Minha inteligência sempre foi um problema. Eu não conseguia fazer amigos. Era sempre muito doloroso me encaixar no mundo dos outros, preferia sempre ficar sozinha. Agora que era o momento de usá-la em todo o seu esplendor, estava agindo como uma tonta me deixando perturbar por um toque de um homem solitário e enlutado. Peguei Sofia na escola e passamos o final da tarde conversando e brincando. Depois jantamos. Eu tinha acabado de colocá-la na cama às vinte horas, conforme orientações dispostas na agenda diária. Eu sabia que ela estava fingindo dormir. Assim que saí do quarto, ouvi suas risadinhas e os passinhos correndo pelo cômodo. Achei divertido e fingi não saber de nada. Gabriel não estava em casa, então não teria problemas. Pelo menos por enquanto. Eu não o via desde ontem… desde aquele momento. Nem sei como descrever o que foi aquilo. Mas aquela conversa com Joana me deixou ainda mais apreensiva. Eu não tive coragem de contar tudo a ela. Não contei que Gabriel deslizou os
Precisava me explicar com ela, eu tinha sido tão impulsivo e imprudente. Eu era o chefe dela, me comportei muito errado. Eu suspirei fundo e tirei a gravata de vez, mas a sensação de estar sufocando ainda permanecia. Repeti mais uma vez o nome dela, para me dar tempo de encontrar as palavras certas. — Celina. — Sim senhor. — Me desculpe pelo que aconteceu no escritório. Foi completamente impróprio… — Eu entendo, senhor. Não precisa se preocupar com isso. Não pense nisso. Então por que eu continuava pensando? — Mesmo assim — continuei, tentando convencer a mim mesmo tanto quanto a ela —, garanto que não vai se repetir. Eu estava confuso… — Sim, eu sei. O senhor tinha bebido, não estava em plenas faculdades. Me admiro até que se lembre. Eu me lembrava. Cada detalhe. Estava completamente lúcido. Toquei os lábios dela, e toquei o rosto dela porque quis, porque desejei sentir sua pele. Mas não deveria. Não deveria nem pensar nela agora, do jeito que eu pensei. — Foi o mome
Já tinham passado alguns dias desde a conversa na varanda e, aos poucos, tudo tinha ficado normal, ou o mais normal possível. Eu trabalhava o dia todo, mas continuava dando meu beijo de boa noite em Sofia. Assim que desci do quarto dela naquela noite, eu vi Celina. Ela estava na sala, sentada no sofá, com um livro no colo. Quando me viu, sorriu e fechou o livro, como se já soubesse que eu falaria algo. Hesitei por um instante, mas me aproximei. — Você não dorme cedo, hein? Está igual à Sofia, ficando acordada só para me ver? — brinquei, mas minha provocação morreu na garganta quando vi Celina corar subitamente. Surpresa, ela deixou o livro escorregar de suas mãos e cair no chão. Em um movimento rápido, abaixou-se para pegá-lo, como se nada tivesse acontecido. — Eu fico acordada por causa da Sofia, que insiste em esperar você chegar — respondeu, ainda ruborizada. — Mas fiquei feliz de que você tenha parado de exigir que ela durmas às vinte horas. Sofia
Finalmente, a véspera da festa havia chegado. Sofia estava ansiosa, e eu já tinha separado um lindo vestido do armário dela para o grande dia. Ao me dirigir para o meu quarto, a governanta me chamou, apressada, informando que Penélope, mãe de Maria – a amiga de escola de Sofia –, estava ao telefone. Um aperto surgiu no meu peito. Será que a festa tinha sido cancelada? — Sim? — Celina? É a senhora Penélope, mãe de Maria. — Muito prazer. — Estou entrando em contato porque a presença de Sofia foi confirmada, e, como a pobrezinha não tem mãe, né? E o pai... bem, acho que não preciso dizer nada sobre isso. Você deve saber bem o quanto ele é difícil. Enfim, gostaria de saber se Gabriel vai comparecer. Seria muito bom se ele viesse… — Ele é muito ocupado, provavelmente não poderá. — Entendo. Só queria dizer que o traje é gala, está bem? — Certo. Obrigada. Desliguei e liguei para Joana, aquela mulher estava tentando pregar uma peça em mim? Tr
Celina seria massacrada naquela festa. Eu sabia que ela era inteligente, mas, como minha babá, jamais seria vista como igual por aquelas mulheres da alta sociedade. Elas a devorariam com sorrisos falsos, olhares refinados e indiretas angustiantes. Já tinha visto isso acontecer antes: com Lívia. Minha esposa nunca pertenceu ao nosso círculo, e por mais que tentasse, sempre a trataram com condescendência. Comentários sutis, risadas contidas, olhares que a mediam como se nunca fossem suficientes. Eu sabia o peso disso. Eu vi o brilho nos olhos dela se apagar aos poucos. Não deixaria que acontecesse de novo. Peguei o celular, deslizei o dedo até a agenda e, com um clique, fiz a chamada. Do outro lado da linha, a voz de Madalena atendeu. — Senhor Gabriel, como posso ajudá-lo? — Sei que está tarde, Madalena. Mas preciso de um vestido. E é para amanhã, no máximo até as dezessete horas. — Ora, Senhor Gabriel! Nunca é tarde para o senhor! — Excel
— Basta usar o pincel assim e você verá como as árvores ganham vida. Sua vez — me explicou Celina, diante da tela cheia de cores com uma paisagem de arvore que eu tentava pintar. Eu dei batidinhas rápidas com o pincel com o verde-claro e a árvore pareceu ganhar vida. Fiquei radiante. — Celina, deu certo! Deu certo! Eu adorava esse momento com ela. Sempre que o papai saía, a gente corria para o quarto dela para pintar. Celina escondia tudo na outra sala do quarto, onde só a gente entrava. Papai nunca ia lá, e mesmo que fosse, não ia notar os desenhos que a gente deixava na parede da antessala. O quarto dela era enorme, com um lustre gigante e móveis bonitos, mas o que eu mais gostava era esse cantinho escondido, onde parecia que só existia a gente duas. — Será que papai me deixaria ter essas coisas de pintura que você tem?— perguntei à Celina. — Hum… podemos tentar falar com ele. Mas até lá pode usar meus pincéis e tintas. — Ah, obrigada
Quando deixei o escritório, minha mente ainda estava inquieta. Cheguei em casa, subi direto para o meu quarto, tomei um banho e vesti meu smoking, ajeitando a gravata no espelho com mais cuidado do que o habitual. Algo estava diferente naquela noite, embora eu ainda não soubesse exatamente o quê. Fui até a sala, mas a Celina ainda não tinha aparecido. Caminhei até o sofá, checando o relógio mais vezes do que gostaria de admitir. Quando levantei os olhos, ouvi o som de passos leves na escada. Lá estava ela: minha princesa. Sofia descia as escadas com a delicadeza de uma bailarina, envolta em um vestido rosa com detalhes em pérola que pareciam brilhar sob a luz suave do lustre. Ela era o rosto do amor. O tecido fluía como um sonho, com pequenas flores bordadas na saia que balançavam a cada passo. Ela segurava a barra do vestido com as mãos delicadas, um sorriso tímido iluminando seu rosto enquanto seus cachos dourados molduravam sua expressão de pura alegria.
Gabriel estava impecável, o corte do tecido ajustando-se perfeitamente aos ombros largos e à postura altiva. A gravata borboleta adicionava um toque clássico, enquanto os cabelos levemente despenteados pareciam um contraste deliberado, quase desafiador. Havia algo nele que ia além da aparência. Talvez fosse a confiança tranquila com que ele se movia, ou o olhar penetrante que parecia enxergar além de qualquer máscara. Por um momento, me senti vulnerável, como se ele pudesse ver através de mim, mas mantive a compostura. Quando me aproximei, eu disse: — Me perdoe, senhor. Estou atrasada. — Você está linda! — Ele pigarreou e completou — Quero dizer, as duas estão. Quanto ao atraso, não há problema. Nunca é bom chegar no horário nessas festas. Nunca é bom o quê? O que aconteceu com o senhor pontualidade? — Espero que tenha gostado do vestido. — É realmente maravilhoso! — Eu tinha esse… costume… de trazer uma rosa para Sofia em ocasiões es