CAPITULO II

CAPITULO II

     - Então estou aqui novamente – Comentou Richard Kammer

     - Tudo bem Richard, vamos do princípio, me conte novamente o que o trouxe aqui – Solicita a Psicóloga Michele

     - No princípio tudo era escuro...- Diz Richard, mas é interrompido pela Psicóloga Michele que diz – Richard, vamos do princípio da sua última sessão, em diante, o que fez nesse tempo, desde o momento em que saiu daqui semana passada. – Simpática

     - Ah, sim, claro! – Diz Richard atrapalhado e continua...

– Quando sai daqui aquele dia, eu só conseguia pensar, o quanto eu não consegui me expressar doutora –

     - Por favor Richard, pode me chamar de Michele, quando eu tirar meu doutorado, farei questão de que me chame de doutora, mas até lá, apenas Michele, está bem?! – Solicita Michele, educada e gentil, com algumas risadas

     - Eu sinto muito doutora...digo Michele – Se desculpa Richard, atrapalhado e envergonhado

     - Não precisa se desculpar, apenas me diga, o que quer dizer Richard, tire isso do seu peito, isso o aliviará – Respondeu Michele

     Richard Kammer está sentado ao divã, e durante o silencio da psicóloga Michele, Richard se deita ao divã.

Michele oferece um copo de água para Richard, mas o mesmo recusa, educadamente.

     - Me diga, para onde foi depois que saiu do meu consultório? – Pergunta Michele, após esperar e ver que Richard, se calou

     - Eu fui para casa – Responde Richard, frio

     - Você conversou com alguém sobre sua consulta? – Pergunta Michele, insistindo, o deixando confortável, mostrando interesse em sua vida

     - Na verdade não, eu não tenho ninguém para conversar sobre meus sentimentos – Responde Richard

     Sentada na poltrona, A Psicóloga Michele analisa Richard.

     - Tudo bem, o que você fez em casa? – Perguntou Michele, após Richard ficar calado por cerca de um minuto.

Richard hesita, Michele espera paciente, até que Richard responde – Eu chorei doutora...quero dizer, Michele –

Michele fica em silencio, espera alguns segundos passar enquanto analisa Richard Kammer deitado ao divã. O mesmo não mostra reação alguma, totalmente imóvel, mas começa a mexer os dedos dos pés, através do sapato, o que o incomoda, deixando Richard inquieto.

     - Está tudo bem? Por que não tire os sapatos, isso o deixará confortável – Sugere Michele, gentil

     Richard tenta se explicar, e enquanto diz, retira seu sapato lentamente.

Então livre dos sapatos, Richard se deita ao divã novamente, e começa mexer seus dedos dos pés, quase como que se fosse os dedos das mãos.

     - Por que você chorou Richard? – Volta ao assunto a psicóloga 

     - Por que a solidão me machuca, todo mundo parece feliz, todo mundo parece ter alguém para completa-los, menos eu – Responde Richard, inusitado, colocando o mindinho por cima do anular, através da meia. 

     - Richard, na semana passada você me disse que mora só, e sua família se perdeu em um acidente cósmico, o que isso quer dizer? – Questiona Michele em duvidas

     Richard fica em silencio e pensa uma forma de explicar sem parecer louco.

     - Minha família não é a mesma que vive aqui – Explica Richard

     - Está bem Richard, vamos simplificar – Pede Michele

     - Eu havia lhe dito, que por causa da solidão, eu de alguma forma, consegui viver em um universo na minha mente, onde as coisas deram certo para mim!

E lá minha família, é como deveria ser – Explica pausadamente Richard

     - Certo! Mas e sua família aqui onde estamos, onde estão? – Perguntou Michele

     - Estão bem! Tem suas próprias vidas e nem se importam comigo, sempre foi assim, cada um por si, uma desunião de assustar qualquer um, então eu não os visito, não passei meu endereço, e nem mesmo quero saber deles, se pudermos não falar deles, eu agradeceria!

Até por que eles nem lembram de mim, muito menos falam de mim, nem me consideram em suas orações. Por que devo falar deles? – Argumenta Richard.  

     Michele fica em silencio, olha para seu relógio, o tempo passa devagar, a movimentação na rua é alta, carros e barulhos que de certa forma incomoda e tira sua concentração.

Mas Michele é persistente, e apesar de estar nos primeiros anos da psicologia, finalmente tem um caso a qual sempre quis ter.

Michele pede com licença para Richard Kammer, se levanta, fecha a janela de seu consultório. E suspira agradecida aos vidros aprova de som.

     - Richard, é importante falarmos sobre sua família, mas hoje não é o caso, vamos apenas conversar, um pouco sobre você.  Eu quero lhe conhecer mais – Diz Michele e continua – Você tem tocado seu instrumento no seu personagem? – Servindo um café preto.

     - Sim! Quer dizer, não, na verdade não sei, ando bem desanimado e sem criatividade na hora de improvisar – Respondeu Richard

     - Você toca alguma coisa especifica? – Pergunta Michele

     - Às vezes toco Jazz, mas a maioria das vezes, são notas, sons, melodias e escalas, em diversos tons, principalmente tristes e depressivos – Responde Richard

     - Fora isso Richard, você faz alguma outra coisa? Você trabalha? Estuda? – Pergunta Michele, sondando seu paciente

     - Eu não estou trabalhando, fui demitido recentemente do meu serviço. O colégio, não terminei, parei de estudar antes de me formar no ensino fundamental, eu não aguentava mais ser ignorado pelos alunos e professores. – Responde Richard

     - O que aconteceu no seu serviço? – Pergunta Michele, preocupada, se sentando em sua poltrona. E oferece um café a Richard.

     - Eu não bebo café preto doutora, mas obrigado! – Agradeceu Richard, sem perceber, e se cala.

     - Me conte o que aconteceu no seu serviço Richard? – Repete Michele

     - Assim como em qualquer lugar, eu não falo com ninguém e ninguém fala comigo, minhas expressões são sempre tristes, acho que foi isso que os levaram a me demitir – Respondeu Richard, de forma rápida e fria.

     - Como você se sente com essa situação? – Pergunta Michele

     - Triste – Respondeu Richard Kammer.

     Após quinze segundos de analise, Michele tenta usar outro tipo de argumentação

     - Richard, me conta sobre seu último relacionamento – Pede Michele

     Richard se senta e diz – Foi há mais ou menos alguns meses, talvez cinco, mas não foi nada sério –

     - Foi algo mais casual?! Você gostaria que tivesse sido algo mais sério? – Questiona Michele, mostrando interesse na vida de Richard, mantendo o profissionalismo, sem mostrar intimidade.

      - Não sei, eu quero tanto ser amado, mas não por qualquer uma, e a garota a qual saí, me assustava de certa forma – Respondeu Richard, sem jeito

     - Lhe assustava como? – Pergunta Michele intrigada

     - Primeiro que não fazia meu tipo para casar e outra que era muito popular, com certeza seria bom algo sério, mas junto viria muitos chifres – Responde Richard com lamento, e envergonhado.

     - Às vezes é preciso arriscar Richard, nem sempre iremos acertar, mas a experiencia é o que vale no final – Diz Michele e fica em silencio.

     Richard volta a deitar no divã bufando.

     - O que foi Richard? – Pergunta Michele, atenciosa

     - As coisas não são como eu quero, eu gostaria muito de tentar, mesmo que desse errado, mas nem a oportunidade de errar eu tenho, eu sou um vão no meio à multidão Michele – Responde Richard desanimado.

E continua a dizer, quase que em lagrimas, com a voz trêmula – Do que adianta eu aprender com meus erros se não tenho a chance de acertar e mostrar que me tornei uma pessoa melhor?! – Com estridor, disfarçando sua comoção.

     Michele reflete sobre o que Richard falou, fica em silencio, analisando sua reação de angustia e aflito, mas com poucos movimentos e sinais, Richard é um homem que controla muito bem suas emoções, o fato de estar passando por terapia, é por que encontrou conflitos dentro de si, que necessitava de ajuda, deixando Richard fora do alcance de resolve-los.

     - Antes desse relacionamento Richard, você teve mais algum? – Pergunta Michele

     - Sim, como havia lhe dito, fiquei casado três anos – Disse Richard, com a voz seca

     - Ah sim! – Disse Michele, lembrando, e então pergunta – Como foi esse relacionamento de três anos? –

     - Altos e baixos, mas no seu fim, foi muito ruim, chegamos a brigar de faca, foi bem agressivo, graças que não houve ferimentos, apenas ameaças – Diz Richard, frio

     Michele fica perplexa com a resposta de Richard, mas tenta se controlar e seguir seu cronograma. Novamente Michele fica em silencio analisando seu relógio e Richard.

     - É uma pena Richard, mas felizmente as coisas não se agravaram – Diz Michele, mas é interrompida pelo Richard que diz...

– Sim! Eu fui embora antes que fizesse alguma besteira que não desse para voltar atrás – Mexendo as mãos

     - Mas Richard, por que seu relacionamento chegou nesse ponto? – Pergunta Michele, assustada com a resposta

     - Muito controle e ciúmes, de ambas as partes, mas principalmente falta de respeito pela parte dela, há tantas coisas sabe, juntando temos o efeito de neve. – Explicou Richard de forma inteligente, mexendo as mãos.

     - Efeito do que? – Pergunta Michele, sem entender

     - Efeito de neve, quando vai girando – Responde Richard, mostrando com as mãos

     - Ah o efeito bola de neve – Diz Michele, e continua - Ah sim, entendo, eu já passei por alguns relacionamentos abusivos, o melhor a se fazer mesmo, é cada um seguir um caminho diferente, você fez certo Richard – Afirma Michele, analisando Richard, e suas expressões.

E após volta a perguntar – Você se arrepende? – Atenta

Richard pensa sobre a pergunta da psicóloga. Relembra rapidamente de alguns acontecimentos, e com um sorriso vazio, respondeu.

     - Às vezes, por que eu sei que a amaria, mas eu só queria ser amado por ela também, mas não sentia que ela me amava assim como eu a amava.

Chegou um momento que pensei, por que eu tenho que estar com alguém que me dá menos do que eu dou? Mas no fim estou aqui sozinho, sem ninguém, e ela lá com vários outros, cada dia um diferente. – Disse Richard rapidamente, se atrapalhando e mexendo as mãos, porém de forma inteligente. E acrescentou, durante o silêncio - Eu queria saber como é estar com tantas pessoas diferentes, ser amado inúmeras vezes, mas...- Termina de dizer Richard, se deitando ao divã, suspirando.

Michele fica em silencio, pensando na resposta de Richard e o analisando.

Quando bate os quarenta segundos, Michele volta a ter voz e diz – Você acha que seria feliz amando uma pessoa por dia? Digo metaforicamente –

     - Nunca saberei, talvez eu não gostasse, mas talvez fosse o remédio que eu precisasse, ao invés desses inúmeros remédios prescritos que não me ajudam a dormir, pelo contrário, me deixam acordado quase que a noite toda – Responde Richard, triste, frustrado, e com certa raiva 

     - O fato de ser demisexual o impede, assim como muitos traumas que viveu, na escola, no trabalho e até mesmo em casa, e no ponto que está, não seria a melhor solução, você precisa se aceitar, aceitar a situação como é, e então tentar molda-la para sua realidade.

Tem algum lugar que costuma ir? Para se distrair ou se divertir? – Pergunta Michele, tentando orientar Richard. 

     - Não mais, eu queria fazer algumas coisas, mas sozinho não consigo, e não tem ninguém para me acompanhar, além de onde quer que eu vá, eu vejo casais eu vejo garotas, e isso ativa algo na minha cabeça e me deixa triste por não poder ter um relacionamento sendo eu tão normal – Responde Richard, se contorcendo

     - Normal em que sentido Richard? – Pergunta Michele

     - Digo fisicamente, tenho dois braços, dois olhos, um pior que o outro, mas ainda os tenho, e duas pernas, digo, sou completamente normal doutora, desculpe, digo Michele, não me falta dentes, não me falta cabelo nem mesmo algum membro, minha estatura é mediana, e tenho um peso considerável!

Mas mesmo assim ninguém me olha de forma carinhosa e romântica – Diz Richard, rapidamente, atrapalhado, com pausas, quase chorando ao seu fim.

Ao silencio, Richard se acalma, e acrescenta – Mas eu não posso ter um relacionamento – Em um tom baixo, derrotado pelo destino cruel.

     - Mas por que você não pode Richard? – Pergunta Michele, curiosa

     - Eu tenho muitos problemas pessoais além de não ter um corpo bonito, nem mesmo um rosto, eu penso diversas vezes, quem eu seria para tal pessoa? Eu só faria tal pessoa sofrer, por não ter um namorado dos sonhos, e algo em mim, me impede, eu quero, mas não quero, eu gosto de estar sozinho, mas não gosto, e não parece existir um meio termo a qual me agrade, não nesse plano que vivemos – Responde Richard e continua...

– Quando eu estava casado, diversas pessoas, diziam, ela é bonita demais para você, no caso para mim.

Até mesmo pessoas cristãs e idosas. – Termina, bufando

     - E como você se sentia com esse julgamento? -

     - Eu me sentia tão mal. Eu não tinha culpa de ser como sou, se eu pudesse eu escolheria ser o mais lindo, mas não é assim que as coisas são, então por que as pessoas fazem isso? Qual o propósito? – Questiona Richard, com certa raiva

     Michele fica em silencio, por longos dez segundos e responde – É uma situação bem delicada, o amor não escolhe beleza!

Na vida você sempre encontrará essas pessoas que só tem coisas ruins a dizer, afaste-se delas, tente sempre encontrar pessoas positivas.

Que incentivam, apoiam, elogiam e admiram quem você, e o que você faz – Diz Michele, enfurecendo Richard, com sua positividade. 

     - Mas não há, ninguém tem nada de bom a dizer sobre mim, essas mesmas pessoas que me julgam, se você as conhece-las, irá gostar e simpatizar com elas, o problema só existe quando chega em mim Michele, por que a vida me trata assim? – Pergunta Richard

Um pouco alterado, levantando a voz, mas não muita. E por fim limpando seus olhos, ainda deitado ao divã.

     Michele fica em silencio, mas nesse momento não sabemos o que Michele está pensando nem mesmo sentindo. A comoção de Richard tocou Michele?

Para todo argumento de Michele, Richard tem uma resposta negativa, dificultando o trabalho da psicóloga.

Mas afinal é para isso que a psicologia existe, porém para Michele, que não atua muito tempo nessa área, está sendo difícil.

Esse é seu primeiro paciente que apresentou extremas dificuldades em viver.

     A sessão vai chegando ao fim, deixando Michele aflita, intrigada, e até culpada por não conseguir guiar Richard da forma como havia planejado.

A hora voou nesse meio tempo sem que Michele se desse conta. Mas antes de encerrar a consulta de seu paciente, Michele reforça a vinda de Richard na próxima semana, e irá solicitar a mudança nas medicações de Richard.

     Medicações para controle de ansiedade, depressão, insônia, fazia parte da vida de Richard há quase um ano.

     Richard sempre teve insônia, que parecia voltar de tempos em tempos cada vez pior. Porém os remédios a qual tomava, não o faziam dormir, dizia Richard que o deixava ligado a noite toda.

As noites que Richard conseguia dormir, tinha pesadelos com o desconhecido, e experiencias de sonho astral.

O que sempre o deixava perplexo, devastado, sem energia ou forças, o deixando deprimido até todos os resíduos memoriais do sonho, terem idos embora. Se tornando apenas uma lembrança vaga e vazia na mente de Richard.

     Calado e com poucas palavras Richard saiu do consultório da psicóloga Michele. Desorientado, andou, não se apressou a pegar o ônibus de volta para sua casa, queria apenas esclarecer, ter tempo para pensar, e decidir o que fazer da sua vida, e como incrementar as mudanças necessárias. Mas Richard por mais que pensasse, por mais que andasse, não conseguia obter uma resposta que o agradasse e o deixasse determinado.

Ao invés, mais perguntas se formaram em sua cabeça, o deixando ainda mais perplexo e aflito sobre sua situação.

      Passou-se mais de meia hora e Richard ainda andava, com a cabeça baixa, com o olhar distante, e a mente, totalmente em outro lugar. Richard apenas movimentava seu corpo quase que no automático. Ao atravessar a rua não foi diferente, mas em uma das faixas de pedestre que Richard estava passando, não notou um carro vindo em sua direção, mas um homem que estava ao seu lado, o viu, e puxou Richard rapidamente, o alertando, o salvando.

Richard sem jeito, agradece, e continua sua caminhada na avenida principal de sua cidade.

E com essa ação do sujeito, Richard retomava a si, e decidiu ir para casa, estava um pouco cansado de andar.

É como se o toque do sujeito tivesse trazido de volta a alma de Richard Kammer que estava a se perder pelo espaço tempo de sua própria mente.

Richard ficou pensando sobre esse assunto olhando através da janela do ônibus. Quando desceu do ônibus cerca de quarenta minutos depois, caminhou mais um pouco e finalmente chegou em casa.

Uma casa pequena, humilde e sozinha, assim como Richard vivia e se sentia, pequeno e sozinho.

Richard não havia conseguido se expressar novamente, como dizer que a solidão lhe faz bem, quando ao mesmo tempo ela lhe faz mal?

     - Eu quero as coisas, mas no meu tempo, do meu jeito, se não for assim, eu não tenho interesse de ter, mas ainda tenho a necessidade – Pensa Richard em sua casa, falando sozinho, e acrescenta – É isso que eu devia ter falado -.

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