Vá Embora Meretriz

— Que exemplo ela é para nossas crianças? Homem e mulher são feitos um para o outro! – Grito no megafone.

Todos gritavam para ela ir embora e levantavam suas placas.

— Essa gente é pior que um câncer! Temos que exterminar essas abominações!

Pego um spray e escrevo no muro "VÁ EMBORA ABOMINAÇÃO!" As pessoas comemoram, e os paparazzi tiram fotos. Muitos repórteres tentam entrevistar algum dos líderes do protesto. Nós estamos dando nosso recado para esse mundo. Pecadores irão pagar!

Fazia horas que a mulher tinha chegado. Não desistiria; Cecilia Gomes tinha que ir embora. Faria tudo ao meu alcance para manter essa cidade longe do pecado e da esbórnia. Algumas pessoas jogavam ovos por cima do muro em direção a casa, outras gritavam palavras de ordem e assopravam seus apitos. Os sons eram altos, deixando todos confusos, mas nossa mensagem era clara.

— Pra que tanto ódio? Aposto que isso é apenas tesão reprimido desse bando de mal comidos. – Cecilia diz sarcástica saindo da casa.

Me assusto com sua aproximação repentina. Ela estava apenas de lingerie e um robe de cetim preto transparente que ia até seus pés. Era possível ver todo seu corpo cheio de curvas.

Cecilia tem seios fartos, seu corpo é alto, e suas pernas longas com coxas grossas, sua pele é branca, seus olhos e cabelos são negros... Céus! Estou reparando mesmo seu corpo?

Ela sorria convencida ao ver que a encarava a longos minutos; sinto minhas bochechas esquentarem de vergonha.

— Uma beata fake, aposto que bem lá no fundo torce para que um dia alguma mulher como eu te foda com a língua. – Suas palavras me fazem engasgar com a própria saliva.

— Tenha respeito por mim! Vagabunda degenerada! – Grito enfurecida sentindo meu coração acelerar.

— Posso ser vagabunda, mas ao menos tenho decência de assumir minha sexualidade e foder o quanto quiser. – Seu sorriso sarcástico cresce ao ver minha vergonha.

As câmeras estavam focadas em nós agora. Os flashes me deixavam confusa, e a gritaria dos repórteres me deixava aérea. Balanço a cabeça voltando ao meu foco.

— Não diga mais nada, demônio! Essa mulher está sendo usada pelo inimigo! – Aponto meu megafone para seu rosto. – Deus abomina os pecadores! Vá embora ou se arrependerá!

Ela limpa o ouvido com o dedo fingindo uma expressão de dor, e ela gargalha. M*****a! Isso não ficará assim!

— Na bíblia diz que devemos amar o próximo como a ti mesmo, isso inclui os LGBTs que tanto odeia! – Cecília fala cheia de si, e isso me dá vontade de socar seu rosto.

Meus olhos transbordam ódio. A atriz sorria sarcástica; ela se divertia com minha irritação.

— Andem, andem! Já passam das dez, e perturbação do sossego é um crime independente da hora! Fui até bondosa em deixar vocês ficarem gritando feito cabritos em meu portão durante o dia! – A morena sorri ao falar batendo palmas.

— Ora, quem pensa que é? Estamos em um país livre! Você não pode impedir um protesto pacífico! – Grito em meu megafone.

Estava com nojo de sua petulância. A encaro da cabeça aos pés, e ela me lança um olhar desafiador.

Cecilia sorri sarcástica, e sinto meu estômago revirar de nervoso.

— Você que sabe. – Ela se aproxima do meu ouvido e sussurra – Mas chamarei a polícia caso não saiam daqui em meia hora, e seria uma pena um rostinho bonito como o seu ir parar em um presídio.

Um arrepio passa por toda a extensão da minha coluna, e Cecília parece perceber quando me lança um sorriso sedutor.

A morena bagunça o meu cabelo e entra em seu enorme quintal. O portão fecha, e os sons do protesto voltam. Fico aérea por um longo período. O que será que foi isso que eu senti? Como essa mulher pode me afetar e irritar tanto? Bato o pé com determinação. Se ela pensa que vai me fazer parar, está enganada! Ela não iria nos amedrontar tão facilmente.

Minutos passam até que os carros da polícia cheguem. As pessoas começam a correr em desespero, esbarrando umas nas outras. Um empurrão me faz perder o equilíbrio, e acabo caindo na calçada torcendo meu tornozelo. O pânico invade meu corpo, e o medo de ser pisoteada me consome. Alguns paparazzi ainda estavam presentes, tirando fotos do completo caos. Lágrimas de desespero caíam pelo meu rosto; estava paralisada. Me encolho contra o portão na esperança de não ser pisoteada. Sinto alguém me puxar pela cintura e me tirar do chão. Olho para cima e vejo Caleb, um dos meninos da minha igreja.

— Não solta a minha mão! Vamos sair desse pandemônio.

Concordo assustada. Ele me ajuda a apoiar o pé machucado no chão, seguro em sua mão, e começamos a nos afastar da confusão. Meu coração estava acelerado, e sentia como se fosse morrer. Alguém me empurra, e perdemos na multidão. Procuro alguém conhecido em meio ao caos, mas o desespero me impedia de ver qualquer coisa.

Com dificuldade, tento me levantar, mas uma onda de dor percorre meu tornozelo machucado. No meio da confusão, busco desesperadamente por Caleb com os olhos, mas não o encontro. O medo de ser pisoteada aumenta, e, em um impulso de sobrevivência, decido pular o muro para dentro da casa de Cecília. O desespero guia meus movimentos enquanto tento me refugiar da tumultuada multidão.

— Ora ora... parece que eu vi uma intrusa. – A voz de Cecília me arrepia.

— Eu... eu... – Tento falar mas a vergonha e raiva me consomem.

Cecília se aproxima com um sorriso largo em seus lábios, parecia que minha situação a divertia.

— Pelo que vejo, seus amigos beatos quase lhe mataram pisoteada. – Sua voz era provocativa. – Uma bela família de congregação, não é mesmo irmã?

— Não me chame assim, sua desviada! – Respondi entre dentes. – Apenas os membros de minha igreja podem me chamar assim!

— Que seja. – Ela dá de ombros. – Saia da minha casa imediatamente antes que eu mesma lhe jogue muro a cima.

Seus olhos brilhavam sob a fraca luz do jardim que destaca os detalhes seu rosto. Mesmo na situação em que eu estava, não conseguia parar de olhar para os detalhes de seu corpo, era como um irmã, me sentia presa em suas pernas.

Olho novamente para seu rosto encontrando seu sorriso desafiador.

— Você... você não teria coragem, eu estou machucada! – Minha voz era rouca e desesperada.

Se Cecília me jogasse de volta na rua, sei que estaria morta, eles me matariam! Não podia deixar isso acontecer. Seus olhos escuros me estudavam com diversão.

— Me dê motivos para não jogar você de volta a rua. – Seu sorriso cresce como se meu desespero a alimentasse.

Motivos? Eu ainda tinha que lhe dar motivos? Cecília era uma pessoa terrível! Ela se alimentava com o meu sofrimento e isso a divertia. Se eu não estivesse em uma situação tão deplorável, socaria seu rosto apenas para tirar esse sorriso idiota se uma vez por todas.

— Você não pode fazer isso com uma pessoa machucada! Isso é omissão de socorro e isso é crime! – Sorri confiante.

Sua gargalhada ecoa pelo jardim me deixando confusa, a confusão logo se transforma em ódio ao vê-la apoiar a mão em sua barriga jogando-se para trás enquanto gargalha.

— Pare de rir de mim! – Esbravejo rouca.

— Desculpa, desculpa. Foi mais forte do que eu. – Cecília seca suas lágrimas enquanto ri. – Você realmente é hilária.

Hilária? Isso não era uma piada, essa mulher era louca? A fúria estava percorrendo meu corpo me causando arrepios devido ao ódio.

— Acha mesmo que tenho alguma obrigação com você, pirralha? Você organizou um protesto em frente a minha casa puramente preconceituoso, ainda ficou gritando com esse megafone o dia inteiro. – Seu rosto estava sério. – Você não está em posição de impor nada aqui. Só de estar em minha casa sem minha autoestima, já está violando uma lei, acha que não conheço meus direitos?

Cecília caminha em direção ao portão e fala algo com seus seguranças que saem.

— Você está ferrada e eu não gostaria de estar na sua pele. – Ela sorri ao finalizar sua frase.

Os seguranças voltam acompanhados de policiais, ao vê-los se aproximar, meu coração acelera e o desespero me consome.

Minha boca fecha e abre tentando buscar as palavras corretas, mas nada vem em minha mente. Meu corpo é levantado pelos policiais que me arrastam em direção ao portão.

— Por favor! – Gritei sentindo as lágrimas molharem meu rosto. – Não me deixe ser presa! Isso cai acabar com minha família!

— Pensasse nisso antes de bancar a aprendiz de Hitler em frente a minha casa. – Sua voz sarcástica me deixa ainda mais desesperada.

Meu corpo é arrastado para fora do jardim e o meu desperto aumenta a medida que nos aproximamos do portão. Meus soluços e gritos por misericórdia ecoam o grande quintal.

— Misericórdia, até sem o mega fone você é insuportável! – Cecília diz andando em direção a sua casa. – Espero nunca mais te ver.

— Por favor Cecília! Tenha misericórdia! Eu prometo fazer qualquer coisa que pedir, só não deixa me prenderem! – Meu apelo sai entre gaguejos e soluços.

Seus passos param e Cecília se vira com um sorriso diabólico em seus lábios.

— Parem. – Sua voz ecoou o jardim. – Deixem eu ouvir a proposta dessa beata de merda.

— Eu... eu faço qualquer coisa. – Solucei a olhando se aproximar.

— Você vai mandar todos seus amiguinhos nunca mais pisarem em minha casa e amanhã cedo vai voltar aqui concertar toda a bagunça que faz no meu muro e arrumar as plantas que estragou com sua queda! – Seus olhos estavam furiosos.

— Eu... eu estou machucada. – Minha voz saiu tão baixa que mal a escuto.

Cecília revira os olhos e bufa passando a mão em seu rosto.

— Okay, okay. Venha aqui quando essa sua ... seja lá que merda você tem, passar. – Sua voz era impaciente. – Mas caso você não venha, saiba que eu mesma vou pessoalmente na delegacia registar um boletim por todas as merdas que você fez hoje.

Engoli seco sentido meu coração acelerar com suas ameaçadas, elas pareciam verdadeiras. Eu não tinha escolha a não ser cumprir com minha palavra.

— Okay?

— Eu... eu irei cumprir minha palavra. – Digo sentindo minhas bochechas esquentarem.

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