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Novos Começos, Velhas Feridas

Ashley acordou na manhã seguinte com a luz do sol invadindo o quarto através das persianas. Ela se espreguiçou, sentindo os músculos ainda tensos após dias de estresse. Era o começo de uma nova semana, e com isso, mais um passo para se ajustar à nova realidade. Ela ainda não se sentia em casa. A nova casa era maior do que o antigo apartamento em que vivia com os pais, mas parecia fria, impessoal, como se faltasse algo que tornasse aquele lugar verdadeiramente dela.

Levantando-se, Ashley olhou para a janela. O bairro era silencioso pela manhã, com poucas pessoas na rua. A mudança para a cidade grande deveria trazer excitação, novas oportunidades, mas até agora, tudo o que ela sentia era a ausência do que costumava ser. A separação dos pais a afetara mais do que queria admitir. E aquele sentimento de incompletude parecia enraizado profundamente em sua alma.

Após se arrumar, Ashley desceu para a cozinha, onde sua mãe estava preparando o café. O silêncio ali era quase palpável, interrompido apenas pelos sons dos talheres e da cafeteira. Sua mãe parecia cansada, como se estivesse carregando o peso do mundo nos ombros.

— Bom dia,- Ashley disse, enquanto se sentava à mesa.

— Bom dia,- sua mãe respondeu, sem olhar para ela.

— Você dormiu bem?-

Ashley deu de ombros.

— Mais ou menos. Estou tentando me adaptar.-

— Vai demorar um pouco,- sua mãe comentou, sem muita convicção.

Houve um silêncio desconfortável antes de Ashley finalmente perguntar:

— Você acha que foi uma boa ideia nos mudarmos tão rápido?

Sua mãe suspirou profundamente.

— Ashley, eu... eu fiz o que achei melhor. Precisávamos de um novo começo.

— Um novo começo?- Ashley repetiu com um tom sarcástico.

— Não parece um novo começo. Parece mais uma fuga.-

A mãe de Ashley a encarou, surpresa pela agressividade nas palavras da filha.

— Eu fiz o melhor que pude. E isso aqui... é o que temos agora. Você vai ter que aceitar isso.

— Eu não pedi para isso acontecer,- Ashley retrucou.

— Eu não pedi para ser arrastada para essa cidade, para essa nova vida. Isso foi sua escolha.

A discussão foi ganhando intensidade, como uma tempestade que se forma silenciosamente e depois explode. Palavras que estavam guardadas há tempos foram finalmente ditas, causando feridas que ambas sabiam que demorariam a cicatrizar.

A mãe de Ashley finalmente suspirou, cansada e magoada.

— Eu sei que você está sofrendo, Ashley. Mas isso não é fácil para mim também.-

Ashley ficou em silêncio, sentindo um peso no peito. Ela sabia que sua mãe também estava lidando com seus próprios demônios, mas isso não tornava as coisas mais fáceis. Sem dizer mais nada, ela terminou seu café, pegou a mochila e saiu de casa.

Ao chegar à escola, o familiar nervosismo tomou conta de Ashley. A arquitetura do colégio era diferente da que estava acostumada em sua antiga cidade. As paredes brancas, quase clínicas, e os corredores largos repletos de estudantes movimentando-se em todas as direções criavam uma sensação de caos e desorientação. Risadas, conversas e gritos enchiam o ar, criando um contraste gritante com o silêncio desconfortável de sua nova casa.

Ela ajustou a mochila nos ombros e caminhou em direção ao armário. Estava tentando não pensar na discussão com sua mãe, mas as palavras ditas ecoavam em sua mente. Sentia-se uma estranha na própria vida, e isso a deixava ainda mais inquieta.

Enquanto girava a combinação da trava do armário, percebeu que alguém se aproximava. Eleonora, claro. A garota parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo, sempre surgindo quando Ashley menos esperava.

— Bom dia, ruivinha,- disse Eleonora com um sorriso travesso. Seus dentes brancos brilhavam sob as luzes do corredor.

Ashley revirou os olhos, mas não conseguiu evitar sorrir também.

— Bom dia, Eleonora. Como você sempre sabe que estou por perto?

Eleonora deu de ombros, misteriosa como sempre.

— Tenho meus truques.

Apesar do mistério que sempre a cercava, Eleonora tinha uma presença tranquilizadora para Ashley. Havia algo na maneira como ela se movia, como falava, que fazia o caos da escola parecer um pouco menos intimidador. As duas seguiram juntas para a primeira aula do dia, sentando-se lado a lado na sala. Eleonora parecia se encaixar perfeitamente em qualquer ambiente. Mesmo sem fazer grandes esforços, ela sempre atraía a atenção de todos ao seu redor. Já Ashley preferia observar de longe, tentando se manter invisível.

Durante a aula, Ashley observou Eleonora de soslaio. Havia algo quase sobrenatural na confiança que ela exalava. Quando a professora de literatura fez perguntas sobre o livro que estavam lendo, Eleonora respondeu com facilidade, como se tivesse decorado cada linha do texto. Sua voz cativava, e todos na sala pareciam hipnotizados por ela, inclusive Ashley, que não conseguia evitar sentir uma crescente admiração — e algo mais que ela ainda não conseguia definir.

No intervalo, Eleonora e Ashley caminharam juntas pelos corredores. Eleonora, como sempre, parecia flutuar entre os grupos de estudantes, recebendo olhares de curiosidade e admiração. Ela parou diante de uma máquina de refrigerantes e olhou para Ashley com um sorriso provocador.

— Você está quieta hoje, Ash. Tudo bem?-

Ashley deu de ombros.

— Só... muitas coisas na cabeça.-

Eleonora ficou em silêncio por um momento, olhando profundamente nos olhos de Ashley.

— Eu entendo. Às vezes, o peso das coisas parece insuportável. Mas, ei, eu estou aqui.-

Aquela sinceridade inesperada pegou Ashley de surpresa. Havia algo no olhar de Eleonora que fazia com que as preocupações de Ashley diminuíssem, pelo menos por um instante. Elas ficaram em silêncio por alguns minutos, até que o sino tocou, chamando todos de volta para as aulas.

Quando o último sino do dia soou, Ashley estava exausta. A escola era uma fuga temporária dos problemas em casa, mas ainda assim, era desgastante. Ela guardou seus livros e se preparou para voltar para casa, tentando adiar mentalmente o reencontro com sua mãe.

Eleonora apareceu ao seu lado mais uma vez, como se estivesse esperando por ela o tempo todo.

— Quer dar uma volta antes de ir para casa?-

Ashley hesitou por um momento, mas concordou.

— Acho que sim. Não estou com muita pressa para voltar.

As duas caminharam em silêncio pelas ruas movimentadas da cidade. Eleonora parecia conhecer cada canto daquele lugar, guiando Ashley por vielas e praças que ela nunca tinha visto antes. Havia uma calma na companhia de Eleonora, um silêncio confortável que fazia Ashley se sentir menos sozinha em seus pensamentos.

Eventualmente, chegaram ao parque, onde o som das folhas farfalhando e o canto distante dos pássaros criavam um contraste com o barulho da cidade. Elas se sentaram em um banco, observando o céu começar a se tingir de laranja com o pôr do sol.

— Ashley,- Eleonora começou, rompendo o silêncio.

— Você já pensou que talvez todas essas mudanças, por mais difíceis que sejam, possam ser o começo de algo novo? Algo... inesperado?-

Ashley olhou para Eleonora, surpresa pela profundidade da pergunta.

— Eu não sei. Talvez. Mas, por enquanto, tudo parece tão... fora de controle.

Eleonora sorriu, mas havia algo de melancólico naquele sorriso.

— Às vezes, é preciso perder o controle para encontrar um novo caminho. Um caminho que a gente nem sabia que existia.-

Ashley ficou em silêncio, refletindo sobre aquelas palavras. Havia uma verdade nelas que ela ainda não estava pronta para aceitar. Mas, de alguma forma, a presença de Eleonora fazia tudo parecer menos assustador.

Enquanto o sol finalmente se escondia no horizonte, Ashley suspirou.

— Acho que é melhor eu ir para casa agora. Minha mãe deve estar esperando.-

— Eu te acompanho,- Eleonora disse, levantando-se. — É melhor não andar sozinha por aí.-

Ashley sorriu, agradecida. Juntas, as duas caminharam de volta, com Eleonora a acompanhando até a porta de sua casa. Quando chegaram, elas pararam na frente da casa, e Ashley sentiu uma pontada de nervosismo no estômago ao pensar na conversa que teria com sua mãe.

— Obrigada por hoje,- Ashley disse, tentando esconder a ansiedade.

— Qualquer coisa, estou por aqui,- Eleonora respondeu, com um sorriso que aquecia o coração de Ashley de um jeito que ela ainda não entendia.

Ashley observou enquanto Eleonora se afastava, desaparecendo na escuridão da noite que caía sobre a cidade. Com um último suspiro, ela entrou em casa, pronta para enfrentar o que quer que estivesse esperando por ela lá dentro.

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