Descemos do carro com cautela, o coração batendo acelerado, e seguimos o homem que nos conduzia. Ele era alto e magro, mas seus músculos definidos sugeriam que ele estava mais do que preparado para qualquer confronto. Seus movimentos eram rápidos e precisos, e ele não parecia se importar se estávamos nervosas ou não. Seu rosto estava parcialmente escondido pela sombra de um boné, mas dava para ver as marcas de vida que levava estampadas em sua expressão séria.Cada passo que dávamos parecia nos levar mais fundo na realidade daquele lugar. As casas eram amontoadas umas sobre as outras, separadas por becos estreitos e tortuosos, onde crianças brincavam alheias ao perigo constante. O cheiro de comida misturava-se ao de esgoto, e as paredes grafitadas testemunhavam uma vida de luta e resistência. Eu tentava não me deixar intimidar, mas era impossível não sentir um frio na espinha. Era como se cada esquina escondesse um perigo à espreita.Enquanto caminhávamos, eu não conseguia parar de pe
Quando voltei para casa, o peso do que havia feito ainda pressionava meus ombros. Tentei entrar de fininho, quase me esgueirando pela porta, na esperança de evitar ser vista. Mas, assim que meus pés cruzaram o limiar da sala, percebi que minha tentativa foi inútil. Bernardo estava ali, me esperando no sofá, com a postura rígida e os olhos fixos na porta, como se tivesse antecipado o exato momento em que eu chegaria. Quando nossos olhares se cruzaram, senti uma conexão silenciosa, carregada de compreensão e uma dor compartilhada. Era como se, sem precisar de palavras, ambos soubéssemos que o outro tinha saído para fazer algo que tinha nos custado algo valioso.Ele se levantou, caminhando em minha direção com passos lentos e deliberados, como se estivesse pesando cada movimento. Seu olhar não vacilou, e quando finalmente parou à minha frente, a pergunta que saiu de seus lábios foi suave, quase um sussurro, mas não conseguiu esconder a preocupação que a envolvia.— O que você fez, Alice?
As horas se arrastavam como uma tortura silenciosa. Bernardo e eu tentávamos nos distrair, mas nada parecia ter sentido. Demos mais algumas entrevistas naquela manhã, mantendo a busca por Ian nas manchetes, tentando pressionar quem quer que fosse que tivesse alguma informação. Mas a cada nova entrevista, minha ansiedade aumentava. Não havia resgate solicitado, nenhuma pista sobre onde ele poderia estar. Nós, é claro, tínhamos uma boa ideia do que estava acontecendo, mas nossa esperança era que ao tornar o caso tão público alguém que tivesse visto alguma coisa pudesse entrar em contato com a polícia. Mas não foi o caso.Além da angústia natural de uma mãe desesperada, havia também a ansiedade por notícias de Corvo. Ele havia pedido quarente e oito horas, e eu sabia que não podia pressionar. Mas, a cada nova hora que passava, meu coração parecia estar prestes a sair pela boca. A primeira noite foi longa, mas a segunda madrugada foi ainda pior. Bernardo e eu estávamos deitados na cama, l
Os dias que se seguiram ao retorno de Ian foram de uma felicidade quase surreal. Era como se Bernardo e eu estivéssemos tentando compensar cada segundo de terror que havíamos vivido, dedicando todo o nosso tempo a mimá-lo, brincar com ele, e simplesmente desfrutar da sua presença. Com Bernardo afastado da Orsini e eu ainda sem retornar ao trabalho, nossas vidas giravam em torno do nosso filho. Cada risada, cada sorriso de Ian era uma lembrança viva de que havíamos passado por um pesadelo, mas que agora estávamos no paraíso.Aquilo estava se refletindo em nossa vida a dois também, que estava surpreendentemente boa. Cada momento que eu e Bernardo passávamos juntos parecia fortalecer ainda mais o nosso vínculo. As noites em que nos aconchegávamos no sofá, os risos que dividíamos nas pequenas conversas e até mesmo os gestos simples do dia a dia — tudo isso me mostrava o quanto nos completávamos.Claro que a tranquilidade não veio sem suas complicações. Quando a polícia nos questionou sobr
~BERNARDO~Quando saí da reunião e caminhei pelo corredor em direção à recepção, uma sensação de alívio começou a se instalar em meu peito ao ver Alice sentada exatamente onde eu a havia deixado. Conhecendo-a tão bem quanto eu conhecia, era natural imaginar que ela poderia estar planejando algo, especialmente depois de tudo que havíamos enfrentado nas últimas semanas. Sua determinação e capacidade de agir por conta própria eram admiravelmente fortes, mas também perigosas. Porém, ao vê-la ali, aparentemente tranquila, comecei a acreditar que, pelo menos desta vez, as coisas estavam sob controle.Ainda assim, havia um pequeno vestígio de preocupação que não conseguia ignorar completamente. Alice sempre foi imprevisível, e isso era algo que tanto me encantava quanto me deixava apreensivo.Me aproximei com um sorriso no rosto, já pronto para compartilhar as notícias da reunião.— A reunião foi remarcada porque Valentina teve um problema de saúde — comecei a dizer, mas interrompi minhas pa
Após nosso breve e intenso momento de carinho, a conversa sobre o casamento se instalou em meu coração com uma doçura inesperada. Bernardo, sempre tão carinhoso e cuidadoso, conseguia transformar as palavras mais simples em promessas de um futuro que eu mal podia esperar para viver. Enquanto ele falava sobre a possibilidade de uma cerimônia íntima, longe dos olhares curiosos e focada apenas em nós e na nossa história, senti meu peito se aquecer com a ideia.Eu não sabia que poderia desejar tanto algo assim, mas agora, com ele ao meu lado, com Ian seguro e tranquilo, parecia que tudo estava no lugar certo para que déssemos o próximo passo. Olhei para Bernardo, que ainda segurava meu rosto entre as mãos, e senti uma onda de desejo misturado com amor puro. Ele me fazia sentir tantas coisas ao mesmo tempo, era quase avassalador.— Sabe — comecei, um sorriso malicioso surgindo nos meus lábios — acho que podemos começar a celebrar esse futuro agora mesmo.Bernardo levantou uma sobrancelha,
Os corredores do hospital estavam cheios de movimento, mas para mim, tudo parecia desfocado. Estar de volta ao trabalho deveria me trazer uma sensação de normalidade, mas o que eu sentia era uma mistura de ansiedade e insegurança. As sessões de fisioterapia que eu vinha fazendo nos últimos tempos ajudaram a restaurar parte da minha confiança, mas essa confiança era frágil, como vidro prestes a quebrar. Quando entrei na sala de cirurgia pela primeira vez desde que voltei, a pressão por perfeição me esmagou. A cirurgia era relativamente simples, nada que eu já não tivesse feito antes, mas minha mente estava um caos. Eu queria ser perfeita, e esse desejo de perfeição acabou por me paralisar. No meio do procedimento, cometi um erro. Não foi nada grave, algo tão pequeno que nem mereceu uma advertência, mas eu sabia que tinha falhado. O pior é que eu nem tinha sentido as costumeiras dores, eu tinha falhado apenas pelo receio de falhar. E, então, o medo do que poderia acontecer na próxima ve
~BERNARDO~A sala de reuniões da Orsini Tech estava iluminada de forma suave, com uma luz que refletia nas paredes de vidro, criando um ambiente quase clínico, frio, que contrastava com a urgência crescente que permeava o ar. Eu estava sentado na cabeceira da mesa, ainda acostumado a ocupar aquela posição de comando, mesmo que, oficialmente, tivesse abdicado do cargo de CEO. Cada detalhe naquela sala parecia amplificado — o som abafado dos passos no carpete, o zumbido quase imperceptível do ar-condicionado, as respirações contidas dos membros do conselho. Todos sabiam o que estava por vir, mas ninguém ousava falar antes do momento certo.Quando a porta de vidro se abriu e Valentina entrou, foi impossível não notar o impacto visual que ela causou.— Céus, Alice! — Murmurei baixinho, tentando conter a satisfação.Seu rosto estava marcado por hematomas profundos, variando em tons de roxo e amarelo, com um olho ainda inchado, quase fechado. Um corte perto do lábio inferior parecia doloros