Capítulo cinco

Shots rang out, but there's no gun

Still you hurt on everyone

In the dips of you, the sparks are good

But you're not even trying (trying)

Kodaline - Ready To Change

Um mês depois...

Era manhã de sábado; o que significava duas coisas: uma era que Adam estaria em casa o dia todo. Segundo: as crianças também estariam em casa o dia todo, então, deveria tomar mais cuidado; prestar mais atenção em como eu me comportava para que o dia ocorresse pelo menos normal.

Acordei às seis, como de costume. Fui até a padaria, comprei pães, queijo e presunto.

Assim que cheguei em casa, preparei um café forte, como Adam gostava. Organizei a sala, subi para os quartos, peguei o cesto com roupas sujas e fui para a lavanderia. Hoje seria dia de lavar roupas, e pelo tanto de roupa, eu sabia que ficaria nisso a manhã toda.

Era difícil arrumar tudo com aquele gesso no braço. Além de incomodar, eu estava quase sem conseguir mexer os dedos.

Depois de tudo o que acontecera, eu sentia mais medo do Adam. Logo no dia em que chegara em casa, mamãe estava lá com as crianças, e me dera uma bronca por ser descuidada. Beatriz e Jonas falaram que limpariam a casa para me ajudar, coisa que eu sabia que nunca iria acontecer, porque eles eram pequenos demais, e também porque eu não deixaria. Já Pedro, fechara a cara para mim, e a única coisa que ele dissera foi uma ameaça contra o pai.

Adam não me tocou por um mês inteiro... Ao menos isso serviu para que ele parasse. Talvez ele voltasse a ser a pessoa que um dia eu amei, e tudo se resolveria... Pelo menos era o que eu desejava.

As crianças acordaram, tomaram café e ficaram na sala, assistindo a seus desenhos preferidos. Hoje, graças a Deus não brigaram pelo controle da televisão!

Adam se preparou e saiu após ter tomado seu dejejum.

Lavei todas as roupas com dificuldade. O cesto estava lotado de uniformes de Adam. Os varais estavam cheios de roupas, o sol estava quente. Sorri, sentindo-me satisfeita. A casa estaria silenciosa se não fosse pelos risos das crianças.

Encostei-me no batente da porta da sala e observei meus pequenos. Beatriz estava sentada no chão, com as pernas cruzadas. No momento ela tinha em seu colo o inseparável coelhinho com orelhas grandes. Jonas estava deitado ao lado da irmã, de barriga para baixo e mãos apoiadas no queixo. Ele esboçava o sorriso banguela para a TV. Pedro estava sentado no sofá, com o olhar grudado no desenho Tom e Jerry. Ele gargalhou alto quando Jerry bateu na cabeça de Tom.

— Que gato burro!

— O Tom não é burro — Beatriz falou, brava, olhando para o irmão. — Não é, mamãe? — Dirigiu o olhar para mim.

— Sim, querida.

— A gente pode ter um gato?

— Acho melhor não, filha — disse, me sentando ao lado de Pedro.

— Por quê? — Ela me perguntou.

— Porque um animal não é brinquedo — respondi, dando de ombros.

— Por quê? — insistiu.

— Ele é um ser vivo, querida. Teremos que ter responsabilidade com ele, cuidar; alimentar; dar banho; levar ao veterinário, caso fique doente...

— Tá, mamãe, mas por que não podemos ter um? Não entendo! — Ela fez uma expressão de confusão no rosto.

— Eu sei que não. Mamãe promete que, quando você ficar maior e saber o que é ter responsabilidade, vou conversar com seu pai, e te dou um gatinho!

— Promete? — Ela sorriu, cheia de esperanças.

— Sim, meu amor! — disse, correspondendo ao sorriso dela.

— Só quero ver!

Ela gargalhou e olhou para a TV.

Observei meus três filhos e senti uma alegria enorme dentro do meu peito. Afaguei a cabeça de Pedro, que lançou a mim um sorriso lindo, mas triste. Eu sabia que tudo que estava acontecendo o magoava, sabia que machucava ele saber o que o pai dele fazia comigo; mas o que eu poderia fazer? Deixar meu filho de treze anos de idade “resolver” a situação? Bem, acho que não, não é mesmo?

Estava tão distraída, que por um momento até me esqueci de onde eu estava.

— Mamãe, acorda — Beatriz me chama, me tirando dos pensamentos.

— Oi, filha. O que foi? Mamãe está acordada!

— Não parece. — Ela disse. — A campainha tá tocando.

— Então por que a Senhorita não vai atender?

— Porque estou vendo desenho. — Ela deu de ombros.

— Ah, sim, me desculpe. Então mamãe vai lá!

Levantei-me e fui sorrindo até a porta. Quando eu a abri, sorri com a pessoa que quase queimava a campainha de tanto tocar.

— Monica? Meu Deus, não acredito! Crianças, é a tia de vocês! — gritei enquanto a abraçava.

Monica era minha melhor amiga, e também minha cunhada. Ela era um ano mais velha que o Adam.

Não contive minha alegria em vê-la, pois Monica morava no Canadá há três anos, e durante esse período, só a vi uma vez.

— O que aconteceu com você, Mel? Seu braço, o seu rosto...? — Ela perguntou, parecia preocupada.

— Eu caí... — respondi, a voz quase não saiu.

— Tia??? — Pedro falou, correndo até ela e pulando em seu pescoço. Monica fez careta, enquanto quase caía, devido ao impacto.

— Pedro, como você cresceu! E está pesado! — Ela falou assim que o soltou.

— Sim, tia. Desculpe, estava com saudades!

— Relaxa, Zé.

Todos nós rimos. Monica tinha isso de ficar chamando os outros de “Zé”.

 Jonas estava esperando pacientemente para abraçar a tia. Já Beatriz, estava parada na porta da sala, segurando seu coelhinho pelas orelhas.

— Hei, Jonas, tudo bem? Vem abraçar a tia.

Jonas sorriu e foi até ela, estendendo a mão; mas Monica o puxou para um abraço apertado. Assim que ela o largou, sorriu para Beatriz.

— É a Bea?

— Sim.

— Como ela cresceu!

— Sim, muito. Ela deve estar com vergonha. Beatriz, vem falar “oi” para a tia! — Eu a chamei, fazendo um gesto com a mão, incentivando para que ela se aproximasse.

Ela se aproximou devagar, segurou as minhas pernas e soltou um tímido “oi”. Sorri. Nunca tinha visto minha pequena tão envergonhada assim. Eu sei que ela não deve se lembrar de Monica, mas Beatriz não fazia a linha de ser tímida.

— Ora, garota, eu te pego! — Monica disse, correndo atrás dela pela casa, já que Beatriz correu, gritando.

Coloquei as malas dela para dentro, e em seguida a vi na sala, deitada no chão, soprando a barriga de Beatriz, que ria sem parar.

— Para, tia, para! — Ela pediu, ainda rindo.

— Não, eu sou o monstro das cócegas, hahaha...! — respondeu num tom brincalhão, e depois soprou sua barriga de novo. Beatriz riu novamente, enquanto se debatia.

Pouco tempo depois, ela se levantou, foi até o Jonas e fez a mesma coisa com ele. Quando parou e olhou para o Pedro, ele negou com a cabeça.

— Não... — disse.

— Sim! — insistiu, com um sorriso sapeca no rosto.

Pedro correu pela sala, seguido pela Monica e pelas crianças. Quando ela o pegou, eles rolaram pelo chão, e ela fazia cócegas por todo o seu corpo. Quando finalmente cansaram, os quatro deitaram no chão, um do lado do outro, todos ofegantes.

— Estava com saudades, Tia — Pedro confessou, sorrindo para ela.

— Eu também, Zé. — Ela respondeu, ofegante.

— O nome dele não é Zé, Tia. É Pedro!

— Eu sei, Bea, só estou brincando....

— Monica, venha comer algo, deve estar faminta e cansada — falei, já parando na porta da sala de estar, pronta para ir para a cozinha.

— Sim, estou! — Ela disse, virando a cabeça para me olhar.

— Mamãe, ela tá precisando de um banho também. — Beatriz colocou a mão no nariz e sorriu.

— Beatriz! — falei, num tom de repreensão.

— Não brigue com ela, estou mesmo precisando! — Monica concordou.

— Crianças, fiquem vendo televisão. A tia vai comer e descansar.

— Não esquece de tomar banho... — Beatriz lembrou.

— Não vou não, sua fedelha — Monica falou, mostrando a língua para Beatriz logo em seguida, enquanto se levantava.

Sorri de canto. Monica era tão criança quanto ela. Amava os sobrinhos mais que tudo.

— Vamos, escrava, me alimente! — Ela disse e sorriu, passando o braço pelo meu pescoço e me acompanhando até a cozinha.

Chegando lá, ela se sentou e comeu metade de um bolo. Enquanto a olhava, eu pensava o quanto Monica tinha esse dom natural em fazer bem às pessoas só com sua presença.

— Vamos lá, sua bisca, me conte como conseguiu cair e se machucar toda. — Ela quis saber, enquanto engolia um pedaço de bolo.

Meu coração disparou só de eu pensar no que ocorrera de verdade.

— Ah, eu estava tomando banho, escorreguei e caí; só isso... — Eu inventei, dando de ombros e fingindo indiferença.

— Hum, e o panaca do meu irmão?

— Saiu cedo, hoje é folga dele. Por que não falou que estava vindo, para a gente ir te buscar no aeroporto?

— Queria que fosse surpresa.

— E o que a Senhorita veio fazer aqui? O bofe deixou vir sozinha?

— Preciso de um descanso, e não tem mais bofe.

— Que babado! O que aconteceu? — Sentei em frente a ela e a olhei de modo curioso.

— Ele me traiu, daí entramos num acordo.

— Qual? — perguntei, confusa.

— Eu entrei com meu pé, e ele com a bunda.

Monica gargalhou, o que me fez sorrir também.

Conversamos durante meia hora. Ela me contou sobre seus projetos e sua pretensão em ir para a África. Achei legal ela ter ajudado os médicos que estavam fazendo trabalhos humanitários por lá. A mulher era uma excelente pediatra! Iria ser uma aquisição e tanto na equipe!

— Vamos, vou levar suas malas para o quarto de hóspedes, e... — comecei a dizer, pegando a mala dela; mas Monica já foi se aproximando e retirando a mala de minha mão.

— Nada disso, larga já essa mala! Você está machucada! — repreendeu-me.

— Mas eu...

— Mas nada, Mel! Deixa que eu levo, não sou aleijada.

Ela subiu as escadas, carregando sozinha suas malas; e eu fui logo atrás. A moça jogou as malas em um canto e começou a tirar a roupa. Desviei o olhar. Monica não tinha vergonha alguma de mim. Com o corpo que tinha, não deveria ter mesmo! Eu também não tinha, mas as coisas mudaram depois que engordei tanto.

Ela entrou no banheiro, e esperei por ela durante quinze minutos.

Saiu enrolada numa toalha e com outra na cabeça.

— Por favor, me chame para o almoço, quero comer com vocês! — disse, deitando na cama.

— Sim claro. Está confortável?

— Sim, muito obrigada, Mel.

Trocamos sorrisos, e saí do quarto. Precisava preparar o almoço.

Olhei no interior da geladeira e sorri. Tinha tudo para fazer macarrão com almôndegas. Monica amava minhas almôndegas!

Eu estava distraída quando senti uma mão pesada a tocar minha cintura. Imediatamente fiquei tensa.

— Oi, amor. — Ele beijou o topo da minha cabeça.

— Oi, Adam! — falei, tentando disfarçar a tensão que o toque dele me causava.

— Tudo bem?

— Sim. Sua irmã está aqui! — disse, com certa animação.

Já ele não pareceu gostar muito, apenas me olhou por alguns instantes e saiu da cozinha, sem falar nada. Fui atrás.

Subimos a escada lado a lado.

— Adam, ela está dormindo! — falei, já assustada com o que ele poderia falar para a irmã.

— Foda-se — respondeu, num tom grosseiro.

— Adam! — falei num tom de repreensão.

— Cala essa maldita boca! — Ele deu um grito, e eu dei um pulo, ficando quieta no mesmo instante.

Ele entrou no quarto sem ao menos bater. Fiquei no meio do corredor, esperando seus gritos. Meu coração estava disparado enquanto eu esperava o pior, mas só escutei, depois de algum tempo, risadas, fazendo com que um peso enorme saísse de mim. Soltei um suspiro de alívio, enquanto descia as escadas para terminar o almoço.

Assim que terminei de preparar a mesa, Adam e Monica desceram. Ela estava em cima das costas de Adam, e ele sorria. Observei-o bem. Amá-lo fora tão fácil... Não digo só pela aparência, digo pelo que ele era por dentro. Era um homem romântico, muito dócil e gentil. Embora às vezes fosse ciumento, ainda era controlado. Eu sentia que ele me amava e cuidava de mim, amava nossos filhos, sempre fora fiel e dedicado... Eu só não entendi onde aquela pessoa incrível estava agora.

— Viu só? Ela nem me escuta! — Mônica falou, fazendo eu voltar à realidade.

— Quem não te escuta? — perguntei, voltando em mim.

— Viu, onde você está, Mel? — Ela perguntou.

— Oras, aqui. Vamos almoçar, já está pronto! — respondi.

Chamei as crianças. Elas se sentaram à mesa, junto de Adam e Mônica. Servi a todos, como de costume, para Adam não começar com os seus papos de que eu não deveria comer porque engorda. Coloquei no meu prato apenas uma almôndega e uma garfada de macarrão.

A conversa fluía ao redor da mesa. Adam estava feliz — para a minha surpresa. Fazia tempo que eu não o via assim. As crianças também estavam felizes, então não tinha por que eu ficar pensando em nada.

O resto do dia ocorreu tranquilo. Monica me ajudou a organizar a cozinha e entregou um monte de presentes para as crianças. Alguns até para mim. Beatriz se encantou com uma caixinha de música onde tinha uma bailarina. Ela rodopiava pela sala, como aquela bonequinha de cristal.

— Mamãe, posso aprender balé? — pediu-me, toda sorridente, ainda tentando dançar no meio da sala.

— Claro, querida! — respondi.

— Mãe, eu quero aprender karatê. Me matricula na escola do Sr. Takashi? — Pedro pediu, e sua pergunta me intrigou.

— Por quê, Pedro?

— Por nada, só quero aprender! — respondeu, desviando rapidamente o olhar. Eu até desconfiava o motivo desse seu interesse repentino.

— Pedro, eu...

— Se o Pedro vai aprender, eu também quero! — Jonas disse, se sentando no meu colo.

— Tudo bem, vou matricular vocês... — falei, me sentindo vencida pelos dois.

O restante da tarde passou com Monica vendo desenhos com as crianças, Adam dormindo, e eu fiquei fazendo serviços de casa. Recolhera as roupas, e agora estava passando os uniformes de Adam.

Meu coração, apesar de se alegrar com a visita da minha cunhada, se sentia triste toda vez que eu olhava para o meu braço. Uma vontade imensa de chorar me abatia.

Com os olhos cheios de lágrimas, voltei minha atenção para as roupas. Eu precisava me distrair, e nada melhor do que passar roupas para que minha mente não ficasse pensando naquilo que não deveria.

— Por que ele não te ajuda...? — a voz de Mônica me fez dar

um pulo de susto.

— Monica, que susto! — falei, com a mão no peito.

— Por quê? — Ela insistiu na pergunta.

— Por que o quê?

— Melanie Oliveira, por que meu irmão não te ajuda? Ainda mais com você machucada!

 — Oras, Monica, que coisa! Seu irmão trabalha muito para me sustentar e sustentar as crianças, isso é o mínimo que posso fazer. — Eu dei de ombros, fingindo que aquilo era normal.

— Adam está diferente, senti isso quando fiquei com vocês à mesa. Por que comeu tão pouco? Você está magra e pálida, está acontecendo algo?

— Não! O que poderia estar acontecendo? E eu não estou magra. Aliás, eu estou até acima do peso, estou gorda.

— Comparada a antes, não; e se continuar emagrecendo assim, tão rápido, vai ter anemia... — Ela disse. Sequer sabia que já tive... — Aliás, estou achando o clima aqui nessa casa um tanto estranho, principalmente com Pedro...

— Eu...

— Você nada, estarei de olho em tudo nesses dias que ficarei aqui. E se eu suspeitar de algo, a Senhora que se prepare, porque quero te ajudar, e você não abre o jogo.

Eu não falei mais nada. Monica tomou o ferro da minha mão e começou a passar as roupas. Fiquei ali, do seu lado, vendo-a concentrada no serviço. Ela não poderia em hipótese alguma suspeitar de nada. Eu teria que me comportar muito bem, para que isso não acontecesse.

You can say what you want

You won't jump, you're not ready to change.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo