Lia Camila desviou o olhar, o rosto pálido, sem conseguir sustentar o interrogatório do irmão. Seu silêncio gritava mais alto do que qualquer confissão.Kairós deu um passo para trás, como se tivesse levado um golpe físico. A traição da irmã, a pessoa que ele sempre acreditou o apoiar, era uma ferida profunda. Seus olhos voltaram para mim, carregados de uma nova intensidade, uma mistura de choque, raiva e uma crescente compreensão.— Lia... por que você não me disse nada? — sua voz era rouca, quase um sussurro, a dor da minha suposta mentira se misturando à revelação chocante sobre Camila. Ele parecia perdido, tentando processar a avalanche de informações conflitantes. A verdade sobre a maldade da irmã e a minha insistente negação da paternidade criavam um turbilhão em sua mente.— Então agora a culpa é minha? — retruquei, a defensiva subindo à tona. A acusação silenciosa em seus olhos me feria. — Foi você quem desapareceu sem dizer nada, Kairós. Depois disso, eu não te devo satisfaç
MarceloA fuga da polícia me deixou em uma situação ainda pior. Maldito Kairós! Aquele verme ainda pagaria caro por ter se metido na minha vida. E Lia... aquela vadia interesseira também iria sentir a minha fúria. Denunciar-me? Ela iria se arrepender amargamente.Roubei um carro estacionado na rua escura e dirigi em alta velocidade para a cidade vizinha. Precisava de um esconderijo seguro e de um plano sólido para voltar e recuperar o que era meu por direito: minha família. Lia pagaria um preço altíssimo por sua traição.— O senhor parece familiar — disse uma voz feminina assim que parei em um posto de gasolina isolado para abastecer. A noite já havia caído, e o local estava deserto, iluminado apenas pelas luzes fluorescentes.A mulher, com um olhar curioso e desconfiado, me encarava enquanto eu abria o tanque.— Ah, lembrei! Você é aquele homem que bateu na mulher grávida e agora está foragido, não é? O que está fazendo aqui? — ela continuou, a voz agora carregada de reconhecimento e
Lia Perroni — Como assim a Esmel sumiu?! Onde está a minha filha, pelo amor de Deus?! — explodi, a voz estrangulada pelo pânico, encarando a diretora da escola com os olhos marejados.Eu estava em casa, finalmente encontrando um respiro de paz ao lado da pequena Eva, quando o telefonema da escola me atingiu como um raio. A notícia de que Esmel havia simplesmente desaparecido dentro das dependências da escola me lançou em um abismo de desespero. Larguei Eva com Luz, o coração martelando no peito, e corri para cá, a mente fervilhando com as pioresPaintings possíveis. Cada segundo de silêncio era uma tortura, a imagem de Marcelo e seu ódio doentio me assombrando.— Temos imagens das câmeras de segurança que mostram... mostram o seu marido invadindo o local pela parte de trás da escola e levando a menina, Lia. Sinto muito profundamente por isso. Já tomamos todas as providências cabíveis e acionamos a polícia imediatamente — a diretora disse, sua voz embargada por um misto de profissional
Lia PerroniO clique seco do telefone ecoou em meu ouvido, reverberando o terror que se instalara em meu peito. Marcelo havia desligado, deixando para trás um vazio gelado e a certeza de que minha vida havia se tornado um pesadelo ainda pior. Suas palavras cruéis e diretas pairavam no ar, cada sílaba um prego na tampa do caixão da minha esperança. "Sozinha... sem polícia... ou nunca mais verá a Esmel." A ameaça era clara, cortante como uma lâmina.O medo paralisante começou a se dissipar, dando lugar a uma fúria fria e desesperada. Eu faria qualquer coisa pela minha filha. Qualquer coisa. A imagem do rosto assustado de Esmel apagou qualquer resquício de dúvida ou hesitação. Eu iria. Sozinha. Como ele exigiu.Com as mãos trêmulas, disquei o número de Luz. Precisava contar a ela, mesmo que Marcelo tivesse proibido. Ela era minha única amiga, minha única família ali.— Luz, preciso que venha para cá agora — minha voz saiu embargada, lutando contra as lágrimas que ameaçavam transbordar no
Lia Perroni O impacto da voz de Esmel pareceu atingir Marcelo como um raio. Sua mão afrouxou o aperto em meus cabelos, e ele se virou lentamente para encarar a figura frágil no topo da escada. A raiva em seu rosto deu lugar a uma expressão confusa, quase atordoada.— Esmel... meu amor... o que você está fazendo aí? — ele perguntou, sua voz surpreendentemente suave, quase um sussurro. Era como se a presença da filha tivesse acionado um interruptor, fazendo emergir uma faceta paterna que eu raramente via.As lágrimas escorriam livremente pelo rosto de Esmel enquanto ela descia hesitantemente alguns degraus, seus olhinhos fixos em mim, caída no chão.— Você está machucando a mamãe... por que você está fazendo isso? Ela não fez nada de ruim — sua voz infantil ecoava pelo silêncio da casa, carregada de uma tristeza inocente que era muito mais cortante do que qualquer grito.Marcelo pareceu cambalear diante das palavras da filha. Ele soltou meu cabelo completamente e se levantou, seus olho
KairósOs olhos de Esmel cravaram-se em mim, carregados de uma fúria infantil avassaladora. Naquele instante, o peso da arma em minha mão pareceu insuportável, e ela escorregou dos meus dedos, caindo no chão com um baque seco que ecoou no silêncio brutal da casa.Senti meu corpo paralisar, o choque me atingindo como uma onda gelada. A cena diante de mim era um pesadelo palpável: Marcelo inerte, Esmel coberta de sangue, e o ódio puro e desconsolado emanando daquela pequena figura. Minha mente estava um turbilhão de emoções conflitantes – o alívio de ter evitado uma tragédia maior, a culpa por ter tirado uma vida, e, acima de tudo, a dor lancinante no olhar de Esmel. Não havia palavras, não havia reação possível que pudesse amenizar a devastação daquele momento. Eu estava petrificado, sem saber o que dizer ou como reagir diante da acusação silenciosa e dolorosa daquela criança.— Você! Você matou o meu pai! Eu te odeio! Eu quero que você morra! — Esmel gritou, sua voz infantil rasgada p
Lia PerroniO enterro de Marcelo pairava sobre nós como uma sombra densa, um evento íntimo e doloroso reservado àqueles que compartilhavam o laço do sangue ou da proximidade. Kairós estava lá, uma presença silenciosa e constante que eu não conseguia decifrar completamente. Sei que sua devoção a mim o impulsionava, mas a complexidade da situação nos envolvia em uma névoa de incerteza. Amava Kairós profundamente, mas Marcelo... Marcelo havia sido meu marido, o pai da minha filha. Eu ansiava por justiça, por vê-lo pagar por seus crimes, mas não por este fim tão abrupto e trágico.Apesar de suas falhas como esposo, para Esmel, Marcelo era o mundo, o melhor pai em seus pequenos anos. E, em sua essência, ele a amava com uma intensidade palpável, uma afeição que, no fundo, eu sempre soube ser genuína. O medo, a constante ameaça que ele representava para mim, turvaram meus pensamentos, me impedindo de enxergar com clareza. Agora, diante do caixão, a verdade se impunha: Marcelo jamais teria ma
Lia Perroni Dois anos haviam transcorrido desde a tragédia que marcou nossas vidas. Eva, agora uma menina esperta e curiosa, com seus dois anos de idade, irradiava a alegria que preenchia os espaços vazios da nossa casa. A vida, com sua resiliência inata, havia encontrado um novo ritmo, uma nova normalidade.No entanto, nem tudo havia se resolvido completamente. Kairós continuava conosco, sua presença constante um lembrete silencioso do passado. Nosso relacionamento, antes tão vibrante e apaixonado, agora se movia em um terreno delicado, marcado pela cautela e pela hesitação. A sombra da morte de Marcelo ainda pairava sobre nós, um fantasma que se recusava a ser silenciado.Esmel, apesar do tempo transcorrido, ainda carregava a dor da perda e a raiva contra Kairós. Para ela, ele era o homem que havia tirado seu pai, uma figura complexa e dolorosa em sua pequena vida. A cada interação, a cada olhar, a hostilidade silenciosa se manifestava, criando uma barreira entre nós.Eu, por minha