Capítulo 7 °

Desço a escada com certa rapidez, só para ter certeza do que imaginei. Minha tia está parada próxima a porta, analisando uma pintura na parede. Ela se vira para mim assim que me aproximo, sua expressão não está muito convidativa.

— O que faz aqui? — Pergunto sem rodeios.

— Isso são modos de tratar sua querida tia? — Diz vindo em minha direção e parando em minha frente. — Assim me magoa. — Faz seu drama corriqueiro. Preciso respirar fundo para me manter paciente.

— Desculpa, não estou no meu melhor dia. — Sou sincero.

Me aproximo e lhe dou um abraço, apertando com força e tentando achar conforto. Estou tão quebrado que não consigo, aquela sensação de quentura e carinho não vem, apesar de saber o quanto ela gosta de mim.

— Quando está sem seu melhor dia? — Retribui o abraço. — São raros, na verdade, são dias inexistentes. — Se afasta e me olha, um sorriso aparece em seu rosto. — Vim te perguntar uma coisa. Não, vim apenas confirmar algo que tenho quase certeza. — Cruzo os braços, esperando sua enxurrada de perguntas. — A filha do rei sumiu, onde ela está?

— Pensei que me perguntaria algo, mas, parece que já está confirmando. — Ando em direção a sala e sou seguido. — Se já sabe, por que pergunta?

— Para saber se é burro demais, preferia estar enganada. — Ela se senta no sofá com classe.

Minha tia materna, não parece em nada com a idade que tem, ela era bem mais velha que minha mãe, mas se beneficia de um pouco de magia para manter sua aparência jovial. Sua pele é branca como a minha, seus cabelos escuros como os meus, e seus olhos é a única coisa diferente, os seus são verdes e os meus azuis, como os do meu pai.

Desde que minha mãe se foi, ela tenta ser como uma mãe, porém não consigo aceitar. A mágoa é grande demais para que eu aceite a gentileza ou amor de alguém, mesmo sendo de minha família, e mais parecida comigo até do que minha mãe era.

— Não, não fui eu, está feliz? — Me sento e a encaro. — Tudo para você é culpa minha, dessa vez está enganada. — Digo encarando ela.

— Maior parte das vezes eu tenho razão, Peter. — Sua testa fica franzida, mostrando seu descontentamento com a situação. — Sempre se mete em confusões desnecessárias por uma vingança sem cabimento. — Sua fala me faz ficar de pé, revoltado.

— Ela era sua irmã. — Digo, indignado.

— Morgana era minha irmã, mas não era uma santa, precisa entender isso.

— Isso não justifica o que ele fez com ela! — Estou começando a ficar instável. — Eu vi tudo, ela não merecia passar por aquilo!

— Desculpe. — Se aproxima, vendo minha reação. — Eu sinto muito, falei sem pensar. — Tenta me acalmar. — Só estou querendo dizer que você deveria se vingar do pai, não da filha. Onde ela está, Peter?

— No meu quarto. Por quê? — Pergunto olhando para ela. — Sei o que estou fazendo, e também sei que irei conseguir minha vingança se prosseguir nisso. Ele tirou minha mãe, eu tiro a filha dele. É uma troca justa. — Digo convicto, ela não retruca.

— Será que sabe mesmo? Você está cego de ódio há dezoito anos. Não consegue enxergar nada além disso, e agora vai descarregar toda essa fúria em uma menina de dezessete anos? Ela não tem culpa de nada. Sei que tive minhas desavenças com sua mãe e que o que aconteceu foi horrível, mas, ataque ele. Não ela.

— Já que está tão preocupada com ela, vou te pedir um favor.

— O que quer que eu faça? — Como sempre, ela já sabe que fiz alguma estripulia.

— Então, por umas e outras coisas, ela está com medo de mim e não quer que eu chegue perto dela. Já excedi meus limites hoje, vou respeitar a recusa dela. Ou seja, poderia cuidar dela? — Tento usar meu tom mais inocente possível. — É só hoje, pode? – Pergunto e dou um sorriso encantador.

— Claro, pelo jeito ela só vai ter a mim, para defende-la do lobo mau, não é? — Reviro os olhos após sua piada sem graça.

— Para com isso. Sabe que é péssima com piadas. — Ando em direção a porta, ela me acompanha. — Vou sair um pouco, volto mais tarde. Sabe que temos limites que não podem ser ultrapassados. Não deixe ela fugir. Você respeita meu espaço, e eu não me meto em seus assuntos particulares. — A mulher revira os olhos.

Apesar de tudo, minha tia não é uma pessoa enxerida e que se mete em meus assuntos. Assim como não me meto nos dela. É uma troca. Ela é legal, não é uma mulher ruim, mas, como todas as pessoas, tem suas limitações, e quem a conhece, sabe até onde pode ir.

— Aliás, o que você fez? — Pergunta e olho para ela, penso um pouco.

— Você vai descobrir! — Dou de ombros e saio.

Tomara que dessa vez eu não tenha de ouvir sermões. Ela é chata quando quer. Posso ter vinte e dois anos, mas, às vezes, ela me trata como a criança de cinco anos que chegou para ela criar. Uma criança que perdeu os pais e estava traumatizado demais para interagir com qualquer um.

••°• Mellany •°••

Escuto a porta abrir, me sento rapidamente e espero pelo pior. Estou com tanto medo daquele homem. Medo do que ele pode fazer para me destruir. Primeiro o beijo, depois o chicote, a tendência é piorar.

Minha tensão ameniza quando vejo uma mulher entrar no quarto. Ela usa um vestido extravagante preto com vermelho, e é tão linda. Deve ser a irmã dele, parece ser da minha idade. Ela sorri para mim assim que nossos olhos se encontram. Isso me deixa aliviada, ele não vai me machucar com ela aqui.

Entro em desespero quando ela se aproxima e toca meu braço. Começo a tremer no mesmo instante. Ela pode ser a mulher dele, isso quer dizer que também é ruim. Por que pensei logo que seria irmã? Deve ser pela semelhança deles, mas posso estar enganada.

— Oi, princesa. — Seu tom de voz é doce e calmo. — Não precisa ter medo de mim, não irei machuca-la. — Acaricia minha bochecha suavemente. — Eu vim cuidar de suas feridas. — Olho para ela surpresa.

Como ela sabe disso? Será que ele contou? Aquele homem é ruim a esse ponto? Se vangloriando por me fazer mal.

— Co-co-mo sabe? Ele te contou? — Minha voz sai tão baixa que não sei se me ouviu, minha garganta está tão seca.

— Não, mas toda tia conhece o sobrinho que tem. Ainda mais quando conviveu com ele boa parte sa vida. Aliás, meu nome é Jasmine e o seu é? — Seu sorriso é tão reconfortante.

Tia dele? Deve ser irmã mais nova da mãe ou pai dele, ela claramente parece muito jovem para ser bem mais velha que ele. Não sei a idade do homem, nas ele deve ter entorno de vinte anos.

— Me chamo Mellany, prazer em conhecê-la, senhora. — Tento dar um sorriso, o que está sendo bem difícil devido a situação. — A senhora parece ser tão gentil, como pode ser parente daquele monstro? E também, a senhora é muito nova e me desculpe se eu te constranger, ou alguma coisa, mas, a senhora é muito linda. — Sou sincera e ela sorri.

— Prazer em conhecê-la, querida. Primeiro, ele puxou a mãe dele, não consegue controlar os impulsos e acaba fazendo muitas besteiras. Segundo, obrigada pelo elogio, você também é muito linda. Quer saber meu segredinho para parecer trinta anos mais jovem? — Diz chegando mais perto e acabo fazendo o mesmo. — Um pouquinho de magia. — Diz levando o dedo aos lábios, como se fosse um segrego. Arregalo os olhos, não acreditando no que acabei de ouvir.

— Isso não existe. — Digo, como se ela estivesse doida. — É tudo faz de conta, inventado nos livros que lemos. — Fico esperando para que concorde comigo

— Ah, minha flor. — Balança a cabeça negativamente. — Existe muito mais além da magia, você ainda tem muito a aprender. — Fico confusa, pois ela não concordou comigo, apenas ampliou a existência do sobrenatural. — Agora, me mostre o que ele fez, mas, deixe-me tirar isso de você, não é nenhum animal para ficar presa. Só não tente fugir. — Assinto.

Fugir é algo que sequer passa em minha mente. Eu prometi a ele que vou obedecer e ficar, não sei se consigo ir contra meus princípios, mesmo que seja para me proteger ou defender.

Sento de costas para ela assim que me solta, tiro a camisa e puxo o lençol para cobrir minha nudez. Tiro o nó que dei no pano e ele logo cai na cama. Ela dá um suspiro alto assim que vê.

Aperto o lençol em meu peito, escuto apenas ela se levantar e andar pelo quarto, voltando em seguida com uma pequena cestinha.

Tento ficar quieta e não chorar, ou gemer de dor, mas, apesar da delicadeza, dói muito cada vez que toca na pele machucada. Seja para limpar ou aplicar algo.

— Pronto. — Se afasta e segura em meu braço, acabo gemendo de dor. — Esse garoto merece uns t***s. — Resmunga. — Não está quebrado, vai ficar inchado e dolorido, mas logo passará. Tenho uma posta que vai fazer com que amanhã mesmo esteja melhor. Posso usar? — Assinto. Qualquer coisa que sirva para me ajudar, estou aceitando. — Por que ele fez isso com você? — Pergunta enquanto espalha o remédio em meu braço.

— Tentei fugir, mas ele me pegou. — Respondo.

— Não concordo com os meios dele, mas... ele é um ótimo caçador. — Se afasta, e coloco a camisa rapidamente. — Voltando ao ferimento, não tenho magia que faça seus machucados sumirem hoje, mas, posso fazer a dor se dissipar agora. Passei um remédio que logo fara efeito. Ele cura por completo ao longo de três dias, tem de passar hoje, amanhã e depois de amanhã. Cura mais rápido que o normal. — Assinto assim que ela termina de falar.

Agora é saber quem vai passar, pois não vou deixar ele encostar em mim. Ela vai precisar vir aqui me ajudar. Não entendo quando sai do quarto, penso até que foi embora e fico triste. Mas, fico feliz quando volta e com algumas roupas nas mãos. Roupas de baixo e um vestido larguinho.

— Obrigada. — Abro um sorriso sincero enquanto agradeço.

— Não há de quê. — Se senta ao meu lado. — Ele fez mais alguma coisa com você? Pode me falar, não contarei a ele.

— Não, senhora. — Digo e foco em minhas mãos.

— Olha nos meus olhos. — Continuo parada olhando para baixo apesar de seu pedido. Ela levanta meu rosto e fixa o olhar no meu, mesmo que eu queira, não consigo desviar. — Ele fez mais alguma coisa com você? — Pergunta e balanço a cabeça positivamente, sem conseguir parar. — O que ele fez com você, criança?

— Ele me beijou, mas eu tenho medo de que possa tentar algo a mais comigo. Me forçar a alguma coisa, ele diz que meu cheiro o deixa louco e que vai me destruir, como se eu fosse dele. — Digo todo o meu medo. — Não quero me tornar mulher dele. — Minha frase faz com que ela desvie o olhar, quebrando o transe em que estava.

— Ele não teria coragem. — Murmura para si. — Eu preciso ir agora, depois volto para te visitar. Tentarei vir amanhã, ou depois só lembre de usar a pasta nas costas. — Fica de pé e vai em direção a porta.

— Jasmine. — Chamo e ela me olha, a mulher parece atordoada. — Obrigada por me ajudar. E por favor, não conte que falei sobre o que ele fez e disse. — Sua expressão, antes tensa, se suaviza e logo volta até mim.

— Vai ficar tudo bem, não vai te acontecer mais nada. Eu prometo. — Dá um beijo em minha testa e vai em direção a saída, me deixando sozinha novamente.

Não acredito em suas palavras. Se fosse me ajudar, iria me tirar daqui, mas parece que não pode fazer isso. No final de tudo, ela ainda é tia dele e uma estranha para mim.

Levanto, sigo até a janela e olho para fora. Vejo que o homem está voltando de algum lugar. O que aconteceu ainda a pouco, pode só piorar minha situação.

— Estou com medo! — Murmuro.

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