Lia Perroni Abro os olhos e me encontro em um quarto branco, conectada a aparelhos. Olho ao redor, constatando que estou em um hospital. — Mamãe! — Esmel grita, passando pela porta. Ela ainda está com o uniforme da escola e seu rosto está manchado de lágrimas. — Esmel? O que você está fazendo aqui? — pergunto, abraçando minha filha. — Mamãe... — Esmel diz, com a voz embargada pelo choro. — A senhora está bem agora? Papai falou que a senhora caiu da escada e quase perdeu meu irmãozinho. É verdade que vou ter um irmão? — ela pergunta, com os olhos brilhando. Encaro-a, confusa, e levo a mão à barriga. — Então, eu não o perdi... — sussurro, incrédula. Esmel me olha, curiosa. — O que você disse, mamãe? — ela pergunta. Sorrio, emocionada. — Nada, meu amor! Onde está seu pai? — pergunto. Milhões de perguntas invadem minha mente. Eu realmente estou grávida, e Marcelo ajudou a salvar meu bebê, como pedi antes de desmaiar. Mas o que ele pretende fazer? O que ele quer em
Lia PerroniNo dia seguinte, recebi alta do hospital. Esmel e eu voltamos para casa, um refúgio que, apesar da aparente normalidade, agora me parecia carregado de apreensão. Na cozinha, Luz preparava o jantar, o aroma reconfortante das ervas pairando no ar.— Boa tarde, senhora — ela disse, um sorriso caloroso iluminando seu rosto. — Como se sente hoje? — perguntou, a genuína preocupação em seus olhos.Esmel, com sua energia contagiante, correu para a mesa, pegou uma maçã e a mordeu com satisfação, o som crocante ecoando pelo ambiente.— Sinto-me fisicamente melhor, mas uma sensação estranha me perturba, como se algo ruim estivesse prestes a acontecer — respondi, minha voz carregada de apreensão.Luz me encarou, a preocupação evidente em seu olhar.— A senhora acha que o senhor Marcelo vai tentar algo? — perguntou, a voz baixa.Marcelo estava desaparecido desde que o mandado de prisão foi emitido. Ninguém sabia de seu paradeiro, e a polícia continuava a procurá-lo. O fato de ele estar
Lia Perroni, três meses depois...Volto do trabalho, exausta, mas com uma sensação de realização. Hoje faz três meses que comecei a trabalhar na galeria de arte, um refúgio que encontrei em meio ao caos que minha vida se tornou. Três meses também se passaram desde o desaparecimento de Marcelo. A polícia ainda não tem notícias dele, e a incerteza paira como uma sombra constante.Apesar do medo que ainda me assombra, aprendi que não posso paralisar minha vida e a de Esmel. Marcelo pode ter me tirado muito, mas não vou permitir que ele me roube a capacidade de seguir em frente. A cada dia, me esforço para construir uma nova rotina, um novo lar, uma nova esperança.E agora, tinha um bebê crescendo dentro de mim, uma esperança se renovando a cada dia.Ao entrar no apartamento, o cheiro de bolo recém-assado me envolve, uma obra de Luz, que agora é mais do que uma funcionária, é uma amiga, uma irmã.Esmel corre ao meu encontro, seus olhos brilhando com a alegria de me ver.— Mamãe! — ela gr
KairósA consciência retorna como um clarão súbito, dissipando a névoa do coma. Abro os olhos, sentindo o peso do corpo e a estranheza do ambiente hospitalar. A primeira pergunta, urgente, escapa dos meus lábios.— Quanto tempo eu fiquei em coma? — pergunto à minha irmã, Camila, a voz rouca e fraca.Camila me encara, a expressão séria e preocupada.— Três meses, Kairós. Você ficou dormindo por três meses — responde ela, a voz carregada de pesar.Três meses. Um abismo de tempo se abre diante de mim, e a única imagem que emerge da névoa da memória é a de Lia. Onde ela está? O que aconteceu?— Você sabe para onde Lia foi? — pergunto, a voz ansiosa.O rosto de Camila se contorce em desgosto.— Você ainda pergunta por ela? Foi por causa dela que você está preso nessa cama! — exclama, a irritação transparecendo em cada palavra.Fecho a cara, a injustiça da acusação me enfurecendo.— Não fale besteira! Não foi ela quem cortou os freios do meu carro — retruco, a voz carregada de indignação.C
KairósFinalmente recebi alta e agora estou no aeroporto, prestes a embarcar rumo a Lia. Camila está ao meu lado, os olhos marejados, tentando me dissuadir.— Por favor, não vá. Você não sabe o que o marido dela pode fazer se te encontrar perto dela — implora Camila, a voz embargada.Suspiro, sentindo a preocupação dela pesar sobre mim.— Eu preciso ir. Sei que você teme que algo me aconteça, mas preciso ver a verdade com meus próprios olhos — respondo, a voz determinada.Camila me encara, a resignação em seus olhos.— Sei que não vou te convencer a ficar. Então, tome cuidado. Não acredite em tudo que ela disser e, por favor, volte para casa assim que descobrir a verdade — pede ela, me abraçando com força.Assinto, retribuindo o abraço.— Certo, vou me cuidar. Você também se cuide, ok? — digo, tentando acalmá-la.Ela sorri, um sorriso triste, enquanto meu voo é anunciado. Pego minha mala e me despeço de Camila, seguindo para o portão de embarque.Logo estarei frente a frente com Lia.
Lia PerroniTratar Kairós daquela forma rasgou meu peito em pedaços, mas não havia outra escolha. Se eu não o afastasse com aquela frieza, ele não desistiria, e as coisas inevitavelmente se complicariam ainda mais. Marcelo continuava foragido, e eu não podia, de maneira alguma, colocá-lo em perigo novamente. Ele já havia sofrido tanto por minha causa, era hora de libertá-lo desse fardo.Ainda remoía a imagem de Kairós se afastando da galeria quando Mário, meu chefe, chegou, interrompendo meus pensamentos dolorosos.— Lia? Está chorando? O que aconteceu? — perguntou Mário, visivelmente preocupado, aproximando-se.Forcei um sorriso trêmulo e me afastei um pouco, tentando disfarçar as lágrimas que insistiam em escorrer pelo meu rosto.— Estou bem, foi só um cisco que entrou no meu olho — menti, tentando soar convincente.Mário franziu a testa, erguendo uma sobrancelha cética.— O cisco caiu nos dois olhos, né? — ironizou.Sorri sem jeito.— Foi, eh... vamos trabalhar, né? — desconversei.
Lia PerroniObviamente, ligar para Gean não estava nos meus planos. Fui apenas educada ao aceitar o cartão com o número dele. Não podia me dar ao luxo de ter mais alguém complicado na minha vida, que já era um turbilhão de incertezas. Busquei as meninas na aula de ballet e dirigi direto para casa.— Mamãe ainda está triste pelo tio Kairós? — Esmel perguntou mais tarde, depois que Hope já havia ido para casa, deixando apenas nós duas na sala.— Um pouco, meu amor. E você? Gostaria de vê-lo outra vez? — perguntei, observando seus olhinhos curiosos.Embora a ideia de Kairós por perto me deixava apreensiva , eu estaria disposta a um último encontro, por Esmel. Ela sentia tanta falta dele.— Sim, mas eu não posso... — disse Esmel, a voz carregada de tristeza.— Claro que pode, meu anjo. Vou pedir para ele te encontrar amanhã, mas será a última vez que o veremos, certo? — falei, tentando soar firme, apesar da pontada de dor no peito.Esmel assentiu com a cabeça, seus olhos brilhando com um
Lia Perroni Kairós continua me olhando, seus olhos queimando nos meus. — Você não vai embora, não? A Esmel já não está mais aqui! — digo, tentando ignorar a eletricidade que ainda paira entre nós. Ele se aproxima, cada passo lento e carregado de intenção. — Não, não vou embora... — murmura, e então seus lábios encontram os meus. Tento resistir, a razão gritando em minha mente, mas seus braços me prendem, firmes e possessivos. Inevitavelmente, acabo retribuindo o beijo, o calor se espalhando por todo o meu corpo. Em um instante, já estou sentada no balcão, minhas pernas abertas em volta de sua cintura, Kairós entre elas, beijando-me com uma intensidade avassaladora. Sua boca desce pelo meu pescoço, e um gemido escapa dos meus lábios quando seus dentes roçam minha pele. Instintivamente, o puxo para mais perto, ansiando por sua proximidade. — Kairós... — sussurro, meu corpo clamando por ele. Ele para por um momento, seus olhos escuros fixos nos meus, carregados de desejo.