A Mudança

 Charlotte

Charlotte

As coisas na casa dos Mackenzie já eram difíceis por causa do temperamento difícil da dona Martina, mas ficaram ainda piores. O senhor Mackenzie era gentil e tentava estar presente na vida das filhas, mas eu evitava sua companhia, pois a Martina estava cada vez mais ciumenta e eu não queria chamar sua atenção, assim como acontecia com a Nicole, que era maltratada pela dona da casa. Eu não era tratada com tanta hostilidade, mas também não era tratada com bondade.

Depois de passarmos um fim de semana na casa da Nicole, onde ficou evidente que a Martina não concordava com seu marido em nos dar folga ao mesmo tempo, ela começou a me tratar com rispidez. Não sei exatamente quando isso aconteceu, mas a Martina passou de uma patroa exigente para alguém que tornava a vida das babás um verdadeiro inferno.

A cada dia que passava, seu tratamento piorava, sem motivo aparente. Em um momento em que estávamos sozinhas arrumando o closet da Eloá, perguntei à Nicole se ela tinha alguma ideia do que estava acontecendo, afinal, ela trabalhava para aquela família há mais tempo do que eu.

— Ela tem ciúmes do senhor Mackenzie, Charlotte – foi a explicação que ela me deu, mas que me deixou ainda mais confusa. 

— Eu sei que sim, Nicole. Mas ela não tratava a gente assim, dessa forma tão agressiva – insisti. 

Ela me olhou e notei que parecia culpada. Nesse momento, decidi que perguntaria de maneira clara aquilo que vinha martelando em meus pensamentos desde o primeiro dia em que cheguei naquela casa. 

— Você e o senhor Mackenzie tem algum tipo de envolvimento um com o outro? 

— Como assim? – ela perguntou aquilo de uma forma muito assustada. — O que você quer dizer com isso? 

Nós estávamos naquele momento arrumando as roupas da Eloá, algo que foi sempre função da arrumadeira, mas que a Martina agora queria que nós duas fizéssemos.  

A cada dia que passava, ela inventava mais coisas para fazermos nos momentos que deveriam ser de pausa como, por exemplo, agora, que a Eloá estava em sua aula de piano. 

A Nicole também estava trabalhando bem mais que antes, saindo da casa por volta das nove da noite, quando não era mais necessária para cuidar da Eloá, pois a menina dormia bem antes  disso. 

— Eu acredito que nós tenhamos intimidade o suficiente para falar abertamente sobre determinados assuntos e vou ser bem direta.  

Respirei fundo, criando coragem para fazer a pergunta que tanto desejava e fui em frente. Tínhamos desenvolvido uma amizade ótima entre nós duas e ela não poderia ficar chateada comigo por fazer tal questionamento. 

— Você tem um caso com o senhor Mackenzie?  

Nicole arregalou os olhos, ficando totalmente surpresa por minha pergunta e depois, surpreendeu-me quando caiu na gargalhada. 

— Não é engraçado, Nicole – falei séria. 

— Não, não é – ela confirmou, respirando para controlar as risadas. – Eu só fiquei nervosa. 

Achei aquilo estranho, mas depois relacionei algumas coisas e entendi por que a Nicole sorria tanto, até mesmo em alguns momentos totalmente inapropriados.  

— Eu tenho crise de riso quando fico muito nervosa – ela falou aquilo que eu tinha acabado de concluir. – Mas respondendo a sua pergunta... não. Eu não tenho um caso com o senhor Mackenzie.  

— Você não estranhou a pergunta que eu fiz. Ficou apenas nervosa – apontei. – O que isso significa? 

— Que eu sou sim, apaixonada pelo pai da Eloá – ela confirmou. – Mas jamais poderia ter uma relação com um homem comprometido. Ainda mais quando ele é o meu patrão.  

— Mas eu vejo que ele te olha de uma forma diferente de como olha para mim.  

— Isso não importa, Charlotte. Ele é comprometido e, como já falei, é o meu patrão – ela falou, parecendo triste. – Eu tenho medo de que a dona Martina perceba os meus sentimentos e me demita. Tenho medo de deixar a minha pequena à mercê de alguma pessoa que não a trate bem, como nós o fazemos. 

— Eu sei que você ama a Eloá, Nicole. É visível – falei aquilo que percebi desde o primeiro dia. – Então, você acredita que a dona Martina percebeu que você gosta do senhor Oliver, e por isso tem sido tão ruim conosco? Foi isso que quis dizer quando falou que ela estava com ciúmes? 

A Nicole não pôde responder, pois a própria Martina entrou no closet, a expressão de ódio em seu rosto praticamente soltando fogo pelo nariz. 

— Saiam da minha casa agora!  

Fiquei paralisada de pavor ao compreender o que acabou de acontecer. Eu estava em maus lençóis! 

— Mas senhora... – ainda tentei argumentar. 

— Saiam! – ela gritava. – Saiam agora! Eu quero vocês duas fora da minha casa! Fora! 

As lágrimas começaram a cair de meus olhos aos borbotões! O que eu faria? Para onde iria?  

— Dona Martina... – falei entre soluços. 

— Você está surda, garota? Quero vocês fora da minha casa agora ou eu vou chamar alguém para pôr todas as duas na rua. 

— Deixe-nos ao menos pegarmos nossas coisas – Nicole pediu em um tom de voz baixo, quase inaudível.  

Ela tinha algumas lágrimas escorrendo de seus olhos, mas estava bem mais controlada que eu. Eu estava desesperada.  

— Mandarei os trapos de vocês pelo motorista – Martina estava inflexível. 

— Precisamos dos nossos documentos, senhora. 

Nicole era bastante corajosa, pois no que dependesse de mim, eu teria apenas saído correndo, o medo do que estava por vir estava tomando conta de todo o meu corpo. Eu não queria ser jogada na rua. 

— Então peguem as coisas de vocês e saiam agora – Ela concedeu. – Quero as duas fora da minha casa o mais rápido possível. 

Ela saiu do closet da Eloá, onde tínhamos sido surpreendidas por sua chegada inesperada, e nós nos apressamos para ir até à ala dos empregados e pegarmos todas as nossas coisas o mais rápido possível, saindo da casa sob o olhar de repulsa dos demais funcionários. 

Aparentemente, alguém ouviu o que aconteceu e já espalhou, apenas no tempo que levamos para juntar tudo às pressas. 

Fiquei indecisa sobre saímos com uma mão na frente e outra atrás, mas aquilo foi resolvido, pois Martina estava na cozinha aguardando por nossa saída. 

— Aqui está tudo o que vocês têm para receber – ela falou com expressão de nojo e jogou dois envelopes em cima da mesa. – Não quero mais ver vocês duas na minha frente. Agora saiam! 

Foi extremamente humilhante a maneira como saímos daquela casa e eu me senti um verdadeiro cachorro sarnento sendo chutado para longe. Eu estava muito ferrada. 

Parecendo até mesmo ter entrado em um acordo tácito, eu e Nicole caminhamos lentamente para a estação de metrô mais próxima em um silêncio ensurdecedor, cada uma remoendo os seus pensamentos. 

Encostei em uma pilastra, pensando sobre para onde eu deveria ir, me sentindo culpada pelo que aconteceu, pois caso eu não tivesse ido pressionar a Nicole por respostas de algo que não me dizia respeito, aquilo jamais teria acontecido.  

— Você não foi a culpada, Charlotte – Nicole falou, enxugando uma lágrima solitária. 

— É claro que a culpa foi minha, Nicole – admiti. – Se eu não tivesse te perguntado sobre coisas que não eram da minha conta... 

— A Martina teria inventado outro motivo para me demitir – ela me interrompeu.  

— Não concordo.  

— A dona Martina não me queria mais como babá há bastante tempo, Charlotte. Mas ela não tinha uma justificativa para explicar a minha demissão para o marido. Por isso me mantive por tanto tempo ainda. 

Fiquei em silêncio, apenas analisando as palavras da Nicole.  

— Ela também não queria que você fosse babá da Eloá – ela relembrou o que já havia me contado antes. – Mas como o senhor Oliver sempre procura ajudar as pessoas mais necessitadas, ele jamais diria não ao pedido do padre.  

Eu sabia que a freira Catarina havia pedido ao padre para interceder por mim, pois ele tinha muito conhecimento com homens ricos e influentes, os quais frequentavam a sua igreja. 

— Vamos – ela chamou, puxando em meu braço para indicar o caminho, algo que eu não compreendi. 

— Eu não vou pegar esse metrô – expliquei, pois acreditei que ela estava atordoada.  

— É esse, sim! Entra! 

Ela me persuadiu suavemente e acabei cedendo, já que não tinha pressa. Ainda não sabia para onde ir. Pensei em procurar um orfanato temporariamente enquanto decidia o que fazer. Eu tinha algum dinheiro guardado e acreditava que poderia pagar o aluguel de um lugar barato por cerca de três meses, o máximo de tempo que poderia me dar para encontrar outro emprego.

— Eu deveria esperar pelo próximo metrô, Nicole – falei afobada. – Eu vou ver se as freiras me aceitam no orfanato, pelo menos até eu encontrar algum lugar para ficar. 

— Você não vai voltar para o orfanato, Charlotte. 

— Eu não quero, mas eu preciso, Nicole – constatei. 

— Você vai ficar na casa da minha irmã, junto conosco. 

— Não posso fazer isso, Nicole! 

Sabia que a irmã da Nicole era uma pessoa generosa e que certamente me acolheria, considerando tudo que eu já sabia sobre ela. No entanto, não achava justo sobrecarregar a vida da Emily, que já tinha seus próprios problemas. 

Ambas enfrentavam dificuldades financeiras, especialmente porque o marido da Emily estava há oito meses na Itália. Ele tinha ido atrás de uma herança, mas já fazia mais de dois meses que não dava notícias, deixando as irmãs preocupadas. Além disso, a Nicole estava desempregada e eu não tinha emprego para oferecer. 

Expressei minhas preocupações para a Nicole, mas ela era insistente e acabei concordando em passar a noite na casa delas. Já estava ficando escuro e eu não tinha certeza se as freiras me receberiam bem. Elas já tinham muitas crianças para cuidar e alimentar, e eu não queria ser mais um problema para elas.

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