Capítulo quatro

Wish that i could cry

Fall upon my knees

Find a way to lie

'bout a home i'll never see

Superman - Five For Fighting

— Hum, você é casada?

— Sim, há treze anos. — Ele parecia surpreso.

— Tem filhos?

— Sim, três. Dois meninos e uma menina — disse, me sentindo orgulhosa dos meus pequenos.

— Quantos anos eles têm? — Will perguntou, com um sorriso que parecia forçado.

— Pedro tem treze, Jonas tem oito e minha caçula, Beatriz, tem quatro aninhos.

— Ok, vou pedir para uma das enfermeiras ligar para ele.

Will se levantou e saiu. Poderia dizer que ele ficou decepcionado com a notícia. Seu semblante ficou duro, suas sobrancelhas arquearam e aquele vinco no meio da testa se formou.

Ajeitei-me na cama e esperei por sua volta, mas ele demorou para voltar.

Estar perto dele era estranho. Sentia-me diferente. Era como se uma avalanche de coisas boas caísse em cima de mim. Ele me emundava de paz, de tranquilidade; o que eu achava estranho, pois eu não o conhecia. Minha mãe sempre me dizia que quando nos sentimos assim perto de alguém, é porque são anjos que vieram à terra para nos dar força e sabedoria. Sorri com esse meu pensamento. Isso era a coisa mais absurda que eu havia pensado sobre Will! Até parece... Anjo...

Olhei para o soro pendurado ao meu lado. O líquido caía lentamente. Uma gota, outra gota, mais uma gota... Meus olhos começaram a pesar.

Eu estava quase dormindo quando senti um toque suave em minha mão. Abri os olhos, devagar, e lá estava Will, afagando minha mão, com um sorriso dócil nos lábios.

— Deixamos recado para ele na delegacia. Por que não me falou que ele era policial? — perguntou-me, de modo surpreso.

— Esqueci. — Dei de ombros.

— Mel, o que houve com você? — Will mantinha um certo desespero na voz, sua voz soava triste e magoada.

Ele se aproximou da minha cama e passou a mão pelo meu rosto.

— Já disse: caí no banheiro, bati com o rosto no chão e, quando fui levantar, novamente caí em cima do braço.

Ele se afastou de mim e se sentou, cruzou os braços sobre o peito e levou a mão direita à boca. Will era realmente muito bonito, e ficava ainda mais quando estava pensativo.

Acho que me perdi olhando para aqueles olhos verdes. Will me encarou por algum tempo, e me senti envergonhada por olhá-lo tão intensamente.

— Fizemos exame de sangue e urina. Seus exames de sangue deram alteração, sua hemoglobina está baixa. — Ele fez uma pausa longa, me olhou e suspirou quando desviei o olhar do dele. — Isso está relacionado a distúrbios que causam a redução da quantidade de hemácias no sangue. A hemoglobina é uma substância de cor vermelha presente no interior das hemácias. Os nossos glóbulos vermelhos e os valores baixos da hemoglobina caracterizam a anemia.

— Uma anemia? — perguntei, sem me sentir surpresa. Eu comia muito mal ultimamente, então não era novidade nenhuma para mim que estaria assim. — Grande coisa. — Eu dei de ombros e remexi os dedos.

— Sabe que anemia é perigoso, certo?

— Sim, eu sei.

— Então por que esse jeito de quem não liga?

Por que será que eu não ligava? Olha onde vim parar depois de ontem à noite com o Adam... Sabe, às vezes eu achava melhor morrer. Se não fosse meus filhos, eu já teria me matado há alguns meses. Eu estava sem forças para lutar contra tudo isso... Na verdade, nem queria mais lutar, queria apenas viver a minha vida em paz. Queria saber tanto onde foi que eu errei; onde foi que eu fiz isso nascer em Adam...

— Só para que você fique sabendo: eu não acredito que tenha caído no banheiro.

Eu olhei de maneira assustada para ele. Tentei falar algo, mas a voz não saía. Ele me olhou de modo triste, se levantou e saiu.

Meu coração batia acelerado. Ele suspeitava de algo, e eu não podia deixar que suas suspeitas se transformassem em algo concreto. Ninguém poderia saber o que me acontecia, eu não podia envolver mais ninguém nisso. Eu sabia do que Adam era capaz.

Will

Melanie não saía do meu pensamento desde o dia em que trocara o pneu de seu carro. Eu não sabia por que, mas senti que ela necessitava de ajuda, e não apenas com o carro. Os olhos dela eram tão tristes, e ao mesmo tempo parecia desesperadamente pedir por socorro. Aquilo me intrigou. Não sabia por que, mas queria ajudá-la... O que era estupidez, já que nem a conhecia. Mas meu instinto dizia que deixá-la partir era perigoso; e quando a reencontrei no hospital, machucada, confirmara que estava certo.

Eu não imaginava que iria vê-la de novo, mas quando a encontrei na cama de hospital, e naquele estado, meu coração pulou no peito de uma forma estranha. Perguntei-me se havia previsto tudo isso. Sentia-me até culpado por não ter seguido meu instinto e perguntado para ela se estava passando por algum problema grave ou uma situação perigosa.

Seu rosto bonito e delicado estava inchado e roxo, tinha um corte acima da sobrancelha. O médico que a atendera informara que ela estava sem documentos, e falara de uma queda; mas até mesmo ele suspeitava dessa queda.

— Levem ela para o Trauma Um, temos que ficar de olho nela. Ela pode ter sofrido alguma concussão, vamos fazer uma chapa do braço só para saber em quantas partes o braço está quebrado. Levem-na também para fazer uma ressonância, precisamos saber se ela tem lesões ou coágulos — o médico falara para mim.

Mais que depressa, eu a coloquei na maca. Ela estava mais magra e parecia pálida.

Acompanhei todos os exames dela. Suspirei aliviado quando a ressonância não mostrou nada de anormal. Colhi seu sangue, e uma enfermeira colocou uma sonda nela, para a coleta de urina. Meu plantão já tinha acabado há alguns minutos, mas eu não queria deixá-la sozinha, então fiquei ao seu lado até que ela acordasse.

Assim que eu me sentei na cadeira ao lado de sua cama, pus-me a observá-la. Era estranho o que eu sentia, mas talvez eu quisesse ficar perto dela pelo fato de sentir culpa por ter suspeitado que algo estava errado e não ter feito nada para ajudar. Não me tinha me preocupado em tentar descobrir, eu apenas seguira meu caminho e deixara ela seguir o dela.

Mas agora eu queria saber da verdade...

Meia hora se passou desde que a trouxemos para o quarto, então ela abriu aqueles olhos castanhos que eu achava lindos, embora tristes. Sorri.

Quando falei das minhas suspeitas para Melanie, notei que me olhara de maneira assustada. Eu pude ver um medo real em seu rosto. Quando perguntei do acidente, ela se agitou. Quando falei da anemia, ela pareceu não ligar. Então tomei coragem e falei de supetão, mesmo porque, queria ver sua reação:

— Só para que você fique sabendo, eu não acredito que tenha caído no banheiro.

Ela me olhou com expressão assustada. Tentava falar algo, mas não conseguia. Minha confirmação veio nesse olhar; nesse tentar achar as palavras. Talvez o marido dela tivesse a agredido, e talvez forçado sexo com ela, já que foi confirmado através do exame de urina vestígio de sêmen.

Quando voltei ao quarto dela, vi que Melanie me olhava intensamente. Cheguei perto de sua cama, coloquei as mãos na parte inferior da grade e a encarei.

— Eu... Eu...

— Não precisa dizer nada.

Puxei a cadeira e sentei novamente. Os olhos dela estavam cheios de lágrimas. Senti um grande desconforto com isso. Passei as mãos pelo meu rosto e suspirei pesadamente. Xinguei-me mentalmente por não ter dado importância à minha intuição quando eu a conheci.

Tentei sorrir e mudar o foco da preocupação dela:

 — Então, me fale mais dos seus filhos.

Ela sorriu e começou a contar sobre as crianças. Pude ver nos seus olhos o quanto os amava. Era inevitável sorrir quando ela contava sobre as aventuras deles, principalmente da menor, Beatriz, que sempre andava com um coelhinho. Por um momento ela não pareceu mais triste; era o que eu queria com a conversa.

— Sim, daí ela ficou magoada por levar choque. — Ela me contava sorrindo do dia em que Beatriz enfiara o dedo na tomada.

— Tadinha — disse, empolgado.

— Sim, fiquei com dó; mas no final, foi bom. Assim ela aprendeu a me obedecer. — Sorrindo, ela continuou: — E você..., não tem filhos?

— Ah... não! — respondi. — Mas quero um dia ter, gosto de crianças!

— Sim, elas sempre deixam tudo mais colorido, mais mágico! — Ela sorriu de uma forma muito bonita.

— E o casamento? Está mágico assim também? — acabei insistindo, e vi que o sorriso dela se desfez de imediato.

— Todos os casamentos têm problemas! — Ela falou. Pareceu nervosa com minha pergunta.

— E o seu? Parece ter muitos problemas, não é? — perguntei, e percebi que ela estava desconcertada com os meus comentários. Mas eu queria que ela confiasse em mim; que me dissesse a verdade, só que em vez disso, ficou em silêncio. — Nenhuma mulher merece passar por isso, Melanie!

Os olhos dela marejaram, mas rapidamente ela desviou o olhar.

Olhei para o relógio no meu pulso e me assustei com a hora. Já era tarde, e meu plantão já havia acabado faz tempo.

— Já está tarde, melhor eu te deixar dormir.

— Não. — Ela se apressou em dizer. — Por favor, fique. Eu sei que é pedir muito, mas... Mas eu não quero ficar sozinha! — Ela parecia com medo, talvez de o marido dela aparecer de noite... E esse acabou sendo meu medo também. Não me perdoaria se, por uma falha minha, ele a machucasse mais.

Eu sorri e assenti. Em seguida, voltei a me sentar na cadeira, cruzei os braços e a olhei.

— Me conte mais sobre os seus filhos!

Ela sorriu.

Acordei na manhã seguinte com a luz do sol em meus olhos. Olhei para Melanie. Ela dormia tranquilamente. Havíamos ficado até tarde conversando sobre coisas sem importância, mas que fizeram o tempo ser agradável e passar rapidamente.

Eu me levantei e olhei os monitores. Tudo certo. Bocejei, fui até a cafeteria, peguei um café e fui tomando enquanto andava pelos corredores.

— Will, já está aqui? — perguntou a recepcionista do hospital.

— Não, Bethy. Nem fui embora.

— Por quê?

— Fiquei com uma amiga que sofreu um acidente.

— Ah, sim.

— Vou ficar com ela até que um parente chegue!

— Tudo bem. Qual o quarto?

— Quinhentos e doze.

— Will, ela é...

— Nem me fale, Bethy — interrompi-a. — Depois conversamos sobre isso.

Ela assentiu.

Eu virei as costas e caminhei a passos largos para o quarto de Mel. Assim que cheguei ali, ela estava sentada na cama, olhando para o nada.

— Bom dia.

— Oi, bom dia. — Ela me olhou.

— Como se sente?

— Dolorida.

Coloquei meu copo com café em cima da mesa e olhei os monitores. Medi sua pressão, coloquei um par de luvas e refiz o curativo do machucado em sua cabeça. Peguei dois comprimidos para dor no armário que tinha no quarto dela, coloquei em um copinho e entreguei para ela.

— Tome esses dois comprimidos — disse. — Logo você ficará bem — falei, passando a mão por seu rosto e tirando alguns fios de cabelo que caíam em sua face.

Escutei algumas batidas na porta, que desviaram minha atenção.

— Will, licença, pode vir aqui fora um segundo?

— Claro. — Eu disse, saindo para falar com Chris, uma das enfermeiras do hospital.

— O marido dela chegou. — Ela informou. — Sabe que ele é policial, certo?

— Sim. Faça ele esperar um pouco, já estou indo lá.

— Ele está alterado, não quer esperar.

— Já odeio esse cara sem ao menos o conhecer — disse, passando pela enfermeira e indo até a recepção.

Quando cheguei lá, havia dois policiais fardados e armados. Um deles gritava a belos pulmões que queria ver sua esposa. Olhei-o de cima a baixo e o detestei! Ele era grande, bater em Mel era muito fácil para esse homem.

— Não precisa fazer escândalo aqui, Senhor.

— Quero ver minha esposa, e já! — disse ele.

Notei que seus olhos estavam vermelhos; e sua respiração, acelerada. Os punhos estavam fechados. Estava bem visível o seu estado alterado.

— Pois, bem, me diga o nome dela. — Apesar de eu saber que era, eu queria deixar claro que ele não podia vir ao hospital e fazer o que bem entendesse, tinha que passar pelos procedimentos!

— Você só pode estar brincando, não é mesmo?

— Claro que não, Senhor. Sem nome não podemos liberar sua entrada, e como vou saber quem ela é?

Ele deu um soco na mesa. Bethy, a recepcionista, deu um pulo de susto.

— Bethy, me dê um minuto a sós com esse Senhor! — peço a ela.

— Claro! — respondeu, de olhos arregalados.

Ela saiu de perto, e eu o encarei no fundo dos olhos.

— Para um policial, é um bocado sem educação.

— Quem você pensa que é, rapazinho?

— Sou um profissional a serviço, como você. Estou aqui há mais de quarenta horas, então, lhe peço: adiante meu serviço e informe o nome da sua esposa, assim posso ir embora. Meu plantão já acabou.

— Melanie Oliveira.

Era óbvio que eu não precisava mexer no computador para achá-la, mas fiz o mais demorado possível. Quanto mais eu demorasse para que ele visse ela, melhor seria.

Alguns minutos depois...

— Me acompanhe, Senhor Oliveira.

Andamos pelos corredores, e paramos de frente para o quarto. Ele entrou com pressa; e eu, logo atrás. Mesmo que o meu bom-senso me alertasse para ficar longe, eu não queria; não conseguia.

— Meu amor, o que aconteceu? — Ele perguntou, se aproximando da cama dela, agora fingindo ser um bom marido.

— Eu caí no banheiro, meu querido!

Ele tocou sua face. Ela se encolheu, mas aceitou o carinho. Fiquei ali, observando os dois. Embora parecesse um casal feliz, algo no meu íntimo dizia que não.

Saí apressadamente do quarto. Fui até a sala de descanso e soquei a parede com força. Senti uma dor irradiando nos meus dedos e subindo pelo pulso. O que pensei nesse momento? Não sei, só sei que um ódio que eu nunca havia sentido dentro de mim tomou conta, e o que eu mais queria era poder estrangular esse tal de Adam, por estar fazendo esse teatro todo! Como ele foi perguntar o que aconteceu, se foi ele mesmo quem bateu nela?! Eu tinha certeza disso!

— Eu juro por Deus que, se esse cara levantou um dedo para você, ele vai se arrepender! — falei para mim mesmo, enquanto andava de um lado para o outro.

Eu tinha que me acalmar. Respirava e inspirava.

Resolvi fazer o que achava mais certo: virei-me, fui até a recepção, passei meu crachá e fui para casa. Eu estava cansado, e assim eu não iria conseguir resolver nada.

Assim que cheguei em casa, tomei um banho longo e demorado. Pedi comida. Em seguida, alimentei Akira, um gato cinza que resgatara de um balde de graxa há algumas semanas e que, desde então, transformara minha casa em um verdadeiro lar.

— Vem, Akira, vamos dormir, estou cansado.

Assim que o chamei, o bichano correu até meus pés e se enroscou nas minhas pernas, me fazendo quase cair duas vezes. Sorri. Akira era agradecido por eu ter salvo ele. Mal imaginava que eu quem era grato pela sua companhia.

Entrei no banheiro do meu quarto e escovei os dentes. Em seguida, deitei na cama. Akira subiu em meu peito e se aconchegou. Após, ronronou e se enrolou.

— Bons sonhos, meu amigo.

Fechei os olhos e dormi quase de imediato, mas não antes de pensar nela...

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