• 03 •

Emma

Eu ainda estava no centro comunitário.

Mais um dia de entrega de marmitas.

— Já fechei mais de 60 aqui. — disse colocando algumas marmitas na caixa.

— Faltam mais 40 então? — Francisca pergunta.

— Não, mais 15, já fechei 25. — Vanessa disse.

— Vocês vão pra aula de confeitaria amanhã né? — pergunto para as meninas.

— Com certeza, você ensinou a fazer aquele bolo em camadas de uma forma muito fácil, já consegui fazer dois pra vender. — Vanessa disse.

— Que legal. Fico feliz em tá ajudando vocês. — digo toda empolgada.

Terminamos as 100 marmitas da noite, os rapaz do carro foram pegar as caixas e depois as meninas que fazem as entregas saíram da cozinha. Fiquei lá lavando as coisas e guardando as comidas que sobraram pra poder dar no almoço do outro dia, já que aqui nada vai pro lixo.

— Emma? — ouço a voz da Cris e me viro.

— Oi. — respondo.

— Você quer uma carona? — ela pergunta.

— Eu super aceito. — digo rindo.

— Ta bom, só vou pegar as minhas coisas na minha sala.

— Ta bom, já terminei aqui também. — falo.

— Ótimo. — ela diz sorrindo.

Ela saiu da porta, lavei a minha mão, tirei o avental e a touca e fui até a outra sala e peguei as minhas coisas. Fui em direção a saída e assinei a lista.

Cris já estava do lado de fora.

— Podemos ir? — ela pergunta e eu faço que sim com a cabeça.

Entrei no carro dela. Fomos o caminho todo falando sobre as filhas dela, ela contando sobre a sua filha mais velha que decidiu que quer fazer faculdade de direito e que o ex marido dela quer abrir uma conta pra começar a juntar dinheiro pra ajudar na faculdade, que ela achava isso legal e tals...

A filha mais velha da Cris tem 14 anos e eu me lembro como se fosse hoje quando eu tinha 14 anos e eu disse que queria ser boleira, o quanto a minha família ria de mim e o quanto eles diziam que isso não era a profissão, até que eu encontrei alguém que acreditou em mim, alguém que me acolheu.

Hoje ele não tá mais aqui, mas é por ele que eu sigo todos os dias, lembro que todos os dias e ele e a Hanna vendiam meus brigadeiros na porta da escola, ele vendia no trabalho dele.

Como eu sinto falta do meu par, do meu Giuliano.

Eu queria ter tido a sorte da filha saa Cris, dos meus pais acreditarem nos meus sonhos por mais "fúteis" que eles fossem. Hoje eu pago a minha faculdade com o dinheiro que eu juntei vendendo os meus doces.

Cris parou em frente a minha casa.

— Obrigada Cris. Até amanhã — digo.

— De nada, até amanhã. — ela diz sorrindo.

Desci do carro e entrei em casa, tranquei a porta e percebi que minha mãe estava na cozinha.

— Que bom que você já chegou, estava ficando preocupada. — minha mãe diz encostada no balcão.

— Oi mãe, hoje teve entrega de marmita, esqueceu? — pergunto sorrindo.

— É, acho que esqueci, você vai a missa domingo né? — ela me perguntou.

— Vou. — respondo.

Meus pais são super religiosos, quando Giuliano partiu eles meio que me obrigaram a voltar pra casa e voltar ir a missa todos os domingos e até em dias da semana, o que eu não curto muito, mas prefiro fazer pra não ter que ouvir eles falarem no meu ouvido, dizendo que eu teria depressão se não me apegasse em Deus. Como se uma coisa tivesse a ver com a outra.

Fui pro meu quarto e coloquei as minhas coisas na minha cama, peguei meu pijama e fui pro banheiro tomar um banho, que era tudo o que eu precisava depois de um dia super cansativo.

Depois de tomar um banho, voltei pro meu quarto, não era o que eu queria, mas eu tinha que terminar o meu trabalho, então fui pro computador, faltava bem pouco, então apenas coloquei as fontes do trabalho, conclusão e enviei pro professor em modo de apresentação que foi como ele pediu.

Minha mãe passou pelo meu quarto e entrou.

— Você ainda não foi dormir? — pergunta meio indignada.

— Já tô indo mãe, eu tinha que terminar uma coisa. — respondi.

— Assim você vai se atrasar pra faculdade amanhã. — ela disse.

— Não se preocupe, sei dos meus horários. — digo já meio sem paciência.

— Eu só falo pro seu bem, mas você é cabaça dura demais. — ela diz meio brava.

— Boa noite mãe. — respondo e ela fecha a porta do meu quarto.

As vezes eu não entendo como eu deixei me levar pelas palavras dela de consolo, dizendo que eu seria acolhida em casa, que aqui seria sempre a minha casa.

Eu sinto falta do meu lar todos os dias da minha vida e sinto ainda mais falta do meu par. Fecho o computador e guardo a minha bolsa já arrumada pra amanhã.

Coloquei o meu celular no carregador e fui dormir.

Dia seguinte

___________

O despertador toca.

E vamos pra mais um dia longo e cheio.

Levanto da cama e vou pro banheiro, faço a mesma coisa de todos os dias. Depois de já arrumada pego as minhas coisas e desço.

— Bom dia. — meu pai diz na cozinha.

— Bom dia. — respondo.

— Ta tudo bem? — ele pergunta.

— Lógico que não tá Bento, olha as olheiras dessa menina, ela tem chegado muito tarde daquele centro comunitário.

— Bom dia pra senhora também. — digo olhando pra ela.

— Não adianta você ficar aí toda bravinha, você sabe que eu tenho razão. — ela diz e eu reviro os olhos.

— Marina logo cedo? — meu pai diz a ela.

— Por isso que essa menina é assim, tudo o que ela faz você passa mão na cabeça dela. — ela diz com um ar de revolta.

— Nossa filha é a garota mais esforçada que eu já vi, estuda, trabalha e ajuda o próximo ao máximo que pode, faz doces pra pagar a faculdade, você deveria se orgulhar ao invés de colocar a menina mais pra baixo. — ele diz e me olha.

O problema de casa nunca foi o meu pai, ele sempre esteve ao meu lado, mas parece que as vezes ele deixa a minha mãe mandar nele, esse é o maior motivo da gente ter se afasto com o passar dos anos.

— Eu sou sempre o monstro dessa casa, eu sou sempre a errada, mas quando a corda arrebenta e as coisas começam a dar errado é pra mim que corre. — ela diz jogando as coisas na minha cara.

— Pensei que seu dever como mãe era esse? Porque esse é meu dever como pai.

— Ta dizendo que eu não sou uma boa mãe Bento? O que você sabe sobre ser pai? Ser pai em momentos feliz é fácil. — ela começa a falar e meu pai começa a ficar irritado.

— Chega, para de falar da minha vida como se eu não tivesse aqui ou como se eu fosse uma garota de 10 anos, eu não tenho mais essa idade eu sei das minhas responsabilidades, eu sei dos meus deveres e eu nunca faltei na faculdade se não fosse muito necessário, nunca tive uma falta no trabalho e eu não pedi pra voltar pra essa casa, você foi lá e me tirou da onde eu morava, dizendo que me apoiaria nas minhas decisões, que tornaria aquele momento mais fácil pra mim, isso você chama de tornar as coisas mais fáceis, fazendo da minha vida um completo inferno? Deveria ter me deixado lá. — falo pegando as minhas coisas e colocando dentro da minha lancheira entre lágrimas. — Eu tô cansada de te ouvir pelos cantos dizendo que eu não fico em casa, que eu não vou a missa e outras coisas, eu não sou você e eu não suporto mais ficar aqui.

Peguei as minhas coisas e saí de casa sem nem olhar pra trás, fui pro ponto de ônibus e lá deixei as lágrimas escorrerem, deixei tudo sair.

Eu precisava disso.

Meu ônibus chegou, entrei e não disse uma palavra se quer, passei o meu cartão e passei para o outro lado da catraca me sentei no fundo.

Quando chegou o meu ponto, levantei e apertei a corda e o motorista parou, desci e fiz o mesmo caminho de sempre.

Entrei na faculdade e vi de longe a Hanna que veio na minha direção.

— Oi linda. — me deu um beijo na bochecha.

— Oi — respondo sem animação.

— O que aconteceu? — ela pergunta meio preocupada.

— Nada. — falo.

— Não mente, não pra mim você não consegue. — ela diz segurando o meu rosto, me fazendo encará-la.

— Minha mãe logo cedo. — falo.

—  De novo? — ela pergunta. Apenas faço que sim com a cabeça, ela me abraça e então me sinto acolhida e então choro outra vez. — Se você quiser passar uns dias lá em casa me fala, te faço uma cópia da chave, você sabe que meus pais te amam.

— Obrigada. — digo entre lágrimas.

— Eu odeio te ver assim. — ela fala arrumando o meu cabelo.

— Chorando ou com o cabelo bagunçado? — pergunto rindo.

— Os dois. Mas chorando corta o meu coração. — ela me deu um beijo na testa. — Eu tô aqui, ouviu? Pra sempre.

— Eu sei e é por isso que eu te amo. — disse e abracei ela outra vez.

— Vem, vamos lavar esse rosto. — Ela pega na minha mão e sai me arrastando pelo corredor.

Depois de lavar o rosto e passar protetor solar, cada uma foi pra sua sala, minha primeira aula era de contabilidade.

Mais tarde

_________

Ouço o sinal bater. Hora de ir embora, tudo o que eu queria no momento era ir pra minha casa, trocar de roupa, vestir um pijama, fazer pipoca e ficar lá assistindo um filme de romance clichê e chorando até me desidratar.

Mas nem só de lágrimas eu vivo, de raiva também, por isso vou em direção a saída da faculdade e vou em direção ao meu trabalho.

— Emma. — Ouço a Hanna me gritar e me viro.

— Oi. — grito de volta.

Ela veio na minha direção.

— Você não me disse se vai querer ir pra casa ou não? — Ela diz.

— Vou esperar mais uns dias, tudo bem? — pergunto.

— Você que sabe, só não quero te ver mal assim de novo. — ela diz preocupada.

— Não vou mais deixar ela me magoar assim. Prometo. — digo e ela dá um leve sorriso.

— Sabe que o que te faria bem? — ela pergunta rindo.

— O que? — pergunto de volta.

— Um filme sábado. — ela diz. — Vai pra minha casa e domingo eu te ajudo no centro depois da missa.

— Você no centro? Essa eu pago pra ver. — falo rindo. — Por mim tudo bem, eu vou depois que eu sair do centro.

— Ta bom, bom trabalho. — ela diz e me dá um beijo na bochecha.

— Valeu, pra você também. — falo.

Volto a caminhar em direção ao meu trabalho. Não demorei muito pra chegar lá, faço o mesmo de todos os dias, troco de sapato e arrumo o cabelo. Fui pra sala e me sentei a minha mesa, eu não estava afim de muita conversa.

Bati o meu ponto e comecei o meu trabalho de todos os dias. Marquei algumas reuniões que estavam pendentes, depois mandei alguns papéis pra jurisdição.

— O que foi que você tá quieta hoje? — Karen me pergunta.

— To trabalhando. — respondo ríspida.

— Disso eu sei, tô vendo, mas porque você tá tão quieta? — ela pergunta outra vez.

— Eu sempre tô quieta, o posto de faladeira é totalmente seu. — respondo.

— Acho melhor você nem tentar, qualquer coisa ela já vem com quatro pedras nas mãos. — Angelina disse.

— Como se você fosse a pessoa mais educada e gentil dessa sala né Angelina? — falando olhando pra ela.

— Acordou com o pé esquerdo foi? — Angelina perguntou.

— Caraca, porque vocês não conseguem ver ninguém em paz e deixar a pessoa assim, vocês tem que ir pra terapia. — digo já perdendo a calma.

Levanto da minha mesa e vou em direção a porta e vou tomar água, vejo a Julia também sair da sala e ir até a sala da chefe dela, fiquei olhando pela janela e respirando um pouco.

— Tudo bem? — Julia pergunta.

— Não muito. — respondo.

— E aquelas duas ainda ajudam né? — disse e revirou os olhos.

— Pois é, já começou a mudança de escritório? — pergunto.

— Já, estou começando a arrumar alguns papéis pra mandar pra lá já.

— Legal, vou sentir sua falta aqui.

— Eu também vou sentir a sua. — ela disse sorrindo.

— Bom, deixa eu voltar ao trabalho. — falo indo em direção à sala.

Entrei e voltei pra minha mesa. Mais trabalho, mais reuniões marcadas pra amanhã, mais documentos pra tirar cópia, mais pedido encaminhados pra jurisdição.

Depois de tanto trabalho, olhei no relógio e já estava na hora do meu lanche, então bati o ponto e fui em direção a sala dos funcionários. Peguei meu lanche e meu suco, sei e fiquei lá comendo e mexendo no celular vendo algumas coisas que as pessoas postaram como #tbt. Já estava quase na hora de eu voltar pra minha sala, Julia também foi comer, ficamos conversando sobre eu fazer bolos.

— Essa coisa de gostar de doces, bolos veio da mãe do meu pai. — digo. — Mas eles nunca acharam que eu poderia sobreviver disso, meu pai sempre tentou me apoiar, mas minha mãe colocou tanta coisa na cabeça dele que ficou meio difícil.

— Meu pai e minha mãe são separados. — ela diz. — eu tenho uma irmã mais nova por parte de pai só, minha madrasta faz ele deixar de me ajudar em algumas coisas pra dar tudo pra filha dela, já minha mãe nunca me deixou faltar nada.

— Eu meio que fui obrigada a entrar em uma faculdade, era isso ou então minha mãe não olharia mais na minha cara.

— Acho que ninguém nunca vai conseguir ter uma relação 100% com os pais, né?

— É, acho que não. — disse. — Tenho que voltar. — falo rindo.

Sai da sala e fui em direção ao banheiro, escovei os meus dentes e depois voltei pra sala e bati o meu ponto outra vez.

Mais tarde

_________

Já estava na hora de ir embora. Bati o meu ponto e peguei as minhas coisas. Passei pela recepção.

— Até amanhã meninas. — falo.

— Até amanhã. — ambas respondem juntas.

Desci a escada e sai pela frente. Fui andando como todos os dias até o centro comunitário, assinei a lista e fui pra sala guardar as minhas coisas, então peguei meu avental com o meu nome escrito em baixo do "professora", minha touca e fui pra sala de confeitaria.

— Boa noite meninas. — falo entrando na sala.

— Boa noite. — elas responderam.

— Prontas pra aula de hoje? — pergunto e elas fazem que sim com a cabaça.

— Vou fazer a chamada e a gente já começa.

Peguei  meu caderno e comecei a fazer a chamada, nome por nome. Depois mostrei o que a gente ia aprender hoje, passei a receita e então fomos preparando juntas.

A sala de confeitaria é a sala mais nova que um empresário deu para nós, com todos os equipamentos que precisamos, o que torna tudo isso mais fácil e prático de se ensinar, e eu amo fazer isso.

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