placa de produto perigoso. — Era só o que me faltava.

Abrir o meu kit e peguei um par de luvas, a tesoura e meu estetoscópio. Olhei para a janela e uma moça estava desmaiada com sua cabeça encostada no volante. No banco de trás uma criança chorava, passei meu braço pelo vidro aberto e chequei o pulso da mulher e vi que estava forte, sendo assim a criança era minha prioridade, não podia a mover, o risco de lesão de medula estava presente.

Coloquei a tesoura na minha bota e o esteto no pescoço, abri e puxei a tranca da porta de trás do carro, tentando não tocar na mulher. Fui checar o lindo menininho que chorava.

— Mami. — Ele sacudia os bracinhos, para a mulher. Soltei ele da sua cadeirinha e o tirei do carro.

— Senhora. — Olhei para trás e vi o bigodudo correndo em minha direção.

— Que bom que você está aqui. — Ofereci o menino para ele assim que chegou. — Segure ele, por favor. — O homem fez que sim com a cabeça. Ouvir um gemido e voltei meu olhar para o carro, a mulher estava acordando.

— Moça. — Toquei em seu ombro. — Está tudo bem...

— O que? — Ela olhou para frente e depois para o lado, gemeu de dor quando olhou para trás. — Kevin, meu Deus, onde está meu filho.

— Está a salvo, tirei ele do carro. — Ela finalmente olhou para mim. Sorrir para ela, tentei falar calmamente e em um tom baixo, para não a assustar mais. — Preciso saber como você está. — Olhei para seu rosto e vi um corte que vertia sangue, tinha gases na mochila e eu peguei e fui colocar em seu machucado.

— Estou tonta, minha vista está embaçada.

— Consegue mexer as pernas? — Avaliei seu corpo, o máximo que podia de onde estava, queria manter ela ali até o resgate chegar.

— Moça. — O motorista do caminhão veio correndo. — Precisamos sair daqui.

— Vamos esperar o resgate e...

— Esse caminhão tem amônia. — Puta que pariu de rodinhas. — Pode explodir, estou sentindo cheiro do produto, ele é tóxico também.

— Certo. — Olhei para a mulher. — Vamos ter que tirar você daí.

— Tudo bem, sinto minhas pernas. — Isso era um bom sinal. Coloquei a mão dela onde estava a bandagem e abrir a porta do motorista e ajudei ela com o cinto de segurança.

— Deixa eu ajudar vocês. — O motorista do caminhão pegou a mulher no colo e saiu andando de perto do carro.

— Agora só falta achar os três palhaços. — Andei apressada até o motorista. — Você viu os caras de moto.

— Os idiotas que estava andando em uma roda só na contramão? — Fiz que sim com a cabeça. — Eu não os vi.

Merda. Merda, merda. — Ligue para o serviço de emergência e diga sobre sua carga, para que eles venham mais rápido. — Corri na outra direção do carro, já que de onde eu vim não tinha nem sinal dos homens. Vi um corpo perto do outro acostamento. Foi até ele, tinha uma poça de sangue se formando ao redor dele. Seu capacete estava a metro de distância e eu olhava estático para o céu de fim de tarde. Me ajoelhei perto do rapaz e fui procurar seu pulso, constatei o óbvio, aquele ali estava morto.

Caminhei adiante e vi o idiota número dois engatinhando, fui até ele.

— Ei, você está bem? — Felizmente esse estava de capacete. O cara deixou de engatinhar e sentou na pista. Retirando o equipamento de segurança. Me ajoelhei ao lado dele. — Quantos dedos tem aqui?

— Eu não estou bêbado. — Ele resmungou, segurei ele com força pois estava indo para frente e para trás.

— Quero verificar seu nível de consciência, acaba de cair de moto. — Ele não respondeu nada, virou para o lado e começou a vomitar, o cara tinha uma belíssima concussão. Suas roupas estavam rasgadas, e via sangue para todo lado, mas diferente do amigo não era em grande quantidade.

— Moça. — O motorista apareceu na minha linha de visão. — Achei o outro cara.

— Onde?

— Está debaixo do caminhão, sua perna está estranha, e vi que está e... — Uma chuva começou a cair, era um daquele temporal de verão, só para ajudar.

— Preciso que você me ajude com esse aqui. — Eu gritei para ele. — Eu vou ver outro.

— Mas moça, o caminhão...

— Está chovendo, isso é bom para nós, o risco de explosão diminui, você viu gasolina ou outro combustível na pista?

— Não senhora. — O motorista pegou o motoqueiro. Ele era grande e corpulento. Parecia que daria conta do magrelo todo ferrado.

— Então estamos em vantagem. — Eu abrir a minha bolsa e peguei um rolo de atadura. Tirei um pedaço e amarrei em meu rosto. A Amônia corroía a pele e prejudicaria os pulmões dependendo do estado, apesar da chuva e provavelmente a água se misturar com a substância e possivelmente a transformar, isso era ainda perigoso.

Corri para o caminhão e logo vi uma perna bem próximo a uma das rodas. Como o motorista disse, a perna do cara estava possivelmente quebrada, e a outra tinha vertia sangue. O homem não se mexia, para eu chegar em sua cabeça tinha que engatinhar embaixo do caminhão, quando ia fazer isso notei a amônia.

— Merda. — Precisava tirar o homem dali, mas não sabia o que fazer. Foi quando eu ouvir as sirenes ao longe, — Graças a Deus. — Em minutos paramédicos vieram em minha direção. — Eu sou Isadora. — Falei para o loiro. — Sou médica e precisamos tirar ele daqui.

— A senhora precisa se afastar e...

— Olha para ali. — Apontei para a substância. — Aquilo é amônia se você não quiser ser um paciente faz o que eu te mando. — O cacete, ficou preso na garganta.

Peguei a tala que ele levava e comecei a estabilizar a perna quebrada, o homem viu a minha eficiência e foi para debaixo do caminhão, provavelmente mobilizar o pescoço. Peguei a minha tesoura e depois de cuidar da perna um fui para perna dois. Ali estava um desastre. O cara tinha um corte feio na panturrilha que estava saindo muito sangue.

— Estabilizei o pescoço. — Ele tossiu. — Vamos tirar ele daqui.

Fiz que sim com a cabeça. Não dava tempo de imobilizar a outra perna. Com rapidez nós dois o colocamos na prancha e saímos do local. Meus olhos ardiam e minha garganta doía. Os efeitos da amônia estava me pegando.

Andamos rapidamente em direção a ambulância o colega dele nós encontrou no meio do caminho e nos ajudou. Tirei a minha máscara improvisada e comecei a dar ordens para os meninos do resgate. Como bons soldados eles me escutaram e em pouco tempo tínhamos o paciente estável.

Outras ambulâncias chegaram no local e eu não precisei me preocupar com as outras pessoas. Adam o primeiro paramédico que me ajudou a tirar o cara debaixo do caminhão começou a fechar as portas da ambulância. E Alex foi para o volante. Com sirene ligada, fomos para o hospital.

— Será que esse cara vai conseguir manter a perna? — Olhei para as bandagens que começava a ficar vermelhas.

— Só precisa de um bom cirurgião.  Estou mais preocupada com a pancada na cabeça, e a outra perna.

— Você salvou ele. — Adam sorriu, um belo sorriso. Ele era um negro grande de sorriso bonito que não fez as coisas agitarem dentro de mim. Rapidamente veio o sorriso de um certo moreno enquanto me fodia. Eu estava arruinada. Como uma transa de uma noite só podia mexer com a minha cabeça assim?

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