Ver Victor tão à vontade, sentado bem à sua frente, faz o sangue de Marina ferver. Ela revira os olhos mais uma vez ao ouvir o apelido que ele teima em usar.
— O que está fazendo aqui? — questiona, sem se dar ao trabalho de uma saudação.
Ele esboça um sorriso ao perceber o quanto ela está incomodada com sua presença.
— Isto aqui é uma padaria, não é? — ironiza, com o sorriso ainda no rosto. — Vim tomar meu café.
— Moro aqui há 22 anos e nunca o vi entrar nesta padaria — retruca, com desdém.
— Então, você tem 22 anos? — pergunta ele, fingindo interesse.
— Você não disse que isto era uma espelunca? Por que voltou? — ignora a pergunta, mantendo o tom afiado.
— Vim pedir desculpas aos seus pais — admite, agora mais sério.
— E a mim? Vai pedir desculpas também? — desafia Marina, erguendo o queixo em sua direção.
— Para você, não — responde prontamente, como se já tivesse pensado na resposta. — Como disse ontem, seus pais foram muito cordiais. A única pessoa grosseira que encontrei aqui foi você. Aliás, parece que quem me deve um pedido de desculpas é você.
Marina não se contém e cai na risada, surpresa com a audácia.
— Você é mesmo engraçado — comenta, entre risos.
Victor inclina-se ligeiramente para frente, apoiando os cotovelos na mesa. Seus dedos se entrelaçam de maneira firme, e ele apoia o queixo sobre as mãos, seus olhos agora estão fixos nos dela.
— Por que está sendo informal comigo? — pergunta, com uma sobrancelha arqueada.
— Você foi o primeiro a me tratar informalmente, sem sequer usar o meu nome — protesta, fazendo um leve bico com os lábios.
Por um breve instante, Victor sente um nó na garganta. Ele desvia rapidamente o olhar, tentando recuperar sua compostura.
— Tudo bem, não me importo que me trate assim. Afinal, não estamos na empresa — diz ele, disfarçando, justo no momento em que Daniela se aproxima com o pedido.
— Obrigado, senhora. A torta de ontem estava excelente — comenta Victor, com um sorriso que faz Daniela rir.
— Fico feliz que tenha gostado — responde Daniela, sorridente. — Algum problema, Mari? — pergunta, notando o semblante tenso da filha.
— Nada, mãe. Só perdi o apetite — responde Marina, com os olhos fixos em Victor.
— Sua filha tem um gênio forte, não é? — comenta Victor, chamando a atenção de Daniela.
— Sempre foi assim — responde Daniela, com um sorriso orgulhoso. — Ele veio até aqui para pedir desculpas pelo ocorrido ontem, Mari.
— E a senhora aceitou tão facilmente? — retruca Marina, incrédula.
— Filha! — protesta Daniela, surpresa com a reação da filha.
— A senhorita já contou à sua mãe que iremos trabalhar juntos? — pergunta Victor, interrompendo.
Daniela franze a testa, surpresa.
— Como assim? — pergunta ela, confusa.
— Mãe, este é Victor Ferraz, um dos donos da empresa onde estou trabalhando — explica Marina, com uma leve frustração na voz.
— Minha nossa! Como o mundo é pequeno! — exclama Daniela, sem conseguir conter o espanto.
— Não pensei o mesmo? — diz Victor, sorridente.
Dessa vez, o sorriso de Victor não contém ironia, sarcasmo ou segundas intenções, e isso não passa despercebido por Marina, que por um instante fica encarando os lábios dele, admirada com a perfeição de seu sorriso e os dentes brancos. Percebendo o que estava fazendo, Marina sacode a cabeça, tentando se recompor.
— Já estou de saída — anuncia Marina, levantando-se abruptamente.
— Mas ainda é cedo, filha — comenta Daniela, intrigada com a atitude repentina. — Ao menos acompanhe seu chefe até ele terminar o café.
— Ele não é meu chefe, mãe. Trabalho para o irmão dele — explica Marina, dando um abraço rápido na mãe. — Até mais tarde. — E, lançando um olhar firme para Victor, completa: — Até mais, senhor Ferraz.
Com passos firmes, ela sai da padaria, indignada com o cinismo de Victor.
— Que babaca… — murmura, atravessando a rua, como se discutisse mentalmente com uma versão imaginária dele. — Ele acha que um sorriso e flores podem apagar a impressão que deixou?
— Está tudo bem? — A voz de Sávio a faz saltar de leve.
— Ah, é você? — responde, ainda surpresa.
— Esperava outra pessoa? — brinca Sávio, arqueando uma sobrancelha.
— Não, claro que não — diz Marina, desviando o olhar para o carro de Victor, que continua estacionado no mesmo lugar.
— Que carrão, hein? — comenta Sávio, notando para onde ela está olhando.
— Pois é... O carro é lindo, mas o dono… — Marina interrompe a frase, por saber que, se dissesse que Victor é feio, estaria mentindo para si mesma.
Victor Ferraz, afinal, é um homem de presença imponente. Alto, sempre vestindo ternos impecáveis que realçam seu porte atlético, ele exala elegância. Os cabelos pretos, levemente ondulados, sempre arrumados com precisão, e a barba rala e cuidadosamente aparada dão ao rosto um toque sofisticado. Seus olhos negros, frios e penetrantes, parecem sempre estar analisando e planejando, com um ar de superioridade que intimida.
— O que tem o dono do carro? — Sávio insiste, curioso.
— Nada de mais — responde ela, evitando maiores explicações. — Ele é só um homem muito rico, só isso. Agora preciso me apressar ou vou me atrasar.
— Vem comigo, eu te levo até o ponto de ônibus — sugere Sávio, animado.
Marina hesita por um instante, mas acaba aceitando a oferta. Enquanto está na garupa da bicicleta de Sávio, ela o ouve falar:
— Estava pensando sobre nossa conversa de ontem. Entendi o que você quis dizer — diz ele, pedalando com calma. — Não há nada de errado em querer uma vida melhor, e eu não discordo disso.
— Fico feliz que tenha entendido — responde ela, aliviada.
— Só quero que me entenda também, Mari. Busque um futuro melhor, mas lembre-se de aproveitar o presente. Não se perca no caminho — aconselha, com uma sabedoria que a faz refletir.
Marina está prestes a responder quando avista um carro luxuoso passando lentamente ao seu lado. O vidro abaixado revela o rosto de Victor, que a observa com a sobrancelha arqueada e um sorriso enviesado nos lábios. Nos seus olhos há diversão e desdém. Ao perceber que ela o observa, Victor balança a cabeça em sinal de negação e depois acelera o carro.
— Ele estava rindo de mim? — murmura Marina, inquieta e indignada ao pensar que ele estava se divertindo a suas custas.
Marina entra na empresa e se dirige diretamente ao elevador para ir até o andar onde trabalha. No momento em que a porta está prestes a se fechar, uma mão a impede. Seus olhos rapidamente se encontram com os de Victor Ferraz, que parece estar de ótimo humor. — Bom dia, mais uma vez — ele a cumprimenta com a voz baixa e mansa. — Bom dia, senhor — responde ela, desviando o olhar.Estar ao lado dele já é o suficiente para deixá-la tensa, ainda mais em um ambiente tão pequeno e fechado como o elevador. Virada para a parede, Marina tenta acalmar a mente, esperando que o momento não se prolongue e se torne ainda mais desconfortável.De repente, ela sente um toque leve em seu cabelo. Instantaneamente, ela se vira para ver Victor segurando uma pequena folha de árvore entre os dedos.— O que é isso? — pergunta, incomodada com o fato de ele tê-la tocado sem aviso.— Tirei do seu cabelo — responde ele, com um sorriso divertido. — Deve ter ficado preso enquanto você passeava de bicicleta com se
Os dias na empresa passam rapidamente, e Marina comemora em silêncio seu primeiro mês de trabalho.Por mais que tenha que lidar com Victor com frequência, ela está feliz por continuar trabalhando no que acredita ser o início de um grande sonho.— Hoje recebi meu primeiro salário — comenta, sorridente, enquanto ajuda os pais na padaria.É sábado, e como de costume, Marina aproveita o dia de folga para auxiliar no negócio da família.— Deveria sair para comemorar — sugere Daniela, feliz ao ver o entusiasmo da filha.— Estava pensando nisso — confessa Marina, limpando a mesa de um cliente que acaba de sair. — Vou chamar a Andressa para ir comigo. Não quero ir sozinha.Andressa é vizinha e amiga de infância. As duas têm a mesma idade e, apesar de seguirem caminhos diferentes, mantêm uma amizade sólida.— Falando na Andressa… — Daniela se aproxima, baixando a voz em tom conspiratório. — Ouvi dizer que ela anda saindo com um homem rico e mais velho.— Sério? Isso é bom, não é? — Marina fran
Quando Victor se aproxima e está prestes a dizer algo, Rodrigo Ferraz aparece, aproximando-se das duas mulheres com um sorriso discreto.— Marina, que surpresa encontrar você por aqui — saúda Rodrigo, lançando um olhar de soslaio para Andressa, que imediatamente baixa o olhar, como se quisesse desaparecer.— Confesso que não costumo frequentar lugares como este — responde Marina, um pouco desconfortável por estar ali, especialmente na presença de Victor, que parece visivelmente incomodado com sua presença. — Minha amiga me convidou — explica Marina, direcionando o olhar para Andressa, que parece cada vez mais nervosa na companhia dos dois irmãos. — Estes são Rodrigo e Victor Ferraz. Trabalho na empresa deles — acrescenta, notando o olhar surpreso que Andressa lança ao ouvir a revelação.— Boa noite, senhores — murmura Andressa com a voz baixa, claramente desconfortável diante dos dois homens.Victor, que até então se mantinha em silêncio, finalmente fala, com um tom ríspido e mal-humo
Já sentada à sua mesa, Marina aproveita o raro momento de solidão para conter as lágrimas que ameaçam escapar. Ela não consegue compreender por que Victor é tão irritante e insuportável, mesmo nos breves momentos em que estão juntos. Ele parece determinado a tornar cada segundo ao seu lado insuportável.Marina sabe que ele quer a fazer desistir do emprego, mas não cederá tão facilmente. Trabalhar em um escritório renomado como aquele pode ser a oportunidade que mudará sua vida. Ela não pode permitir que Victor ou qualquer outro a impeça de conquistar o que deseja.— O que vou fazer? — sussurra para si mesma, sentindo o peso das circunstâncias pressionando seu peito.Ela tem plena consciência de que, se as coisas continuarem do jeito que estão, será difícil suportar a convivência com Victor por muito tempo. Enquanto seus pensamentos a absorvem, ela ouve passos vindos do corredor. Katrina havia lhe entregado a agenda antes de sair para o fórum com Rodrigo, e sabe que não havia ninguém
Joana se remexe na cadeira, visivelmente desconfortável com a situação.Desde que começou a suspeitar das traições do marido, não consegue mais se concentrar em nada.Aparentemente, tudo estava bem até que Xavier Ferraz começou a ficar distante, chegando tarde em casa ou, em algumas noites, nem voltando, alegando compromissos de trabalho e viagens de negócios. As suspeitas de Joana se tornaram inegáveis no dia em que, sem intenção, entrou de surpresa no escritório do marido e encontrou uma caixa com um luxuoso colar de diamantes. Ao lado, um cartão:“Para a mulher que alegra as minhas noites”.Sem querer estragar a suposta surpresa que achava ser para ela, Joana saiu discretamente. Indo ao salão de beleza, se preparar, acreditando que Xavier a convidaria para um jantar ou algo especial naquela noite.A verdadeira surpresa ocorreu quando recebeu uma ligação do marido informando que teria que viajar por três dias para tratar de negócios. Frustrada e magoada, Joana permitiu que ele fosse
Joana observa Marina de cima a baixo, com um sorriso dissimulado nos lábios, como se estivesse prestes a aplicar uma lição.— Conheço muito bem mulheres como você, querida — diz Joana, com a voz impregnada de uma doçura artificial. — Jovens, bonitas, ambiciosas… Entram em grandes empresas não apenas para trabalhar, mas para se aproximar de homens como os meus filhos. Rodrigo e Victor são ótimas oportunidades, não acha?Marina sente o peso das palavras, mas não se deixa abalar. Mantém-se calma, enquanto um brilho cortante acende em seu olhar.— Ah, senhora Ferraz, que interessante ouvir isso — começa Marina, com um tom educado, mas carregado de uma sutil provocação. — Mas, permita-me esclarecer: eu, de fato, tenho ambições, mas elas não envolvem depender de um homem rico para me auxiliar a alcançá-las.Joana, surpreendida pela ousadia da resposta, se esforça para manter a pose superior.— Vejo que você tem bastante confiança. Confiança demais, talvez — replica, forçando um sorriso. — M
Enquanto sai da empresa, Marina sente que as palavras de Victor ainda ecoam em sua mente como um peso que ela não consegue afastar.— Por que ele me odeia tanto? — sussurra para si mesma, sentindo o coração apertado.Sentada no ponto de ônibus, ela observa o céu escurecendo rapidamente. Nuvens densas se acumulando no horizonte anunciam a iminente chegada de uma tempestade. O vento frio começa a cortar o ar, trazendo uma sensação de inquietude.— Justo hoje que esqueci o guarda-chuva… — murmura, com um suspiro resignado. — Eu só queria ter uma vida normal, será que é pedir demais?Seu celular vibra, quebrando o silêncio ao redor. O nome de Sávio aparece na tela. “Quero te ver hoje”Ao ler a mensagem, fica em dúvida. O polegar paira sobre a tela enquanto decide se responde de imediato ou não.Mas, depois do caos emocional do dia, ela opta por guardar o celular na bolsa, voltando a encarar o céu, agora carregado de nuvens escuras. A brisa fria toca suavemente sua pele e, sem perceber, s
A chuva começa a cair com intensidade, martelando ritmicamente o para-brisa do carro de Victor, formando pequenos riachos que deslizam pela superfície de vidro.Do lado de dentro, o silêncio pesa no ar, tornando a atmosfera quase sufocante. Marina observa as gotas que escorrem, como se o mundo lá fora tivesse desacelerado, enquanto o som dos limpadores de para-brisa cria um ritmo hipnotizante, cortando o silêncio pesado. O tráfego desacelera, os carros se movem irregularmente, e a cidade, que antes vibrava de vida, agora parece envolta em um sonho confuso, onde cada minuto se arrasta como uma eternidade.No carro, Marina sente o tempo congelar. A cada movimento dos limpadores, uma camada invisível de tensão cresce no ar, sufocando seus pensamentos.— Será que vamos demorar? — ela pergunta, quase num sussurro, enquanto observa o trânsito imobilizado.Victor se acomoda no banco, deixando os seus dedos relaxarem no volante enquanto responde, sem pressa.— Não sei. É o horário de pico, e