Meus olhos se arregalaram. — O quê? — Não sou alguém que se sinta confortável em uma rotina previsível. Preciso de algo mais… uma boa disputa de ideias. Você me desafia, Celina. E isso me mantém alerta. Minha mente travou. Ele… gostava disso? Gabriel sentou-se ao meu lado, e eu senti o cheiro amadeirado do seu perfume. Em seguida continuou, sua voz mais grave, mais introspectiva: — Não precisa pedir desculpas por ser inteligente, Celina. Eu vejo o que você faz. Eu também sou assim. Gosto de sair da minha zona de conforto. Só assim posso enxergar o que ninguém mais vê. Eu continuei encarando-o sem dizer uma palavra enquanto ele continuava: — Eu gosto que seja assim. Não deve pedir desculpas por ser inteligente — ele repetiu. — Deve andar com seus iguais. Fiquei sem palavras. Durante toda a minha vida, pessoas me pediram para mudar. Para ser mais silenciosa, mais contida. Para concordar sem questionar. Mas
Eu não queria fazê-la chorar com os meus problemas. Só que eu me sentia vazio, perdido, sem saber como seguir em frente. Me agarrei à mão dela porque, de alguma forma, ela sempre parecia saber o caminho. Mas foi quando toquei o rosto dela, vendo-a chorar, que meu corpo estremeceu. O que estava acontecendo comigo? Primeiro eu a imaginei nua na cozinha, depois senti um alívio inesperado quando ela me disse que as ligações não eram de um namorado, isso inclusive, foi muito invasivo da minha parte. Eu jamais deveria ter feito isso, mas simplesmente não pude me controlar. E agora não queria terminar esse contato entre nós. Esse simples toque parecia um abismo do qual eu não conseguia escapar. Não queria soltar sua mão, não queria encerrar aquele momento. Havia algo ali, algo que me puxava para mais perto, que me fazia querer prolongar aquele segundo em que estávamos tão próximos. Talvez fosse o álcool, pensei por um momento, mas logo me corrigi. Mentira. Eu estava muit
— Meu Deus, o que aconteceu naquele escritório? Celina, como você permitiu que isso acontecesse? — sussurrei para mim mesma, sentindo o calor ainda presente em minha pele, como se o toque de Gabriel estivesse queimando por dentro. Eu havia correspondido ao toque daquele homem. Ele havia segurado minha mão, e talvez isso tenha sido o suficiente para incitar algo dentro de mim, algo que eu não esperava, não desejava, mas que de alguma forma aconteceu. E então, ele deslizou os dedos pelos meus lábios de maneira tão delicada, tão envolvente, que parecia até cruel. Aquela sensação... aquilo era avassalador. Não, não, isso era perigoso demais. Eu precisava me afastar. Eu sabia, lá no fundo, que ele não sentia nada por mim. Ele não me conhecia. Ele estava em luto. A dor, a solidão... ele procurava um alívio, estava apenas se agarrando à primeira mão amiga, à primeira pessoa que parecia capaz de dar um pouco de consolo, nada mais. Nada real. Ele não me queria. E eu não deveri
Já eram quase duas da tarde, e Celina ainda não havia chegado. Combinei com ela que nos encontraríamos a cada dois meses para sabermos em que ponto estávamos. Era nossa maneira de garantir que Sofia não ficasse desamparada — nem emocionalmente, nem em relação às regras rígidas do senhor Gabriel. Sofia estava na escola a essa hora, então não havia risco de alguém nos ver juntas, mas, mesmo assim, a tensão não me abandonava. Meu coração estava apertado, como sempre fica quando penso na menina. Pobre Sofia. Como será que ela estava? Será que o brilho nos olhos dela havia voltado? Ou ainda era ofuscado pela frieza da casa em que crescia? Olhei para o relógio mais uma vez, batendo os dedos na mesa do café em frente à pracinha. Provavelmente, Celina estava indo bem. Sem a Dona Regina lá, se o senhor Gabriel não tivesse gostado da abordagem de Celina, já a teria despedido. Meu Deus, será por essa razão Celina que estava demorando tanto? Tinha sido despedida?
Ela estava ofegante e vermelha, não olhava nos meus olhos. Alguma coisa tinha acontecido com ela. Celina não era assim. Respirei fundo e perguntei de uma vez, temendo a resposta: — Vocês se beijaram? — Pelo amor de Deus, não! Joana, eu trabalho somente há dois meses lá… — Celina, você está vermelha, hesitante, não olha nos meus olhos, o que aconteceu? — Não aconteceu nada, está bem? Ele só bebeu muito e segurou a minha mão. — Segurou a sua mão? — E eu fui embora, foi só… — Foi só o suficiente para mexer com você? Ela baixou os olhos e não respondeu. — Celina, cadê toda a sua inteligência? Justamente quando mais precisamos dela, ela te abandonou? — Eu… Eu… — Celina, eu te amo. Mas ele não é um homem para se apaixonar. Está em luto e nós temos uma missão. Ele deve confiar em você para a gente poder… — Eu sei… eu sei… eu não vou me apaixonar… vamos esquecer
Minha inteligência sempre foi um problema. Eu não conseguia fazer amigos. Era sempre muito doloroso me encaixar no mundo dos outros, preferia sempre ficar sozinha. Agora que era o momento de usá-la em todo o seu esplendor, estava agindo como uma tonta me deixando perturbar por um toque de um homem solitário e enlutado. Peguei Sofia na escola e passamos o final da tarde conversando e brincando. Depois jantamos. Eu tinha acabado de colocá-la na cama às vinte horas, conforme orientações dispostas na agenda diária. Eu sabia que ela estava fingindo dormir. Assim que saí do quarto, ouvi suas risadinhas e os passinhos correndo pelo cômodo. Achei divertido e fingi não saber de nada. Gabriel não estava em casa, então não teria problemas. Pelo menos por enquanto. Eu não o via desde ontem… desde aquele momento. Nem sei como descrever o que foi aquilo. Mas aquela conversa com Joana me deixou ainda mais apreensiva. Eu não tive coragem de contar tudo a ela. Não contei que Gabriel deslizou os
Precisava me explicar com ela, eu tinha sido tão impulsivo e imprudente. Eu era o chefe dela, me comportei muito errado. Eu suspirei fundo e tirei a gravata de vez, mas a sensação de estar sufocando ainda permanecia. Repeti mais uma vez o nome dela, para me dar tempo de encontrar as palavras certas. — Celina. — Sim senhor. — Me desculpe pelo que aconteceu no escritório. Foi completamente impróprio… — Eu entendo, senhor. Não precisa se preocupar com isso. Não pense nisso. Então por que eu continuava pensando? — Mesmo assim — continuei, tentando convencer a mim mesmo tanto quanto a ela —, garanto que não vai se repetir. Eu estava confuso… — Sim, eu sei. O senhor tinha bebido, não estava em plenas faculdades. Me admiro até que se lembre. Eu me lembrava. Cada detalhe. Estava completamente lúcido. Toquei os lábios dela, e toquei o rosto dela porque quis, porque desejei sentir sua pele. Mas não deveria. Não deveria nem pensar nela agora, do jeito que eu pensei. — Foi o mome
Já tinham passado alguns dias desde a conversa na varanda e, aos poucos, tudo tinha ficado normal, ou o mais normal possível. Eu trabalhava o dia todo, mas continuava dando meu beijo de boa noite em Sofia. Assim que desci do quarto dela naquela noite, eu vi Celina. Ela estava na sala, sentada no sofá, com um livro no colo. Quando me viu, sorriu e fechou o livro, como se já soubesse que eu falaria algo. Hesitei por um instante, mas me aproximei. — Você não dorme cedo, hein? Está igual à Sofia, ficando acordada só para me ver? — brinquei, mas minha provocação morreu na garganta quando vi Celina corar subitamente. Surpresa, ela deixou o livro escorregar de suas mãos e cair no chão. Em um movimento rápido, abaixou-se para pegá-lo, como se nada tivesse acontecido. — Eu fico acordada por causa da Sofia, que insiste em esperar você chegar — respondeu, ainda ruborizada. — Mas fiquei feliz de que você tenha parado de exigir que ela durmas às vinte horas. Sofia