Nicolas Santorini Estava sentado em meu escritório quando comecei a ouvir vozes e risadas vindas da piscina. Ao abrir a janela, vi Jhulietta e Ethan na água, os dois brincando e se divertindo. Uma pontada de inveja me atingiu. Senti um forte desejo de descer e me juntar a eles, compartilhar daquela alegria contagiante. Mas a imagem do desprezo no olhar de Jhulietta após a minha confissão me deteve. Preso à minha própria culpa, preferi permanecer ali, afogando-me no trabalho como um náufrago se agarra a um pedaço de madeira.O silêncio tomou conta da área da piscina pouco tempo depois. Ao olhar novamente pela janela, eles não estavam mais lá. Um alívio agridoce me invadiu. Pelo menos, não precisava mais testemunhar a felicidade que eu mesmo havia me privado de ter.No final da tarde, meu celular tocou. Era Eduardo, meu amigo de longa data, me convidando para sair. Hesitei por um instante. A última coisa que eu queria era socializar, mas a insistência de Eduardo e a necessidade de me d
Jhulietta DuarteA manhã da feira de ciências chegou com uma energia palpável. Ethan estava radiante, vestindo uma camisa xadrez e calças jeans, seus olhos brilhando de entusiasmo. Eu, por outro lado, sentia um misto de nervosismo e orgulho. Havia dedicado os últimos dias a ajudá-lo com o projeto do vulcão em miniatura, e agora era hora de ver o resultado do nosso trabalho.Chegamos à escola e o ginásio estava fervilhando de crianças, pais e professores. Os trabalhos estavam expostos em diversas mesas, cada um mais criativo que o outro. Ethan localizou sua mesa e, com cuidado, colocou o vulcão no centro. A cratera, pintada com tons de vermelho e laranja, parecia quase real.Enquanto Ethan ajustava os últimos detalhes, peguei meu celular e comecei a fotografá-lo. Ele sorria, concentrado, e cada clique capturava um pouco da sua alegria. Tirei diversas fotos, de diferentes ângulos, e então me lembrei de Nicolas. Achei que ele gostaria de ver o filho naquele momento especial. Sem hesitar,
Nicolas Santorini A notícia que Jhulietta me dera sobre meu filho querer retornar à escola me animou profundamente. Ethan se recusava a ir desde o incidente com a mãe e o bullying e mesmo minhas ameaças veladas não surtiam efeito. Era dilacerante ver meu filho naquela situação, isolado do mundo, preso a uma dor que eu, em grande parte, havia causado. A perspectiva de vê-lo retomar a vida social, aprender, interagir com outras crianças, era como um bálsamo para minha alma atormentada. Gostaria de ter me sentado e conversado com Jhulietta sobre isso, expressar minha gratidão de forma mais eloquente, mas ela se retirou da cozinha rapidamente, deixando-me sozinho com meus pensamentos. Quando terminei meu lanche, fui até o quarto de Ethan e o observei dormir tranquilamente. Na cabeceira da cama, repousava sua medalha, o símbolo tangível de sua conquista na feira de ciências. Passei a mão delicadamente pela superfície fria do metal, um sorriso involuntário brotando em meus lábios. Meu f
Ethan SantoriniRespirei fundo, segurando a alça da mochila com força. A escola parecia enorme de novo, como se eu tivesse me esquecido do tamanho dela. Agradeci a tia Jujubinha e ao meu pai pelo apoio e entrei. O corredor estava cheio de alunos, conversando e rindo. Senti um frio na barriga, mas me forcei a continuar andando.Cheguei na minha sala e a professora, Dona Clotilde, me viu e abriu um sorriso.— Ethan! Que bom te ver de volta! Sente-se, por favor.A sala toda olhou para mim. Senti minhas bochechas corarem, mas fui até uma carteira vazia perto da janela e me sentei. Um menino de óculos redondos e uma menina numa cadeira de rodas me olharam com um sorriso.— Que bom que você voltou, Ethan! — disse o menino.— Sentimos sua falta! — completou a menina.— Obrigado — respondi, timidamente.A aula começou e, apesar de algumas matérias estarem um pouco atrasadas, consegui acompanhar a maior parte. A tia Jujubinha tinha me ajudado muito. Quando o sinal tocou para o lanche, Aurélia,
Jhulietta DuarteUm mês havia se passado, e eu estava feliz por Ethan estar se adaptando bem à escola novamente. Apesar de algumas crianças zombarem dele ocasionalmente, ele tem lidado de forma admirável. Sua amizade com Viollet, Aurélia e Emanuel tem sido positiva. Sempre que os pais permitem, os três vêm passar o dia com ele. Por vezes, tento deixá-los a sós para fazerem coisas de crianças, mas Ethie faz questão que eu esteja por perto.Minha relação com Nicolas, por outro lado, continua estagnada. Não sinto mais o desprezo que sentia no início, mas nossa interação se limita a conversas esporádicas na cozinha, nosso local de encontro quase que oficial.Hoje, Ethan pediu para visitar os avós, e Nicolas sugeriu que eu o levasse. Ao chegar, fui recebida por Gina, a governanta da casa, a quem Ethan chama carinhosamente de "tia Gina". A casa era grandiosa, e fiquei imaginando Nicolas correndo por ali na infância, explorando cada canto.Depois que minha mãe foi assassinada, nunca tive um
A madrugada parecia mais longa do que o habitual. O relógio na cabeceira marcava 3h20, mas o tempo parecia congelado. Minhas mãos tremiam enquanto passava os dedos pelos lençóis úmidos de suor. O pesadelo ainda pulsava em minha mente, como uma cicatriz recém-aberta. As lembranças dos gritos da minha mãe, do cheiro metálico do sangue e do olhar frio do meu pai estavam tão nítidas que era como se tudo estivesse acontecendo novamente.Engoli em seco, tentando afastar as imagens, mas a sombra escura do passado continuava a pairar. Levantei-me da cama com cuidado para não fazer barulho. A casa estava silenciosa, exceto pelo som baixo do vento lá fora. Eu precisava de ar, de espaço. Peguei meu casaco no cabideiro e desci as escadas.Caminhei até a área da piscina. O reflexo da lua na água parecia uma miragem distante, mas ainda assim reconfortante. Sentei-me no chão frio, abraçando os joelhos, e deixei as lágrimas caírem livremente. Chorava por tudo: pela dor que nunca desapareceu, pela cri
Meu nome é Jhulietta Duarte, mas todos me chamam de Ju. Leciono em uma escola pública no coração da cidade e, se aprendi algo nesses anos, é que a rotina simplesmente não existe. Por mais que eu planeje cada detalhe das minhas aulas, sempre surge uma criança com uma pergunta inesperada, um pequeno incidente ou um evento que vira o dia de cabeça para baixo.Naquela tarde, porém, eu ansiava por uma exceção à regra. Após uma semana exaustiva, meu único desejo era chegar em casa, me livrar dos sapatos apertados, preparar uma xícara de chá quente e me afundar em um filme qualquer. Um final de semana tranquilo, sem sobressaltos.O relógio se aproximava das seis e o céu se incendiava em tons de laranja e rosa, um espetáculo que sempre me lembrava da beleza nas pequenas coisas. O trajeto até o ponto de ônibus era uma trilha conhecida: ruas calmas onde crianças corriam e brincavam, cães latiam para o vento e o murmúrio distante do trânsito ecoava do centro.Mas, naquela tarde, a atmosfera esta
A situação era tão irreal que parecia um sonho distorcido. Eu, Jhulietta Duarte, professora de uma escola pública, estava agora enclausurada no banco de trás de um carro luxuoso, a mão pequena de Ethan apertando a minha com uma força quase desesperada. À nossa frente, o homem que presumivelmente era seu pai, o motorista, emanava uma aura de tensão palpável. Sua postura rígida, os olhos fixos na estrada como se fugisse de algo, denunciavam uma batalha interna, um turbilhão de emoções contido a duras penas.— Senhor… — tentei quebrar o silêncio denso que nos envolvia como uma mortalha.— Santorini. Nicolas Santorini — respondeu ele, sem desviar o olhar da estrada. A voz grave e autoritária ecoou no interior do carro, revelando um homem acostumado a comandar.Engoli em seco. O sobrenome soava familiar, uma vaga lembrança que dançava à margem da minha memória, sem se concretizar.— Senhor Santorini, não quero me intrometer, mas… acho que precisamos conversar sobre o que aconteceu.Um susp