KIERAN:A minha Lua estava tão exausta que não se apercebeu da lição que dei ao cachorro do Alfa Vikra no caminho de volta. Peguei-a nos meus braços assim que cheguei, enfrentando os olhares de incredulidade e desprezo de vários membros da minha alcateia. O ar carregou-se de tensão com os murmúrios e pensamentos que me chegavam através do vínculo da manada. —Uma humana? —ouvi o pensamento desdenhoso de Marcus, um dos guerreiros mais antigos—. O nosso Alfa perdeu o juízo. Cerrei os maxilares enquanto avançava com Claris aconchegada contra o meu peito. Os lobos afastavam-se ao longo do nosso caminho, alguns inclinando a cabeça em sinal de respeito para com a minha posição, outros olhando com um desprezo evidente para a mulher nos meus braços. Conseguia farejar o seu rejeito, a sua incredulidade, o seu desgosto. Contudo, não podia revelar quem ela realmente era sem a pôr em risco. As Lobas Luares, sobretudo as Místicas como a minha Lua, eram extremamente raras, especiais, e perseguid
CLARIS:Abro os olhos e ainda é noite. Reconheço imediatamente a cama de Kieran, ou melhor, do meu Alfa. Os olhos dourados de Atka, o seu lobo, abrem-se ao sentir que me mexo. Parece que o seu humano ainda está a dormir. — Atka, tenho fome — sussurro, como se isso me tornasse independente. Já me habituei a lidar com a sua dualidade. Ele fixa-me com o olhar, como se esperasse algo mais. — Desculpa, Atka, ainda me tenho de habituar... Sim, és o meu Alfa. Levavas-me a comer algo? — Sim, minha Luna, vamos — responde. Pelo modo como se move, é evidente que o lobo tem o controlo total do corpo. — O que desejas comer, minha Luna? — pergunta enquanto me segura para descer as escadas. — Comeria um búfalo inteiro — confesso, sentindo tanta fome que não acredito que um único prato de comida seria suficiente. — Os teus crias estão a devorar-me. — Nossos — corrige ele, mas não digo nada. Não são meus, mas sim de outra loba. O silêncio pesa enquanto Atka prepara algo para comer. A minha m
CLARIS:Fiquei olhando para aquela que até agora acreditava ser minha mãe, sentindo o ar abandonar os meus pulmões. Elena permanecia diante de mim com uma expressão de culpa e dor no rosto, enquanto a incredulidade tomava conta da minha mente ao confessar-me que era apenas isso: uma guardiã. As perguntas se acumulavam na minha cabeça, fazendo tudo girar. Quem são os nossos verdadeiros pais e onde estão? Mas, o mais importante, quem somos Clara e eu, de verdade?—Não és nossa mãe? —A pergunta saiu da minha garganta antes que pudesse contê-la, enquanto o tremor das minhas mãos denunciava o meu estado emocional. A minha mente, confusa, recusava-se a processar aquela revelação. Como podia ela não ser minha mãe?As lembranças inundaram a minha mente: cada momento ao lado dela desde que me lembro, cada lágrima derramada ao vê-la sofrer nas mãos de meu pai durante a nossa infância. A dúvida atingiu-me com força: será que ele era mesmo meu pai? E se ela era uma guardiã poderosa, por que nunca
KIERAN:Os Caçadores Sombrios permaneceram ocultos durante todos estes anos, e por isso não tinha conseguido encontrá-los depois do assassinato dos meus pais. Agora compreendia por que não me tinham perseguido: estavam à espera do aparecimento da minha Lua. Levantei-me de um salto e soltei um uivo de alerta. O perigo espreitava-nos, a guerra aproximava-se e estávamos desprevenidos.—O que se passa, meu Alfa? —perguntou Claris ao meu lado.—Procura a Clara —ordenei a Elena, sem responder à minha Lua—. Ela devia ter-me avisado antes. É provável que os Caçadores já se tenham infiltrado no nosso território.A raiva e a preocupação consumiam-me por dentro. As memórias daquela batalha, há anos, contra a alcatéia de Renier adquiriam agora um novo significado. Quando tentaram capturar-me, eu não era o alvo, como ingenuamente pensei. Queriam apanhar-me para matar a minha Lua antes que eu a encontrasse e me tornasse o Alfa mais poderoso de todos!O meu instinto protetor rugia dentro de mim enqu
CLARIS:Não respondi ao que o meu Alfa afirmava. No fundo do meu coração, sabia que os filhotes não eram meus, mas aterrorizava-me a ideia de que fossem de Sarah, aquela loba com ares de Luna. Ela tinha reinado ao lado do meu Alfa durante centenas de anos, e agora compreendia a origem de tanto desprezo e hostilidade para comigo. A minha chegada tinha significado o fim de todos os privilégios que ela ostentava. A dúvida e os ciúmes corroíam-me: será que realmente não havia nenhum vínculo entre ela e Kieran? Estes pensamentos atormentavam-me enquanto o Beta Fenris praticamente me arrastava pelos corredores, lançando olhares encantados à minha irmã Clara. Ao notar a minha confusão, Clara envolveu-me num abraço protetor, absorvendo instantaneamente todos os meus medos. Finalmente entendia por que, desde pequenas, sempre que me sentia mal e a abraçava, toda a minha tristeza desaparecia. Clara era uma Loba Lunar Empática, dotada do poder de perceber e aliviar as emoções descontroladas dos o
KIERAN:Assim que toda a alcateia estava a salvo nas antigas grutas, permiti-me respirar brevemente. O aroma de centenas de gerações de lobos impregnava cada canto, recordando-nos que este refúgio tinha protegido os nossos durante milénios. Observei Claris, que, junto com a sua irmã Clara e a sua mãe Elena, mantinham um escudo protetor em volta da alcateia. As três Lobas Lunares, um presente que o destino nos enviou no momento mais crítico.—Meu Alfa —Fenris aproximou-se com urgência—, os caçadores sombrios de Renier estão a expandir-se pelo nosso território. Ocuparam o setor este.Rosnei com a notícia. Como Alfa dos Alfas, não podia permitir que Renier e os seus seguidores se apoderassem das terras que havia jurado proteger.—Claris —aproximei-me dela, que me olhou com aqueles olhos que me desarmavam—, preciso sair com os guerreiros. Necessito que tu e as outras Lobas Lunares protejam a alcateia.—Faremos isso —respondeu com firmeza—. A alcateia está a reconhecer o vínculo connosco a
O DOUTOR GAEL:Ninguém se tinha lembrado de mim, escondido na minha clínica. Não podia acreditar que me deixara convencer por Sarah. Ela era a minha companheira destinada, mas nunca me tinha deixado declarar isso, e também não me rejeitava abertamente. Amava-a em silêncio, como um cobarde. Como pude trair o meu primo desta maneira? Durante anos, persuadi-o a entregar-me as suas amostras de esperma com a desculpa de as analisar, mas a verdade era outra, muito mais sombria. Sarah, obcecada em ter um filho de Kieran para reclamar o posto de Luna, convenceu-me a criar embriões com os seus óvulos. Tentámos incontáveis vezes, sem sucesso. Por isso, quando vi aquela humana tão saudável, tão vital, tomei uma decisão desesperada. Implantei-lhe os últimos embriões que tinha conseguido criar e, num ato de desespero, usei o resto das amostras de esperma que me sobravam. Para minha surpresa, a humana engravidou. Agora, sentado na penumbra do meu consultório, o peso das minhas ações esmagava-me.
CLARIS:Fiquei paralisada ao ver o meu Alfa partir com os demais, deixando-me à frente de toda uma alcateia que ainda me olhava com desconfiança. Apesar de terem ouvido minhas palavras em suas mentes e terem vindo ao meu encontro, eu podia ver, em seus olhares, a suspeita de que eu era uma bruxa que tinha enfeitiçado o seu Alfa. Clara caminhou até mim e abraçou-me, tentando transmitir-me tranquilidade, mas não conseguia evitar sentir-me intimidada pelos olhares de todos os membros da alcateia, que obedeciam às ordens da mamã, transformada numa imponente loba lunar.—Claris, tens que parar de te preocupar com eles. É evidente que não confiam em nós, mas temos que cuidar deles; são a nossa alcateia. Fomos enviadas pela Deusa Lua para os salvar. —Virei-me para olhar nos seus lindos olhos verdes, e o seu sorriso contagiou-me, retribuindo-lhe o abraço. Adorava a minha irmã mais nova, mesmo que só fosse por dez minutos. A sua compleição mais pequena do que a minha e a sua fragilidade ao lo