Gabriela narrando :— Explicar o quê?! — minha voz saiu alta, trêmula, doída. — Que tu tá transando com o meu noivo? Que tu destruiu uma amizade de dez anos por… isso?Henrique veio até mim, ainda tentando se vestir, com o rosto branco de pavor.— Eu ia te contar, eu juro, mas foi acontecendo, a gente foi se aproximou, tu tava muito ocupada com a empresa, com os preparativos, e eu me senti… esquecido…— Então tu me traiu. Porque te sentiu esquecido?Eu ri. Um riso nervoso, amargo, sufocado. Me senti ridícula. Senti meu mundo inteiro desabar ali, de pé, na frente da cena mais nojenta da minha vida.Olhei pros dois. Me deu vontade de gritar, de quebrar tudo, de cair no chão.Mas eu só respirei fundo.— O casamento tá cancelado — falei firme, olhando direto nos olhos dele. — E tu… — virei pra Luísa — tu morreu pra mim.O silêncio dentro do loft era pesado, quase sufocante. Eu já tinha dito tudo o que precisava. Mas meu corpo… meu corpo gritava por mais. Pela raiva, pela dor, pela decepçã
Gabriela narrando :Ainda tava ali, encolhida no colo da minha mãe, quando ouvi o som da porta da frente se abrindo. Me encolhi mais, querendo sumir. O barulho das chaves, os passos, e a voz do meu pai chamando do corredor:— Amor, cheguei… trouxe o Rodrigo comigo, a gente tava resolvendo uns.Ele parou na porta da sala.E eu juro que nunca vou esquecer o silêncio que veio depois. Nem o peso do olhar dele quando me viu ali, chorando, com o rosto afundado no colo da minha mãe.Senti meu rosto queimar de vergonha. Levantei os olhos devagar, ainda com as lágrimas escorrendo. E lá estavam os dois: meu pai com a expressão carregada, e Rodrigo, parado atrás, visivelmente sem entender nada, mas com o olhar preocupado. Ele me olhou daquele jeito calmo dele, meio contido… mas dava pra ver que algo nele também doeu por me ver daquele jeito.— O que aconteceu aqui? — meu pai perguntou, já caminhando até mim, abaixando no tapete ao meu lado. — Gabi, tu tá machucada? Alguém fez alguma coisa conti
Rodrigo narrando :Conheci o Guilherme há mais de oito anos, numa reunião entre empresários do setor automotivo. Na época, ele tava começando a expandir a empresa de peças, e eu tava saindo de uma sociedade falida, com vontade de recomeçar do zero. A conversa foi rápida, direta, e antes mesmo de assinar contrato, a gente já tinha se entendido.De lá pra cá, virei mais que funcionário. Virei braço direito. Cuido da parte administrativa, mas na prática… faço de tudo. Resolvo pepino, fecho contrato, acompanho fornecedor, supervisiono equipe, organizo evento. Se tiver que ir na rua buscar peça ou acompanhar cliente em visita, eu vou. Sou o cara da confiança dele. E isso tem um peso enorme pra mim.Tenho 40 anos. Já vivi coisa demais pra ficar encantado fácil. Já fui casado, por dois anos. Até que um belo dia cheguei mais cedo em casa e encontrei minha ex com outro na cama. Depois disso, nunca mais levei relacionamento a sério. Mulher, pra mim, é uma noite. Duas no máximo. Sem apego, sem d
Gabriela narrando :Acordar hoje foi como levantar depois de um furacão.Abri os olhos devagar, e por um segundo, achei que tinha sido um pesadelo. Que tudo aquilo, o apartamento, a traição, o tapa, o choro no colo da minha mãe, era coisa da minha cabeça.Mas aí eu olhei pro criado-mudo.E vi a aliança… jogada ali, fria, sozinha.A lembrança de que não era um sonho.Era real.Cruelmente real.Respirei fundo, tentando conter a onda de tristeza que ameaçava subir de novo. Meu rosto ainda tava inchado, os olhos pesados, a cabeça doendo como se eu tivesse chorado uma vida inteira, e talvez eu tenha mesmo.Me virei na cama e olhei pro teto por uns segundos.Eu tava cansada.Da dor.Da vergonha.De tudo.Mas eu sabia que precisava me levantar. O mundo não ia parar porque meu coração tava em pedaços. E a empresa também era minha. Eu não ia deixar que a traição de dois canalhas me desmontasse por completo.Levantei devagar, fui até o banheiro e encarei o espelho. Cabelos bagunçados.Olheiras
Gabriela narrando (continuação)Assim que a porta se fechou, deixei a caneta cair na mesa e afundei o rosto nas mãos.O Rodrigo tinha esse efeito em mim. Um silêncio que falava muito. Um olhar que cutucava fundo. Ele não forçava nada, não fazia rodeio… mas quando me olhava daquele jeito, parecia que enxergava tudo o que eu tentava esconder.E isso me desequilibrava.Porque desde que entrei na empresa, há dois anos, ele sempre esteve ali. Sério, firme, competente. Era o tipo de homem que impunha respeito só de estar presente. E por mais que eu nunca tenha dito em voz alta… eu já tinha reparado nele.Claro que tinha.Rodrigo era lindo. Alto, corpo forte, barba sempre por fazer, aquele jeito de quem viveu muito, mas fala pouco. Ele era o tipo de homem que entrava em uma sala e ninguém ousava interromper. E eu? Eu era só a filha do chefe. A novinha metida a empresária, tentando provar que merecia o cargo que me deram.Durante muito tempo, me convenci de que o que eu sentia era pura admira
Gabriela narrando (continuação)O trajeto até o restaurante foi tranquilo, mas por dentro… eu tava uma bagunça.Rodrigo não forçou conversa. Só comentou rapidamente sobre o trânsito e sobre alguns números da empresa que ele ia me mostrar mais tarde. E eu agradecia por isso. Porque meu cérebro ainda tava tentando processar tudo, a traição, a dor, o vazio… e agora, esse homem ao meu lado, me tirando da minha própria cabeça sem fazer esforço.Chegamos num restaurante discreto, daqueles mais afastados do centro, que quase ninguém conhece. Fachada rústica, varanda de madeira, cercado por plantas. O tipo de lugar que meu pai adorava vir pra fechar negócio, e que, claro, Rodrigo também conhecia.Ele estacionou com calma, desligou o carro e saiu primeiro. Deu a volta e abriu a porta pra mim.Sim. Ele fez isso.— Obrigada — falei meio sem graça, descendo do carro.— Sempre — ele respondeu, sem nem me encarar direito. Mas o jeito como falou… ficou ecoando na minha cabeça.Entramos e fomos diret
Prólogo : Guilherme narrando : Eu sabia que aquele dia não seria como os outros. Desde o momento em que acordei, uma sensação estranha me acompanhava, como se algo estivesse prestes a acontecer. Algo ruim. O meu instinto gritava, mas eu ignorei. Estava ansioso para ver Camila, para sentir o seu cheiro, para tê-la nos meus braços mais uma vez. Era como um vício, uma obsessão que eu não conseguia controlar. A casa de praia da família dela era o nosso refúgio, o lugar onde podíamos nos esconder do mundo. Onde ela me dizia, entre suspiros e beijos, que nunca sentiu nada igual. E eu sempre acreditei nisso. Eu acreditei que ela era minha, assim como eu era dela. Cheguei lá com o coração disparado. A porta estava entreaberta, como se estivesse me esperando. Algo no silêncio do lugar me incomodou. O som das ondas parecia distante, abafado pela sensação sufocante que tomou conta de mim. Um arrepio percorreu minha espinha. — Camila? — chamei, a minha voz soando estranha até para mi
Capítulo 2 Camila narrando : Eu tinha 17 anos e, naquela época, o meu mundo ainda era a escola. Eu estava acostumada com aquele ambiente, com a rotina de ser a filha da família rica que todo mundo respeitava, ou, se fosse o caso, temia. Eu não me importava muito com isso, na verdade. Tinha meus amigos, as minhas coisas, e um futuro aparentemente já traçado. Mas tudo mudou quando ele apareceu. Ele estava no meu último ano de escola, mas era novo, um novato que parecia ter saído de algum lugar muito distante da minha realidade. Eu lembro bem do primeiro dia em que ele entrou na sala, com aquele olhar desconfiado, como se estivesse analisando cada pessoa, cada detalhe do lugar. Ele era diferente de todos os meninos que eu já conhecia, e não era só pelo jeito de andar, mais solto, mais confiante de uma maneira que eu não sabia explicar. Eu tinha acabado de sentar no meu lugar, perto da janela, quando ele entrou. Seu nome era Guilherme, e logo ele virou o assunto da turma. Gênio dos